quinta-feira, 13 de maio de 2010

Querido Diário

Tenho muitas e muitas centenas de páginas assim, manuscritas, de letras traçadas com a minha adorada Montblanc que quase se antecipa aos meus pensamentos, o aparo a correr sozinho no papel pautado dos livros de actas da Emílio Braga. Quando se gosta de escrever também se gosta da volúpia do contacto do aparo de ouro com o papel, muito mais íntimo e convidativo a confidências do que uma página de Word. De caneta na mão sou capaz de contar coisas que recusaria ao teclado.

Sempre fui pessoa de diários. Não é que os meus diazinhos tenham ou alguma vez tenham tido alguma coisa de notável, é só que gosto e sempre gostei de registar as coisas presentes que em breve serão futuras, e de reflectir sobre elas.

E é assim que hoje tiro da estante este caderno de 500 páginas escrito entre 25 de Março de 1990 e 12 de Março de 1991, forrado, como muitos outros, num lindo tecido cor-de-rosa — para mim por excelência a cor para se ser feliz.

A página acima foi escrita, num atropelo de sentimentos e emoções, faz hoje vinte anos. Que longe vai tudo isto, santo Deus! E contudo... contudo (não, Álvaro de Campos agora não!)... Lembro-me de, naquele tempo (In Illo Tempore) o M. ter perguntado ao Vítor se eu era uma pessoa triste ou alegre, como que a precisar de confirmação na voz da pessoa que melhor me conhece. O Vítor vacilou, embatucou, tanto sabia de mim e da minha vida, ficou a pensar, acabou por dar o veredicto: ALEGRE! O M. sorriu aliviado, a olhar para mim, o sorriso do meu lado a confirmar a sentença, enquanto na telefonia do carro tocava  I Need You To Turn To (ironia que ele não percebeu, mas a gente não pode nunca desnudar-se completamente e dizer como aquilo nos denuncia).

«Qui m'aurait dit qu'un jour sans l'avoir provoqué
Le destin tout à coup nous mettrait face à face
Je croyais que tout meurt avec le temps qui passe
Non je n'ai rien oublié

Je ne sais trop que dire, ni par où commencer
Les souvenirs foisonnent, envahissent ma tête
Et le passé revient du fond de sa défaite
Non je n'ai rien oublié, rien oublié...»

(...)

6 comentários:

  1. Ai estas palavras...e em francês!
    E o que me arrepia pensar que poderão ser algo premonitórias!
    Obrigada (nunca fica mal agradecer a quem nos faz recordar bons momentos, mesmo que involuntariamente).

    ResponderEliminar
  2. Eu cá, anoto tudo numa agenda, ano após ano, e guardo-as todas religiosamente.

    Tens letra bonita :)

    ResponderEliminar
  3. Tenho resmas de cadernos escritos há muito, muito tempo. Tempos nem sempre alegres, que de longe em longe releio não sem ficar comovida com algumas passagens. Outras fazem-me francamente rir, e já dei por mim a fazer anotações posteriores do género'que criatura tão tótó que tu eras, Safira Maria...'.

    Sou muito a favor dos diários, embora me tenha afastado um pouco do hábito de ir registando emoções. Mas voltarei a isso, certamente. Até porque compro um caderno/agenda novo todos os anos...

    ResponderEliminar
  4. Estou no meu terceiro diário!

    O primeiro existiu no final da minha adolescência, o segundo no final da década dos meus 20 anos e o terceiro é o de hoje. Eles coincidem com as fases mais conturbadas da minha vida!

    Não sei bem porquê são sempre destruídos passado algum tempo.

    ResponderEliminar
  5. Também tenho que escrever um diário, ou vários.

    ResponderEliminar
  6. Oh eu também queria um diário igual,é muito giro.

    ResponderEliminar