sábado, 12 de setembro de 2009

Eu sabia que este dia ia chegar

Mas juro que me doeu muito.

Ontem, pela primeira vez, tive de pôr em prática o Acordo Ortográfico com o qual toda eu sou desacordo. Senti-me brasileira, logo eu que nunca pus os pés em terras de Vera Cruz!

Uma das vertentes do meu trabalho no gabinete, mal souberam da minha competência com esta nossa língua por mim tão amada, foi porem-me a rever a legislação pendente de assinatura. Houve situações cómicas (muito cómicas), houve situações embaraçosas, houve de tudo. Mas agora parece que temos mesmo de escrever de acordo com o Acordo do qual discordo, do qual tanta gente, quase toda a gente discorda (aproveito para esclarecer uma data de bestas da blogosfera — que acham que sabem escrever — que não se discorda com, discorda-se de).

O meu olho de lince de revisora teve de ficar triplamente atento, e mesmo assim tenho medo de ter deixado passar coisas. Cortei implacavelmente consoantes mudas em palavras como efectuar, actualizar, excepto. Passaram a coisas para mim estranhas como efetuar, atualizar, exceto. Aquilo devorou-me as entranhas. Era a estranheza, era não ser a minha língua, era como se eu tivesse de repente sido deslocada para Olinda, ou Recife, ou qualquer sítio parecido. Mas, acreditem ou não, o mais estranho de tudo foi ter de grafar os meses do ano com minúscula. Nas coisas que revejo há sempre datas, e Março teve de passar a março, Maio a maio, e por aí fora. Esta nem consigo perceber.

Continuarei a escrever como aprendi enquanto puder — na minha escrita pessoal, aqui, por exemplo. Mas regras são regras, e vivemos numa democracia. Quando votamos estamos a mandatar para decidirem por nós. Se decidirem mal... arcamos com as consequências. Mesmo discordando do Acordo Ortográfico como discordo (e não poderia ter sido mais clara, pois não?), não posso embarcar na atitude de «vou continuar a escrever como sempre escrevi» (curiosamente, muitas das pessoas que proclamam isto assassinam ortografia e gramática a torto e a direito). Repito que não posso discordar mais do Acordo Ortográfico no seu todo, no seu significado último. Mas vou subordinar-me a ele. Não por enquanto, mas suspeito que em breve. De outra maneira, escreverei com erros, e essa mera ideia é-me intolerável.

6 comentários:

  1. Teresa,
    viu o correio que lhe mandei para o mail do blog?

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  2. Teresa

    Estou absolutamente de acordo consigo na questão do malfadado Acordo. Fui uma das que assinou a petição contra o mesmo, ainda que soubesse que nada iria alterar-se.

    Não me admiraria que os três maiores escritores da Língua Portuguesa que ilustram este seu post, estejam às voltas nas tumbas... de indignação!

    xxx Kuska

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  3. Pois venho só dizer que conheço a Gota de Ran Tan Plan via Agripina, o que é um privilégio…!
    Quando há tempo, dou umas voltas, mas raramente sai comentário. Fui atraída pela imagem que também utilizo na entrada de um espaço meu partilhado, («O Silêncio das Palavras», no Bar do Ossian) e gostei do que li. Sentiria o mesmo, se estivesse no activo, tendo de rever textos.
    Porém, devo dizer-lhe que fui sempre, e sou, a favor do acordo ortográfico por múltiplas razões que não cabe aqui dissecar, sendo uma delas a necessidade de tolerância.
    É pouco, dirá. Mas faz parte da evolução dos tempos, eu sou filha de um pai que toda a vida protestou com a grafia imposta em 1923, já depois de ter feito a tropa e com os seus estudos terminados (quarta classe). Deixou-me memórias magnificamente escritas, acredite. Mas só quero lembrar-lhe o que disse FP, logo a seguir a dizer aquela frase tão badalada que me escuso de repetir: «Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.»
    Um abraço solidário

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  4. Quanto ao (des)Acordo, Teresa, lamento dizê-lo, mas parece-me que você simplesmente «tem» de o cumprir porque tem de se submeter ao poder económico. Isto é, se não o aplicar ficará sem ordenado.

    Como não é o meu caso, cometerei "erros" até morrer.

    Portugal é um País europeu. Muitos estrangeiros entendem o português escrito por causa da sua semelhança com outras língua europeias.
    Mas com este «Acordo» as semelhanças diminuem drásticamente.

    Porque raio é que os nossos génios foram na bestice de dizer que há consoantes mudas em «acto», «facto», «factual», etc.?

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  5. Devo ter sido das primeiras pessoas a trabalhar com esta nova versão do português, já em 1992.
    Na altura, e na minha ignorância, pensava que bastava unificar a ortografia - que grande erro! Portugal e o Brasil têm uma incrível quantidade de falsos cognatos, o que leva os menos informados a pensar que se trata da mesma língua...
    Lamento que a "minha" língua se tenha desvirtuado, quando esse esforço não leva, afinal, a lado algum.

    No entanto, não adianta chorar sobre leite derramado. Enquanto não for obrigada, continuo a escrever à maneira "antiga". Mas se, ocasionalmente, tiver de escrever segundo as regras do acordo, recorro ao flip-online, que tem uma ferramenta de verificação da ortografia.
    http://www.flip.pt/

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  6. Nunca liguei muito a este assunto do acordo ortográfico. Talvez o facto (fato?!? não pode ser) de viver na Alemanha e a minha cabeça andar confundida com três línguas ao mesmo tempo, me tenha feito menosprezar esta mudança. Até agora. Mas desde quando "excepto" e "factual" vão soar ao mesmo sem o "c"? Serei só eu que sempre pronunciei o "c" nestas palavras? (bem, na volta andei sempre a falar errado)
    E como vamos distinguir facto sem "c" de fato (roupa)?

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