Auschwitz-Birkenau
Nunca esquecerei o dia 24 de Janeiro de 2009. Foi o dia em que cumpri a promessa, antiga de muitos anos, de prestar homenagem aos cerca de três milhões de vidas que pereceram em Auschwitz. Três dias antes do 64.º aniversário da libertação do campo, a 27 de Janeiro de 1945. Três dias antes da partida de Messy.
A lista de nomes ilustres que por lá passaram ou lá perderam familiares é infindável (os pais do grande Billy Wilder, por exemplo, morreram em Auschwitz). Mas um nome ressalta, luminoso, a simbolizá-los a todos. O nome de uma adolescente de apenas quinze anos cuja voz cristalina continua a ecoar e a lembrar-nos que aquela tragédia aconteceu, que o Holocausto foi uma realidade: Anne Frank.
O destino fez com que Anne Frank não se salvasse por muito pouco, por duas vezes, como que querendo que o seu diário (que, muito provavelmente, nunca teria vindo a público, tivesse ela sobrevivido) proclamasse para todo o sempre a infâmia, como um dedo acusador e indesmentível para toda a eternidade. O comboio que a transportou para Auschwitz foi o último a sair da Holanda com destino aos campos; Anne morreu no princípio de Março de 1945: se tivesse ficado em Auschwitz teria, possivelmente, sobrevivido; mas o exército vermelho avançava, vindo de Leste, e algures entre o fim de Outubro e o os primeiros dias de Novembro de 1944, Anne e a irmã, Margot, foram levadas para Bergen-Belsen, mais a Ocidente, já na Alemanha.
Recomendo a todos o extraordinário documentário Anne Frank Remembered, vencedor de um Oscar em 1995. Quando for a Amsterdão (que não conheço) hei-de visitar a casa-museu de Anne Frank. Outra peregrinação.
Ao contrário do que sucedeu em Dachau, há seis anos, desta vez fiz fotografias. Muitas. É que aquilo não pode ser esquecido. NUNCA. E levava uma incumbência. Pôr uma pedra (Os Judeus não põem flores, põem pedras) em memória do bisavô materno de um amigo do grupo do Liceu, senhor respeitadíssimo e de rara erudição, de quem ele herdou um dos nomes, que morreu em Auschwitz, bem como quase toda a família desse lado, originária da Polónia.
Recolhi em Auschwitz I uma pedra que depositei depois em Birkenau (Auschwitz II). É que o fim da linha de comboio, a linha de pesadelo que para entrar no campo passava por baixo daquela torre sinistra, ominosa, que visita às vezes os meus pesadelos como símbolo absoluto do Mal, era em Birkenau. Logo ali, junto à plataforma, eram feitas as selecções. Três quartos das pessoas seguiam directamente para a câmara de gás, só o quarto restante era usado (por tempo incerto e, quase sempre, muito breve) como mão-de-obra escrava. Para as crianças, os idosos e os deficientes Birkenau era o fim da linha, a morte imediata.
Rudolf Höß, comandante do campo, julgado em Nuremberga, foi aqui enforcado,
a 16 de abril de 1947. Que a sua alma maldita arda no Inferno até ao fim dos Tempos.
a 16 de abril de 1947. Que a sua alma maldita arda no Inferno até ao fim dos Tempos.
Entrada para a única câmara de gás ainda existente, que as SS não tiveram tempo de destruir, na tentativa vã de apagar vestígios do genocídio. Estive lá dentro, não se pode fotografar, naturalmente.
Interior da câmara de gás (retirada da Wikipedia)
Interior da câmara de gás (retirada da Wikipedia)
Pavilhão das pavorosas experiências médicas ginecológicas, efectuadas pelo Dr. Carl Clauberg.
Neste pátio, alinhadas contra o muro lá ao fundo (Muro da Morte), foram fuziladas milhares de pessoas
Neste pátio, alinhadas contra o muro lá ao fundo (Muro da Morte), foram fuziladas milhares de pessoas
«Arbeit macht Frei.»
«Vós, que entrais, abandonai toda a esperança», do Inferno de Dante, teria sido mais verdadeiro
«Vós, que entrais, abandonai toda a esperança», do Inferno de Dante, teria sido mais verdadeiro
Pedra pelo bisavô do meu amigo A. Depositei-a junto desta coroa de flores,
mesmo debaixo da torre medonha
mesmo debaixo da torre medonha
Sem palavras.
ResponderEliminarUma peregrinaçao que todos nós deveriamos fazer.
Parabéns pelo testemunho fotográfico que impressiona.
mhmalhoa
To come full circle
ResponderEliminarAs primeiras imagens do filme "A Fuga das Galinhas" causaram-me calafrios: como se a câmara estivesse a mostrar os pavilhões dos campos de concentração.
ResponderEliminarHá uns anos, em Berlim, um amigo levou-me ao que sobra de um campo nos arredores da cidade. Não sendo Auschwitz, a experiência foi aterradora.
Sem palavras.
ResponderEliminarEste teu post é a prova de que a memória dos povos é por demais importante.
ResponderEliminarbeijo
O Horror é tremendo silenciador...
ResponderEliminarNão tenho comentários possiveis...
Obrigada.
ResponderEliminarHa fotos do Ellie Wiesel a dormir num desses "compartimentos". Eh bom nao esquecer as atrocidades (que alguns cegos teimam nunca terem acontecido), mas prefiro relembrar auschwitz de outra forma. Foi la que os avos da minha prima se conheceram e se apaixonaram. No meio de tanta humilhacao e falta de dignidade... ainda houve lugar para sentimentos tao humanos como o amor. Faz lembrar o cliche: "podem matar o corpo, mas nunca terao o seu espirito". Beijinhos
ResponderEliminarMHMalhoa,
ResponderEliminarNão sei se todos deveríamos fazê-la, só sei que eu tinha de a fazer.
Volte sempre.
Pedro,
Sim, to come full circle.
Mad,
Sem palavras, pois é.
Tal como no campo. As pessoas falam muito baixo, quase num sussurro. Pelo horror. Pelo respeito.
M&M,
Sobre a memória... amanhã hei-de pôr aqui outra coisa, agora estou estoirada.
Beijos a todos.
Stephen King,
ResponderEliminarNem mais.
Paulo,
Auschwitz é o que mais vivamente representa o Holocausto, mas acredito que o sentimento de pavor que experimentamos seja igual em qualquer campo, seja ele Dachau, Trblinka, Sobibor, Ravensbruck ou a infelizmeente enorme lista...
Chat Gris,
Imagina que mesmo à entrada do campo, logo a seguir ao medonho letreiro, estava um gato (até parecido contigo) a quem estive a fazer festas. Quando ia afastar-me ele puxou-me as calças com a patinha, a reter-me. E tive de lhe fazer mais festas. O Vítor estava enternecido a olhar, falámos muitas vezes daquele gatinho. Estupidamente... não o fotografámos. A história da AEnima lembrou-me dele.
AEnima,
Sei perfeitamente qual é a fotografia, foi tirada em Buchenwald aquando da libertação (à medida que o exército russo avançava, Elie Wiesel foi levado de Auschwitz para mais três campos, acabou em Buchenwald).
É esta, não é?
http://srebrenica-genocide.blogspot.com/2008/08/holocaust-survivor-elie-wiesel.html
Um amor nascido no meio daquilo, meu Deus...
Beijos a todos.
Eh essa exactamente. Costuma ter na contra capa dos seus livros. E sim... E' verdade... um amor no meio daquilo. Beijinhos.
ResponderEliminarTeresa,
ResponderEliminarhttp://www.youtube.com/watch?v=TZ860P4iTaM
;-)
Aí está uma peregrinação que me custaria muito fazer e que não me suscita nenhuma curiosidade. Fico-me pelas leituras sobre o tema, e pela imensa repulsa por tanto horror inexplicável.
ResponderEliminarAEnima,
ResponderEliminarDissemos Tudo.
Luís,
OBRIGADA. Que coisa encantadora!!!!
Meninos, vão todos ver o link que o Luís K. W. aqui deixou!
Ana,
Tenho mais coisas a publicar sobre este assunto, a falta dolorosa de Messy tem-se feito sentir. E não, aos meus olhos não há nada de sacrílego nisto que acabo de escrever. Messy era todo um Mundo que agora me falta debaixo dos pés.
Não, Ana, não era curiosidade. Li o Diário de Anne Frank com nove anos (obrigada, Pai!), era mesmo vivo horror. E outras coisas que aqui não digo, mas poderei contar-te de viva voz e passam por palavras levianamente ditas sobre mim por um Vítor (então Victor) de 18 anos. Éramos tão novos!
Quando transpusemos o portão que levava à câmara de gás, em Birkenau (sei o momento exacto), o Vítor corrigiu a enormidade que se me colou à pele nos 30 anos que se seguiram («conheceram-me logo por quem não era, e não desmenti, e perdi-me...»). A frase tremenda saiu-lhe da boca quando tínhamos 18 anos e perdurou. «A Teresa era capaz de sair viva até de Auschwitz.»
A Teresa tinha de ir a Auschwitz.
Ainda na semana passada fui 'levada' a passear por um campo de concentração através da camera do realizador do filme 'The reader', com o meu estimadíssimo, embora um pouco amorfo ultimamente, Ralph Fiennes.
ResponderEliminarAs tuas fotos já me impressionaram imenso, pelo que não imagino o que sentiria ao vivo.
BEijinho
Quero muito ir à Polónia. Estas imagens partem-me o coração, assim como tudo o que envolve este assunto. Ainda assim desperta-me imensa curiosidade.
ResponderEliminarUm beijinho*
Safira,
ResponderEliminarAí está um filme que não posso perder, falta arranjar tempo para vê-lo.
Quanto ao que sentirias lá... meu Deus! O horror é tão grande que nem consegues chorar, e o choro liberta. Os mortos falam-nos, devemos prestar-lhe tributo.
Não podes (sem estares lá) o que é ver sapatos de criança, muitos... uma montra de uns 15 metros de comprimento por uns três de fundo cheia de madeixas de cabelo de mulheres como nós... malas com rótulos de bons hotéis (as melhores, as que tinham rótulos de hotéis luxuosos, da Riviera e de sítios assim, devem ter ficado logo na posse dos SS), malas mais humildes, com nomes escritos a giz, nomes de Hamburgo, de Amsterdão, de Lyon...
Isto foi apenas há sessenta e poucos anos.
Neni,
Só posso encorajar-te a ir. É importante, garanto.
Só de olhar estas imagens fico com a garganta seca e já as vi bastante vezes. Contaram-me há uns anos de faculdade uma história que me impressionou apesar de não saber se hei de acreditar ou não na sua veracidade. U
ResponderEliminarUma colega de escola de origel bielorussa que estava juntamente com outras a fazer Erasmus na Polónia foi visitar Auschwitz. Ela era das mais entusiasmadas com a visita mas ao longo da viagem de camioneta começou a ficar ansiosa, nervosa. Desde que entraram no campo que a ansiedade aumentou segurando-se às paredes para se segurar. Ela desmaiou e partir daqui o restos dos relatos ouvi-os por vários colegas de turma sempre arrepiados a contar isto. Aparentemente entrou num estado de loucura e andou a correr pelo campo feita louca, a insultar as pessoas em alemão, lingua que não conhecia. Acordou ajoelhada sob da forca de Rudolf Höss e a pedir em alemão que a perdoassem e depois voltou a desmaiar.
Como disse, não sei se é verdade ou não, logo não vou fazer nenhum juizo mas custa-me a crer que várias pessoas diferentes me tenham mentido, principalmente a própria que 2 dias depois regressava a Portugal e dava por terminada a sua estadia na Polónia.
(Veja o documentário que lhe indiquei no outro comentário, creio que vai mesmo gostar.)
Ai cheio de erros, palavras repetidas e outras comidas... A minha dislexia das 9 da manhã!
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