quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Marcello Caetano

Pode haver quem não goste dele, quem discorde do seu pensamento político. Mas era um crânio, uma inteligência brilhante.

Em todos os cursos há histórias quase lendárias de exames orais que passam de geração em geração. Eu andei em Direito, logo... são essas as que conheço melhor. Esta, para mim fabulosa, foi testemunhada pelo pai do Vítor, que era advogado.

A cena passa-se no exame final de uma cadeira qualquer de Direito regida pelo Prof. Doutor Marcello Caetano (já não me lembro, mas seria provavelmente Administrativo, que era a grande especialidade dele, e os seus livros sobre esse ramo do Direito continuam, tantos anos passados, a ser referência obrigatória).

O pai do Vítor tinha uma colega que, sendo muito pouco amiga de estudar, tinha um à-vontade e uma lata admiráveis. O que lhe faltava em conhecimentos sobre a matéria compensava com uma enorme desenvoltura e doses imensas de criatividade. O lema dela devia ser basicamente «o que é preciso é estar a falar».

Escassa como era a sabedoria, lá foi respondendo como podia ao que lhe ia sendo perguntado. Mas note-se que sem nunca se atrapalhar — se sabia alguma coisa sobre o assunto, debitava-a. Se mesmo assim lhe parecia pouco para impressionar, não se coibia de completar, alargando-se em teorias de sua invenção pessoal e criadas na inspiração do momento. Quando não sabia mesmo, também não se atrapalhava — lá desatava ela a desenvolver com ar muito convicto as mais surpreendentes teorias.

Acho que a assistência (os colegas de curso, que a conheciam bem) fazia esforços hercúleos para não rir. Marcello Caetano ouviu-a pacientemente até ao fim, imperturbável e sem nunca a interromper — aqui para nós devia estar a gozar o prato...

Por fim, deu-se por satisfeito (whatever that means, neste caso) e disse o clássico "Muito bem, minha senhora, terminou o seu exame." E a seguir largou esta pérola inolvidável:

"A senhora apresentou-me ideias interessantes e originais. Pena é que as interessantes não sejam originais e as originais não sejam interessantes."

Chumbada, claro.

O retrato foi pintado por Maluda e foi tirado daqui.


6 comentários:

  1. Na minha modesta opinião, este país não soube honrar este homem, nem a Faculdade de Direito de Lisboa é digna de um Professor deste nível se considerarmos a forma envergonhada como se lhe refere e destaca um dos seus mais brilhantes académicos (disse isto uma vez ao Marcelo Rebelo de Sousa que ficou a olhar para mim.)

    Acresce o facto de o Prof. Marcelo Caetano ter obra publicada nas mais variadas áreas do Direito, embora o direito público fosse a sua especialidade. Obras, essas, que ainda hoje são tidas como de referência e que continuam a ser indicadas tantos anos depois como bibliografia obrigatória.

    Contrariamente à obra de outros académicos (como por ex. Prof Martinez) a de Marcelo Caetano mantém uma actualidade absolutamente surpreendente.

    Desculpa, mas tocaste num ponto que há muito me faz confusão.

    Aliás, para além de brilhante, o Prof era um homem profundamente generoso.

    Diz o Prof. Freitas do Amaral, no seu 1º volume de memórias, que Marcelo Caetano não só o incentivou a fazer doutoramento, como lhe disse que se fosse necessário ele (Marcelo) abdicaria da cátedra para aquele (Freitas) pudesse chegar a catedrático.

    Em suma, um Senhor.

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  2. Não sabia dessa história do Prof. Freitas do Amaral (que tive a Administrativo). Um Senhor sim, concorde-se ou não com ele.

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  3. Acaso posso perguntar em que anos andou por Direito? É que também lá estive nessa altura: Marcelo, Martinez, Didi, Castro Mendes, Ascensão, Freitas, Gonçalves Pereira, etc, etc, etc!

    LT

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  4. Luís,
    Eu andei em Direito, mas na Católica.
    Acabei o Liceu em Junho de 1977 e entrei para a Católica em Setembro. Andei lá até 1981.

    Professores que tive (na Católica tínhamos a vantagem de serem os catedráticos a dar as aulas teóricas, os assistentes só davam as práticas): Castro Mendes, Almeida Costa, Lucas Pires, Rui Machete, Vasco Pulido Valente, Freitas do Amaral, Mota Pinto, Jorge Miranda, Bigotte Chorão...

    Quem era o Didi? Não estou a ver.

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  5. Didi era professor do 1º ano, dava Introdução ao Estudo do Direito. Dias Marques! Estava a ver que não me lembrava do nome...

    Eu faço parte do mediático curso do Marcelo, Braga de Macedo, Leonor Beleza, etc, etc.

    LT

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  6. Concordo contigo em relação ao Marcello Caetano. Diga-se o que se disser, quem frequentou o curso de Direito não pode deixar de admirar o génio e a inteligência. Li o manual de Direito de Administrativo mas também o de História do Direito (foi o que me salvou para fazer a cadeira, porque os manos Albuquerques eram absolutamente intragáveis!!!).
    A observação dele a essa aluna foi realmente a observação de um cavalheiro. Que mais podia ele dizer?!
    Beijinhos!

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