terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O Leão de Granada

Em Julho de 1999 o M. telefonou-me a perguntar quais os meus planos para as férias e desafiou-me a ir até ao sul de Espanha. A ideia sorriu-me, apetecia-me praia com água quente (nada que se compare a Miami...) e, uma vez posta de parte a sugestão dele de irmos até Tarifa, por causa do windsurf, que eu cá detesto praia com vento, começámos a alinhavar a combinação. Eu só tinha um problema: Messy. Onde e com quem deixá-la? Uma certa cabra que se dizia minha amiga ofereceu-se logo para ficar com ela, só facilidades, eu que marcasse tudo descansada. Assim fiz.

No dia 14 de Agosto, tal como combinado e reconfirmado ainda na véspera, eu estava de abalada. A menina resolveu inventar que ia para o Brasil no dia seguinte, não podia ficar com Messy. Ia tanto para o Brasil como eu ou vocês, que nunca conheci criatura mais mentirosa em toda a minha vida (não, nem mesmo o J.), como viria a descobrir mais tarde e muitas dores de cabeça depois. Telefonei ao M., que daí a pouco iria buscar-me. Expliquei-me como pude, pedi imensa desculpa: era impossível ir. Sem o conforto de Messy assegurado, nada feito...

O M. sempre foi um espírito prático. Ficou uns segundos embatucado, mas logo se animou: não havia problema, Messy ia connosco.

Estava doido?! E hotéis que a recebessem? — protestei eu.

— Vai ver como tudo se arranja... — encolheu ele os ombros, eterno optimista.

Parámos em Évora, para almoçar no Fialho, um calor de morte. Messy foi connosco, claro, não ia ficar no carro. Chegámos a Sevilha ao fim da tarde, decorriam os campeonatos mundiais de atletismo (bela cidade para os realizar, em pleno Agosto!), eu a ver tudo negro, os hotéis estariam todos cheios.

Não contava com a proverbial sorte do M. No segundo hotel em que parámos, um encantador boutique hotel (não me lembro do nome), Messy foi recebida com todas a honras. Claro que ela era sempre a primeira parte da instalação: arranjar-lhe o caixotinho, tratar da água e da comida, deixá-la tomar posse do lugar. Nessa noite, Messy a dormir um soninho reparador, jantámos ao ar livre algures no bairro de Triana e lembro-me de que, à meia-noite, estavam 40ºC. Que forno de cidade!

No dia seguinte seguimos para Granada, ambos conhecíamos a cidade de passagem, mas nunca tínhamos ido ao Alhambra. Aí ainda foi mais fácil, foi logo no primeiro hotel que sondámos, um esplêndido cinco estrelas. Mais complicada viria a revelar-se a visita ao Alhambra, que nos fez passar três dias na cidade. Era domingo, o Alhambra (coisa que eu desconhecia) é o monumento mais visitado da Europa, as bichas para as entradas começam às seis da manhã, por volta das dez, com gente ainda a perder de vista à espera, não vendem nem mais um bilhete. Nenhum de nós estava para isso, o M. teve de comprar os bilhetes através do banco, o que significou que só na terça-feira pudemos finalmente lá ir.

Aproveitámos para explorar a cidade. Na segunda de manhã, ao entregar a chave na recepção (eram tradicionais, ainda não usavam cartões), recomendei que, quando fossem arrumar o quarto, fechassem a porta, não fosse Messy assustar-se e sair. Imaginem pois a minha cara quando, ao voltarmos ao hotel, o recepcionista me informa, muito encavacado, que o quarto ainda não tinha sido arrumado.

Fiquei escandalizada! Passava das seis da tarde e o quarto ainda não estava pronto?!

O homenzinho desfez-se em desculpas. Que sim, que tinham ido arrumar o quarto, que tinham tido cuidado e tinham fechado a porta, mas apareceu o gato...

— Gata! — cortei secamente.

Apareceu a gata, concedeu ele, assanhou-se e... as empregadas tiveram medo e debandaram.

Assanhada, minha Messy, a coisinha mais doce do mundo? Tivemos de dar uma gargalhada. Assustou-se, isso sim, e a valentia natural dos gatos fez o resto, armou-se em forte, para intimidar as intrusas!

Aliviado por nos ver encarar a coisa a rir, e com aquele sentido de humor peculiar dos espanhóis, piscou-nos o olho e rematou:

¡Tienen ustedes un león!

Novas gargalhadas, claro

A partir daí, e durante o resto da viagem, parávamos com frequência por causa dela, não fosse precisar de usar o caixotinho ou beber água. E, de caminho, o M. sugeria:

— Paramos para beber um copo e picar alguma coisa? Ou para comer um bocadillo de jamón (a minha perdição)? — E virava-se para trás, onde Messy seguia na sua transportadora, sempre atenta a tudo:

Cariño, ¿Quieres um bocadillo de ratón?

Messy, sempre participativa, verbalizava a sua aprovação com um sonoro miau.

O M. ria e voltava-se para mim:

¡Tenemos nosotros un león!

10 comentários:

  1. Que bom para nós agora as histórias surgirem... :)
    Uma marradinha para ti cá do rapaz.

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  2. Isto, Teresa, é "saudade boa"!

    Folgo muito em ver-te assim.

    Beijos

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  3. Devem se ter armado imediatamente de aspirador em punho... qualquer gato fica assanhado com o barulho!

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  4. Teresa, que história bonita. Pensar nos momentos bons com a Messy é, se calhar, o melhor que pode fazer, e contar-nos esses momentos é o segundo melhor... Um abraço.

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  5. Que lindo. E que figura excelente a do Sr. M. Isso é que é companheiro. Ah essas deliciosas lembranças cúmplices...

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  6. hihihihi imagino o cagaço das empregadas :D com um bicho (bicha, bicha, eu sei qué uma ela) feroz cheio de unhas dentes e pêlo no ar!

    :D

    enxofre

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  7. Que história linda. Eu também tive um siamês durante 15 anos. Era do melhor adorava jogar monopólio e morder os calcanhares. A tua Messy é muito parecida com o meu Chiko Noko. Nunca deixam os nossos corações.
    Beijos

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  8. Sinto muito pela tua perda. Tb ja passei por isso.

    Beijinho

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