quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Os discos da minha vida #17: Kate & Anna McGarrigle

Kate MacGarrigle partiu faz hoje um mês, no dia 18 de Janeiro. Dezoito anos eram também a minha idade quando conheci este disco de estreia do duo que formou com a irmã, Anna.

Kate & Anna McGarrigle, de 1976, gravado em 1974 e 75. Conheci-o três anos mais tarde, numa Primavera que para mim foi mágica. O Vítor encomendou-o ao Tandy's, do País de Gales, lembro-me de termos ido buscá-lo à alfândega com o Paulo Miguel numa linda tarde de sol. A remessa era grande, nela também vinha I Want To See The Bright Lights Tonight (mas essa, como diria o meu amigo Kipling, é outra história), o Vítor ainda teve de pagar direitos.

Engraçado como hoje, que tudo temos tão facilitado, já não damos o mesmo valor a certas coisas. E por mim falo, que numerosas são as vezes, em cada mês, em que recebo encomendas da Amazon. Naquele tempo era uma emoção, e que emoção! Recolhíamo-nos como um bicho para a toca para analisar a relíquia, tudo era lido com atenção, esmiuçado e debatido ao mais ínfimo pormenor. Informações na capa, as letras, tudo era alvo de escrutínio sôfrego. E os discos eram genuinamente partilhados.

Este é um dos discos da minha vida. Traz-me memórias muito felizes de um tempo em que à nossa frente se estendia o infinito e tudo estava repleto de promessas e tudo parecia ao nosso alcance. Mas Kate McGarrigle, metade daquela dualidade mágica de vozes feiticeiras que em melodias simples nos faziam estremecer de emoção, partiu faz hoje um mês. Soube há três ou quatro dias, por perfeito acaso, e foi para mim um choque tremendo. Foi para mim uma mancha escura na lembrança tão luminosa, tão risonha, tão feliz daquele tempo. Agudizou-me a consciência da minha fragilidade e da minha própria mortalidade. Mas o pior, o pior de tudo ao saber da sua morte, foi a gelada sensação de solidão que tomou conta de mim de repente. Era tarde, muito tarde. E eu não tinha ninguém com quem partilhar o desgosto, com quem ouvir novamente este disco. Só o partilhei verdadeiramente com duas pessoas: o Vítor, com quem o conheci. E o M., a quem viria a apresentá-lo. E ambos estavam demasiado longe.

Não poder partilhar música é para mim uma das maiores tragédias, e nessa noite estive sozinha. Ainda enviei um e-mail atabalhoado, em que seguiam as três músicas que são, provavelmente, as gemas mais preciosas deste magnífico disco: Heart Like a Wheel, (Talk to Me of) Mendocino e Foolish You. Eu, tantas e demasiadas vezes tão contida, expliquei, talvez com o pudor natural das grandes penas, a razão daquele envio: «Porque esta partida pôs-me a chorar. E porque não conheço mais ninguém que a conheça. Ouve as músicas em anexo. OUVE mesmo.» 

A resposta chegou-me dois dias depois. «Excelente. Lembra-me Paul Williams, não sei porquê.» E tive a certeza absoluta de que não tinha ouvido uma única.

Nem tem assim tanta importância, no fundo. Outras, muitas outras coisas podem ser as bases de uma amizade. Mas naquela noite em que soube da morte de Kate McGarrigle teve importância, teve mesmo muita importância. Porque não ter, de repente, ninguém com quem partilhar Beleza, é talvez a solidão maior. E é isso, Beleza, que este disco da minha vida é. Beleza pura.

Kate McGarrigle andará sempre comigo. E a qualidade da música no Céu crescerá muito no dia, espero que distante, em que Anna for ter com ela. É como na história do Príncipe Feliz.


Não sei o que aconteceu a esta faixa do disco, comprado por uma fortuna há muitos anos, em Madrid. Já vem novo a caminho, Deus abençoe a Amazon. Menos de quatro libras.

3 comentários:

  1. Canção e vozes fantásticas.
    Não conhecia e anoto o nome para futuras averiguações.
    Sinto-me tocado pela forma carinhosa como se refere a Kate.
    Bom fim de semana.
    100anos

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  2. Pela Teresa, fui à procura de tudo o resto das Manas McGarrigle, tinha o primeiro album não lhe ligava muito , confesso... agora o mínimo que posso fazer é ouvir o encantamento.

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  3. 100anos,
    A partida dela doeu-me mesmo. Carinho e pena, de mãos dadas, são genuínos.

    Abel,
    As faixas 4, 5 e 6 são, para mim, a coroa de glória deste magnífico disco.

    Beijos!

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