quarta-feira, 11 de março de 2009

Pérolas de Tradução #2

Em matéria de tradução, nunca até hoje encontrei nada que pudesse bater esta pérola num fabuloso documentário que a 2 passou há uns largos anos (1995), The Art of Conducting — por acaso tenho-o em DVD, em duas partes, mas não corresponde exactamente ao que gravei em VHS (lá voltaremos).

Como o título indica, o documentário é sobre os grandes maestros do passado. Entre os comentadores há nomes como John Eliot Gardiner (a quem devo a segunda Flauta Mágica mais mágica da minha vida, o primeiro lugar vai para uma outra no Palais Garnier, em 2000) ou Isaac Stern. Às tantas, num ensaio, o grande Bruno Walter aponta a batuta a uma secção da orquestra e comanda: Give me an A.

Legenda (believe it or not): Dêem-me a letra A.

Aposto que não conseguem, por mais que tentem, desencantar-me tradutor mais cretino e incompetente.


Como vos disse, considero este documentário de duas horas, em duas partes, uma coisa tão brilhante que guardei preciosamente a cassete. Um dia emprestei-a ao Vítor e... o drama, a tragédia, o horror! — ele deu-lhe descaminho, a cassete sofreu sumiço inexplicável. Um dia, lá por 2005, lembrei-me de procurar na Amazon. Alegria celestial, já estava editada em DVD! Claro que, convenientemente, em dois volumes diferentes, para mais e melhor me sugarem dinheiro, mas há coisas que não têm preço! Encomendei imediatamente, es
tá visto. Mas perdia-se para todo o sempre aquela legendagem estonteante, a achar natural que um maestro pedisse uma letra a instrumentos. Ah, que pena!


Enganam-se, meus amigos! No Natal de 2007, no meio da nossa troca de presentes, o Vítor brindou-me com um embrulhinho intrigante. Apalpei, sondei... que diabo, aquilo parecia uma cassete de vídeo! Parecia e era, como confirmei ao rasgar o papel. Era a minha célebre e preciosa cassete, miraculosamente resgirafada resgatada sabe-se lá de onde, ele tinha-a encontrado! E eu sou doida que chegue para mandar passá-la a DVD, só por causa daquele inefável «dêem-me a letra A» da lavra de um brilhante tradutor (no fim há-de estar, no genérico, um «tradução de...», será implacavelmente achincalhado, as mós de Deus moem devagar, mas moem finíssimo...


Notícia de última hora: a minha alma está parva! Ao procurar na Amazon a capa do documentário para pôr aqui, descobri que a segunda parte, que me custou, máximo dos máximos, umas vinte libras, só se arranja agora por... 540!!! (aqui) Isto é uma preciosidade, bem sei. Mas estão doidos, só pode ser!

Banda sonora: Vivaldi - Concerto for Lute, Violins and Basso Continuo

Dedicado ao Nuno, que faria hoje anos. Rimos muito juntos por causa desta e doutras pérolas.

9 comentários:

  1. 540£ só pode ser anedota!!! E mais uma libra e tal para despesas de envio... francamente! E ainda por cima sem músicos a darem um "A".

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  2. Traduções... A melhor que eu vi até hoje foi - Let's make a toast! (enquanto levantavam os copos de champanhe!), que passou para Vamos fazer uma tosta! Também poderá ser torrada, mas isso já depende dos gostos de cada um. Sei que foi também numa serie na 2, mas já não me recordo qual. Sei também que passei a ficar mais atento a estas pérolas e que me fartei de rir nessa noite!

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  3. Se o mesmo tradutor tratasse da capa, aposto que sairia um "A Arte de... Guiar". LOL!

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  4. Paulo,
    Pôde comprovar que é verdade. Isto foi descontinuado, como se diz agora. O apontamento do extra para envio é a cereja no topo.

    O Luís já tinha referido na entrada anterior uma similar (o que transforma em certeza a suspeita que já tínhamos de muitos tradutores serem perdidos de estúpidos). Decididamente, vou fazer um greatest hits de pérolas de tradução e submetê-lo a votos!

    Mad,
    LOL!!!
    O título era A Arte do Maestro.

    Beijos!

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  5. Ui, há por aí cada tradução mais idiota. A última que vi foi num programa da Oprah (I know, I know, estava a fazer horas) em que ela falava de um Aha moment, referindo-se a um daqueles momentos de reflexão e compreensão na eterna questiuncula do 'de onde vimos e para onde vamos', isto a proposito do livro 'A new Earth'. A brilhante tradução do testemunho de uma leitora que disse 'This book gave me a lot of Aha moments' foi... este livro deu-me muitos momentos de riso.
    Há pachorra? Não há.

    Mas a do 'A' é escandalosa. Tão triste que até dá vontade de rir.

    Beijoca

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  6. Sei que é capaz de ser uma ofensa falar-te do filme "Reviver o Passado em Brideshead", e que possivelmente não o vais ver, mas posso-te garantir que perdes muitas belas "pérolas". São umas atrás das outras...

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  7. Talvez tenha chegado a hora de eu ir consultar um psicanalista, porque estou a sentir um impulso inexorável de defender os tradutores...

    Quem das pessoas que criticou aqui está em condição de nomear, sem pensar muito, cinco tradutores bons?
    Quando a tradução é boa não se repara, não é?
    Mas, pergunto eu, como é que as empresas que encomendam uma tradução podem saber quem é realmente bom?

    Uma outra questão: quanto estou disposta a pagar suplementarmente para receber uma boa tradução?
    (isto é só para atirar areia para os olhos, porque geralmente a tradução é uma das parcelas mais insignificante do conjunto dos custos)

    Fique dito isto em jeito de explicação:
    - as traduções são quase sempre para ontem (algumas para anteontem);
    - o tradutor que pratica preços mais baixos é o que recebe mais trabalhos;
    - uma tradução nunca está acabada, e é sempre possível fazer melhor;
    - shit happens;
    - shit happens com maior frequência ainda devido aos programas auxiliares de tradução (Trados, dejá-vu, etc.) que, para segmentos de frases, sugerem traduções já existentes na memória. "Dê-me um a letra A" e "vamos fazer uma tosta" podiam ser facilmente explicados pelo uso das memórias de tradução. Pior ainda: o tradutor é obrigado a trabalhar com essas ferramentas, e o preço do trabalho é mais baixo porque se parte do princípio que ele gasta menos tempo na tradução, já que uma boa parte já está feita;
    - muitas vezes as condições de trabalho são impossíveis - por exemplo, traduzir os diálogos de um filme sem ter acesso ao filme.

    Em suma: é praticamente impossível viver de trabalhos de tradução se se quer fazer boas traduções e, para piorar, o mercado está cheio de diletantes.

    O que podemos fazer, como consumidores?
    - Escrever ao produtor queixando-nos da tradução do produto x feita pelo tradutor fulano, e exigindo a devolução do dinheiro.
    - Escrever nos jornais e directamente ao produtor, louvando a tradução do tradutor cicrano.

    É fundamental divulgar os bons tradutores, como se fala dos bons escritores (no caso da tradução literária, são escritores - e têm um trabalho muito ingrato de interpretar e passar para outra língua aquilo que é específico do escritor, aquilo que é inovador, com apertadíssimo prazos e sem o direito de cometer ousadias linguísticas paralelas às do escritor).
    Mas não é só a tradução literária. Uma carta à empresa que vende varinhas mágicas, louvando a tradução das instruções de uso do aparelho xpto, é meio caminho andado para a empresa guardar esse tradutor.

    E agora com licencinha, vou para a minha psicanálise.
    ;-)

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  8. Helena, estou contigo no que toca a defender os bons tradutores e a denunciar a quem de direito quanto a maus tradutores, que andam a roubar trabalho a pessoas que, cobrando mais, fariam um trabalho com melhor qualidade.

    Todavia, não consigo resistir a mencionar pérolas idênticas quando com elas me deparo. Chama-lhe defeito profissional de tradutora.
    E se queres nomes, deixo-te um apenas que redime a classe: Margarida Vale de Gato.

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