quarta-feira, 9 de junho de 2010

Coisas que me acontecem

É fatal como o destino: sou distraída e tenho acentuada propensão para a asneira. As duas coisas juntas podem ter resultados funestos.

Ontem, para não variar, saí tarde do Colosso, estoirada. Cheguei a casa já passava das nove. Abro a carteira para tirar as chaves e não as encontro. Segue-se busca frenética e cada vez mais angustiada. Das cabras das chaves nem vestígios. Ligo para o Colosso, a D. Emília ainda lá devia estar. Foi duas vezes ao meu gabinete, de chaves nem sinal. Reconstituí mentalmente o percurso da manhã, ao sair de casa. Breve passagem no banco, um táxi para o Colosso. Eram as únicas hipóteses, o restaurante do almoço era um não declarado, mas até para lá telefonei. Nada. E foi ao lembrar-me do restaurante que me lembrei de outra coisa: que à hora do almoço tinha visto uma mensagem de voz no telefone. Havia muito barulho em volta, decidi que ouvia depois, não devia ser nada de urgente, já que era das dez da manhã, hora a que estava no gabinete. Com um mau, muito mau pressentimento, fui ouvi-la. Pois. Era do banco em que eu tinha estado de manhãzinha. A dizer que tinha lá deixado as chaves. Amaldiçoei o nunca mais me ter lembrado de ir ouvir a mensagem enquanto estava perfeitamente a tempo de recuperar as chaves, chamei-me dois ou três nomes feios, mas não demasiado, que não gosto de palavrões. 

E parti para o lado prático, não sou muito de ficar a chorar o leite derramado. Eram nove e meia. Estava à porta de casa, exausta, sem poder entrar. Podia chamar as Chaves do Areeiro, ficar nem sei quanto tempo à espera, pagar nem sei bem quanto, que nunca seria pouco — taxa de urgência, taxa nocturna, o diabo a sete. Mais valia ir para um hotel. Era certo que Agri estava em casa, mas tinha comida e tinha água, podia esperar até à manhâ seguinte.

Táxi comigo, a pensar nos hotéis mais próximos, na Av. Malhoa, Ibis ou Novotel. Consultei o motorista, que foi a favor do Novotel, «o Ibis é um hotel assim um bocadinho esquisito», disse ele com ar protector e uma piscadela de olho malandra. Como também associo o Ibis a encontros clandestinos, fui para o Novotel. Registo, essas coisas todas, pessoal simpático. Assegurei-me de que tinham tudo aquilo de que precisaria hoje de manhã. Tinham o básico. Escova e pasta de dentes eram pagas à parte. Reviraram os armários todos, estavam sem kits de higiene dental. Nova piscadela de olho: «mas ali em frente, no Ibis, têm uma máquina dispensadora, posso mandar lá alguém». Declinei a gentileza e atravessei a rua. Tinham a tal máquina, sim senhor. Que fornecia, a saber: kit de barbear, uns cinco tipos diferentes de preservativos, dois de tampões e... o meu kit para a dentuça. Fiquei fascinada, nunca tinha visto tal coisa num hotel.

E pronto, basicamente foi isto. O meu quarto era igualinho à imagem lá de cima, até na disposição, falta a parte que não se vê. Até diria que era o mesmo, se no meu os apontamentos de azul não fossem cor de caramelo ou para essas bandas. Era espaçoso, com uma boa casa de banho e um óptimo chuveiro. Cumpria. 

Acordei às sete (serviço de despertar pontualíssimo), saltei para o banho, lavei a cabeça com o shampoo possível, que era basicamente detergente, creme ali seria luxo — a minha sorte é ter um óptimo cabelo. Nua, a passarinhar-me nas sandálias, vesti a roupa da véspera, que remédio (nunca ando descalça em quartos de hotel, nem que seja no Claridge's ou no Plaza, quando viajo levo sempre chinelos de quarto — muitas vezes nem chegam a sair da mala, porque fazem parte das gentilezas do serviço, tal como um roupão). Vinguei-me no óptimo pequeno-almoço: ovos mexidos com bacon, cogumelos e tomate, excelente chá verde, sumo de laranja aceitável. O imprescindível expresso a terminar deveria ser pago, mas foi-me galantemente oferecido.

Eram oito e um quarto, saltei para um táxi, calculando que haveria gente no banco antes da hora da abertura. Recuperei as chaves, corri para casa, fiz muitas festas a uma Agri muito queixosa, de tigelinha de ração esgotada e só com um restinho de água, mudei de roupa a correr, pus tónico e hidratante nas trombas, o resto ficava para depois, e saí como um furacão. Às nove menos dois minutos estava à secretária. All's well what ends well. Mas a D. Emília ficou muito admirada por eu só pedir chá verde, em vez do habitual pequeno-almoço de café com leite e pãozinho com queijo. Abstive-me de explicações. Soube à tarde que a minha mudança de regime alimentar tinha sido comentada. People talk. Let them talk. 

«Never complain, never explain.»
Duquesa de Windsor

14 comentários:

  1. Bom... compra uma p**** de um gancho e prende as chaves à carteira com uma correntinha, como a minha tia Lourdes (87 anos) faz e que deu sempre bom resultado (nunca as perde).

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  2. Ibis, Novotel, adoro. Deixam os cães dormir no quarto com os donos. :)

    Por aqui também há distraídos. Pelo sim pelo não há sempre alguém que não more demasiado longe com uma chave extra...

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  3. Olá, Teresa.

    Quando via foto, vi logo que se tratava do "meu" Novotel.

    Nunca fiquei no Novotel em Lisboa, mas conheço todos em Londres e posso dizer que são bons. Num quarto standard (Superior, como é agora chamado), não há slippers ou bathrobes. Contudo, num dos Executive rooms, já há.

    E quanto ao Ibis, acredite que não é nada disso. São apenas hoteis de 2 estrelas, para um tipo de cliente com menos dinheiro. Só isso.

    Já fiquei num, quando visitei o Porto pela 1ª vez, e não posso reclamar. Todas as noites quando voltava ao hotel, tinha sempre o quarto impecável e com o pijama dobrado.

    Parabéns pelo blog. É sempre muito bom vir cá aprender algo de novo.

    Sílvia

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  4. Eu tenho fama (e proveito) de pessoa a quem acontecem estas coisas, por isso, já a contar com as minhas distracções, deixo sempre uma cópia da chave de casa no trabalho.
    Agora felizmente tenho uma flatmate por isso nos próximos tempos posso dar-me ao luxo de me esquecer das chaves.

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  5. hihihihihihi (rindo em surdina mode)

    lai lai lai lai (saindo a saracotear a cauda) num tenho medo de ti, nhã nhã nhã nhã nhã

    enxofre

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  6. E eu que pensava ser a única distraída do género... Por mor desses "azares" já tenho uma chave em casa de uma amiga, mas... e quando ela resolve ir de férias???

    Conheço esse Novotel e já aí fiquei muitas vezes quando tenho que me deslocar a Lx para formações, é muito bom sim! Quanto ao Ibis tinha/tenho a mesma ideia que tu, mas também já tirei a coisa a limpo (julgo eu), funciona nesse tal género esquisito durante o dia (como muitos outros que nem nos apercebemos), mas para pernoitar também não achei mau, já que tive que me socorrer dele em Braga (o único na altura com um quartinho livre para dormir uma noite).

    Festinhas à Agri, beijocas para a distraída ;)

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  7. Bela presença de espírito! Eu não sei se me lembraria de ir passar a noite num hotel em vez de me descabelar toda à espera de um serralheiro. Anoto, para futura referência.

    beijinho

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  8. Vou fingir que não ri à gargalhada, sorry!!!
    Mas isso acontece a todos, ou será que não?
    Uma vez tive que partir o vidro de uma das janelas (o mais pequeno que existia lá em casa) para conseguir entrar...
    Também já tive que chamar os bombeiros 2 vezes para me abrirem a porta de casa, esta era demasiado alta para partir vidro e entrar pela janela eheh.
    Beijinho

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  9. Isso foi épico, Teresa.
    Conheço os hoteis do grupo Accor só no estrangeiro, onde também já fiquei em Ibis, são básicos mas limpos e servem muito bem para uma emergência. O Novotel é o topo de gama deles.

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  10. Entao nao te lembraste de ligar a um amigo? Ou 'a mae? eheheh

    E' o meu pesadelo... esquecer-me das chaves. Tantas vezes ja me aconteceu que todos os dias tenho uns segundos de aperto no peito antes de chegar a casa no tempo que as procuro na carteira. Mas nunca precisei de hotel pq fico em casa de alguem. Outro truque que uso e' dar sempre uma copia das chaves a um amigo(a) de confianca... Ela guarda-as la num armario de casa dela e quantas vezes ja me salvou!

    Uma das vezes aconteceu-me em Lisboa, mas nao se resolveria no dia seguite - a minha mae, que me veio visitar um fim de semana, levou-as para o Porto e eu so as recuperaria muito depois. Tive que chamar os bombeiros - a fechadura especial nao dava para Chaves do areeiro. Eles saltaram da casa da vizinha para a varanda das traseiras e arrombaram a porta da cozinha. Mudei as fechaduras e repus o vidro da cozinha partido, e tudo ficou por nem 20 contos na altura.

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  11. Olá Teresa, a sua odisseia é clássica, embora reconheça que a ideia do hotel esteve muito bem apanhada.
    Eu um dia esqueci-me das chaves de casa... dentro de casa e não foi pera doce resolver a questão.
    A partir daí mecanizei um hábito: fecho sempre a porta à chave quando saio de casa - por um lado aumento a segurança da casa, por outro certifico-me de que não deixo as chaves lá dentro.
    Para casos mais bicudos, deixo uma chave em casa do meu irmão.
    Só tenho pena da Agrizinha, coitada, a quem aproveito para mandar cumprimentos da parte da minha Tareca.
    100

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  12. Pergunta... Mas não tem outra chave? Entregue na vizinha, na porteira, na posse da mulher a dias, de algum familiar? A minha empregada tem uma e um dos meus filhos, se algum deles estiver a viver em Lisboa na altura, ou um outro familiar (a minha mãe, p. ex.) outra. "Ordem, método e disciplina", cara Teresa.

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  13. Por essas e outras é que tenho duas cópias de chaves entregues a pessoas de confiança, não vá uma não estar em Lx na altura do esquecimento :)
    Mimos para a tua Agri ;)
    *

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