domingo, 4 de abril de 2010

In Illo Tempore

Os cinco anos do Liceu foram para mim tudo aquilo que Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) evoca naquele desgarrador Aniversário, que sei de cor. A única coisa em que divergimos é no facto de eu não ter a sua «raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira», porque o meu passado, todos os meus passados andam sempre comigo. Até este lindo Domingo de Páscoa, em que o sol brilhou num céu inalteravelmente azul, será amanhã passado, e uma memória feliz. E é das memórias felizes que me socorro nos tempos mais duros.

Integrado nas comemorações do Centenário do Liceu, houve um grande almoço no sábado passado, dia 27. Um dia bom e belo, em que, em muitos momentos, dei comigo apenas a olhar em volta e a fixar tudo, pessoas e coisas, sabendo que em breve seriam também já passado, armazenando as minhas memórias de alegria, como um esquilinho diligente faz provisões para o Inverno.

O almoço (soberbo, parabéns, João Jaime!) foi no ginásio, o nosso querido ginásio agora tão desesperadamente necessitado de uma grande reparação. A pretexto de ir à casa de banho, abandonei a mesa em que a minha adorada Dr.ª Maria Helena Teixeira Ferreira  (se o meu Português ainda vai tendo alguma correcção, uns bons 70% são obra daquela Senhora) estava sentada entre mim e o Manel, seguramente dois dos alunos que mais marcou, entre as muitas centenas que lhe passaram pelo rigor implacável, amenizado por um sentido de humor ferino que, uma vez mais, várias vezes mais, como antes, nos fez delirar.

Fui lá para fora, para o pátio. O pátio dos meus três primeiros anos. O pátio em que, menina de bata branca (que lindas eram as nossas batas!), saltei à corda, joguei ao elástico e ao mata. Os plátanos, os mesmos queridos plátanos de sempre, começavam a encher-se de folhas, nesta Primavera apenas começada. À mesa do almoço, o Manel, tão saudoso como eu daqueles anos tão felizes, tinha trazido mais uma memória preciosa. «Lembras-te de quando voltávamos às aulas depois das férias da Páscoa e todos os plátanos já estavam cheios de folhas?» Entre mim e o Manel há um sem-fim desses «lembras-te?» que são bem a medida de uma amizade muito antiga e de muitas coisas partilhadas, e isso é infinitamente doce. Não precisamos de entrar em grandes pormenores.

Lá ao fundo, as salas de aula do nosso 5.º ano (actual 9.º), as das turmas A, B e C (a C, a do canto, a melhor sala do Liceu, era a do Manel). Não resisti a espreitar, a porta da sala 23, a da turma B, até estava aberta, e entrei. Sim, é verdade que tudo parece agora mais pequeno. Que as antigas carteiras do princípio do século, de tampo de levantar, ainda com tinteiros de porcelana, desapareceram, que as portinholas que davam para o campo de jogos foram tapadas. Ainda assim, mesmo nada sendo já igual, enterneci-me, tão fortes eram as lembranças antigas, tão antigas.

E voltei a sentir a mesma sensação de segurança, que só temos verdadeiramente quando somos muito novos, como se, rodeada por aquelas sólidas paredes tão queridas, nada pudesse atingir-me.

Sala 22. A da turma A, a minha


7 comentários:

  1. Que entrada fantástica!

    Tenho a mesma relação com a escola e com o passado, só não a sei descrever tão bem como a Teresa!

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  2. um belo texto
    à altura de tão boas recordações que, felizmente, não são só suas...

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  3. Eu andei neste Liceu em 1968/69, na sala que a Teresa descreve como turma C. Reprovei no meu terceiro ano, depois de vir do Salvador Correia em Luanda, para onde voltei, e para acabar o Liceu em 1973/74 no D. João III (José Falcão depois, por obra e graça minha tb)em Coimbra.
    Gostei do texto da Teresa, detestei o Liceu, onde levei umas "bofas" sem ainda hoje ter conseguido perceber.Fui duas bvezes ao penumbroso gabinete do Sérvulo Correia. Assim de professores lembro um tal de Ingles, Ferraz Franco, o Vergilio Ferreira creio que a Português,e talvez me lembre de mais alguns se puxar pela memória. Detestei o LIceu...

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  4. De alguns colegas lembro-me, como por exemplo o Jo~~ao Gabriel Ferreira, os irmãos Andrade Dores,o Patrício que morava na Picheleira, hoje Olaias, o indiano Judas Tadeu Xavier, o Barroso (o próprio), e por aí adiante...Teresa (andámos sempre a cruzarmo-nos,eheheh!)

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  5. Não consigo associar o meu Liceu Camões, onde andei de 1961 a 1968, a raparigas. Eu tive lá uma visita a 20 de Fevereiro, a do antigo sexto e sétimo F, guiada por um antigo professor, seguida de almoço. Achei os gabinetes de Física e Química verdadeiras peças e museu.
    R.

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  6. Eu adorei andar no meu Liceu, que claro está, não é este aqui retratado. Também tenho muito boas memórias dos anos que lá passei!
    E é tão bom recordar...
    E, por falar em recordar, a Teresa foi de férias? Não é hábito estar tanto temopo sem novos posts. LOL
    Beijinho

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