segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O Bichómetro

A uma tarde que foi uma bebedeira de ópera, Mozart e mais Mozart, o Don Giovanni e a Flauta Mágica interinhos, seguiu-se a alegria tonta e o disparate delirante da Italiana in Algeri (Rossini é outro grande amor meu, sabe-se). Precisava deste banho de música, de mergulhar nela, de me comover com a beleza e de rir ao mesmo tempo.

Uma certa entrada do blogue da Rita Ferro (a quem roubei a imagem, por não ter encontrado outra mais satisfatória, eu sei que ela perdoa) lembrou-me uma velha tontice minha, um aparelho só existente na minha fértil imaginação e a que chamei bichómetro.

Antes de vos explicar o que é e como surgiu na minha cabeça o bichómetro, e antes que comecem a apedrejar-me e a chamar-me nomes feios, entre os quais o mais suave será sempre "politicamente incorrecta", deixem que vos lembre que dificilmente encontrarão pessoa que mais odeie o preconceito quanto à orientação sexual do que eu (coisa que não poucas chatices me tem trazido ao longo da vida). Paralelamente, dificilmente encontrarão pessoa que mais goste de rir do que eu, e uma boa gargalhada é razão mais do que legítima para muita tontice. Por último, acrescento que ninguém tem verdadeiramente sentido de humor se não for capaz de rir de si mesmo, esse é o teste definitivo. Ora acontece que a história que vou contar foi devidamente validada, ao longo dos anos, por pessoas que, podendo sentir-se feridas, riram tanto dela como eu. Amigos gays que me telefonam e disparam disparates como «Atão, bicha?» e levam em troca um «Diz lá, tricha.» E rimos como doidos. E comentamos a Bicha do Demónio e fazemos nossas frases desse prodígio cómico como a já célebre «´tá calada, melher!» (frase com que persigo um certo idiota odiosamente homófobo que comenta a Madalena no Facebook, de cada vez que tenho a sorte de conseguir comentar a seguir a ele — acho que já toda a gente sabe da piada, excepto ele, o próprio idiota).

Mas vamos lá ao bichómetro. O bichómetro não é mais do que o meu apurado gaydar (que só funciona com homens, verdade seja dita) transposto para uma engenhoca imaginária que dá guinchos a sinalizar e acusar cada gay amaneirado que me passa por perto. O bichómetro nasceu há muitos anos, num intervalo de um concerto na Gulbenkian, em que eu a cada instante deparava com personagens tremendamente afectadas e saracoteantes. Às tantas, ao cruzar-me com uma particularmente evidente, emiti um som roufenho que fez o Vítor, minha companhia nesse dia, perguntar o que tinha sido aquilo. «Ah, nada! — respondi meio distraída, a olhar em volta — Era só o meu detector de bichas a apitar.» O Vítor ficou estarrecido, tive de lhe explicar o disparate. E foi aí que encontrei o nome, num rasgo de inspiração: «é o bichómetro!» Quando ocupámos os nossos lugares para a segunda parte ele ainda estava a rir. E, a partir daí, não houve intervalo de ópera, teatro ou concerto em que ele não me perguntasse «já ligaste o bichómetro?» Eu, sempre a milhas, fazia o meu ar de chamada à terra, «ah! Desculpa, já me esquecia!», apressava-me a ligar um aparelhómetro imaginário dentro da algibeira (se a tivesse) ou da carteira, e passava o resto do tempo a grasnar sinais de alerta que o faziam rebolar a rir.

É bem certo que os meus amigos me lembram muitas vezes histórias cómicas minhas. O Vítor é o mais fiel depositário, lembra-se sempre de imensas que eu até já esqueci. Há uma semana, a jantar com o Pedro, ele lembrou-me outra, a fabulosa história da Mulher da Ópera, a que assistiu  (fica prometida, pronto).

A banda sonora? Só podia ser esta. Provavelmente a canção mais bicha de todos os tempos (se alguém tiver o atrevimento de mencionar I Am What I Am, zango-me; isso é assunto sério, muito sério), pelos inefáveis Village People. O vídeo, que não resisto a pôr aqui, é outra pérola. Ainda assim, e porque nunca consigo ser só uma peça, é-me impossível ver esta exuberância tonta sem lembrar que estes dias insconscientes estavam contados, e que a seguir viria o pesadelo da SIDA).






Este vídeo é uma bodega, a imagem é péssima. Vejam antes aqui (alguém muito egoísta, nada a fazer).

9 comentários:

  1. Há muito tempo que não me encontro com o dito nas caixas de comentários da Madalena.

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  2. Eu também não, Paulinho, não vou suficientemente ao Facebook.
    Ah, mas é um requintado prazer atirar aquele «'tá calada, melher!» sabendo que o imbecil nunca percebe que é com ele... :)))

    E já lhe apanhámos atrocidades autênticas, algumas até nos fizeram ter desabafos em privado. Sempre nos contivemos por ser amigo da Madalena. Mas é uma besta, não há como negá-lo.

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  3. Tenho um amigo mto gay, o Shaun, que quando num karaoke decidimos cantar YMCA diz: please no! That is the gayest song ever! I'm not singing that!
    And he didn't :D

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  4. Andorinha,
    Acho que Y.M.C.A is at the corner of gay and gayer.
    Estamos conversadas, não é verdade? :))))

    P.S. É certo que também há In the Navy, também deles. Entre as duas...
    Só não falo de Go West porque essa para mim é sagrada, na magnífica versão que os Pet Shop Boys fizeram.

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  5. Conversadíssimas, és versada no assunto! ;) beijinhos

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  6. Sou tristemente versada no assunto, minha querida.
    Perdi demasiadas pessoas por causa dessa maldita doença. Talvez um dia consiga falar disso aqui no blogue. Mas duvido. Fico com a música. Diz muito mehor coisas que nem sei pôr em palavras.
    Acredita que, ainda hoje, não consigo ouvir Go West sem chorar. Muitas perdas.

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  7. Andorinha, por aqui?

    ...este post tambem me fez lembrar do Shaun...

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  8. Antes isso do que ser apanhado pelo detector da Teresa...
    :-)))

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