segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Carta aberta ao Biography Channel

Ex.mos Senhores,

Sendo apaixonada por História e por biografias, é evidente que gosto imenso do vosso canal. Quando, numa viagem aos Estados Unidos, descobri que aquilo que aos meus olhos era apenas uma rubrica do canal História era verdadeiramente um canal de televisão especializado, fiquei extasiada, e a desejar que ele estivesse disponível em Portugal.

Está há mais três anos, para minha — e certamente de muito mais gente grande alegria. Parabéns.

Infelizmente, não há bela sem senão. Gostaria que vissem esta minha crítica como construtiva e bem intencionada.

As duas enormes (este enormes deveria estar em maiúsculas, e bem separadas, letra a letra, para melhor vincar a minha indignação) queixas que gostaria de vos apresentar estão interligadas, como adiante perceberão:

1. Legendas vs Dobragem

Os vossos documentários deveriam na minha humilde opinião ser legendados, ao invés de dobrados. Se nós Portugueses ainda vamos tendo algum jeito para línguas, ao contrário dos nossos vizinhos Espanhóis (não vou aprofundar o que lhes diz respeito nesta matéria, para não correr o risco de parecer maldosa), acredito sinceramente que isso se deve em parte à boa e antiga metodologia das legendas. Não me ficará lá muito bem dizer isto, mas se o meu inglês e o meu francês são verdadeiramente bons é porque, entre outras coisas, cresci a ver programas legendados. Enquanto se ouve também se aprende. Sendo o vosso um canal indiscutivelmente de cariz cultural, esta reclamação parece-me altamente válida e merecedora de consideração.

Bem sei que as dobragens são encomendadas. A empresas várias. Páteo das Cantigas, Artes e Letras, Pim Pam Pum, Santa Claus, etc. Graças a Deus, só raramente encontro no vosso canal coisas assinadas pela patética Ediberto Lima Produções. Como tal, a culpa não vos assiste na totalidade. Mas põe-se uma questão pertinente: alguém avalia a qualidade do produto final que será visto pelos assinantes da Tvcabo? É que chega a ser revoltante.

Deixem-me dar-vos um exemplo: um documentário sobre Carrie Fisher. que passou recentemente. Parece-me mais coerente que as intervenções da própria sejam legendadas é ela a falar, ouçamos-lhe a voz! Sou suficientemente flexível para admitir que os depoimentos dos diferentes intervenientes até possam ser dobrados. Mas, por amor de Deus, já não sei qual foi a empresa encarregada do trabalho, a senhora que faz a voz de mãe da actriz/escritora (Debbie Reynolds, morreu há três anos) deve ter arranjado o tacho por meios pouco ortodoxos, ou talvez durma com o patrão, aquela vozinha mimalha e aflautada é intolerável. De fazer ranger os dentes. De dar uma vontade súbita e incontrolável de emigrar para uma galáxia distante, o mais distante possível.

Também recentemente, passou um magnífico documentário/entrevista em duas partes sobre Lauren Bacall, senhora de voz gloriosa, autêntico mel para os ouvidos. Dobrado. Inadmissível, lamento lamentar. E que dizer do fabuloso programa de entrevistas conduzido por James Lipton, Inside the Actors Studio? Dobrado. Dobrada a voz magnífica do entrevistador, dobradas as vozes magníficas dos entrevistados, sejam eles Morgan Freeman, Al Pacino ou — aqui é mesmo crime punível com morte especialmente violenta — Jeremy Irons.

Os exemplos são infindáveis, peço apenas que considerem a questão. Até porque julgo que vos será mais barato apresentar um documentário legendado do que um documentário dobrado.

2. O Português. A pronúncia de nomes/palavras estrangeiros

Caros senhores, é que não se aguenta!!! Já sei que a culpa não é vossa, mas volto a perguntar: ninguém vai investigar a qualidade dos trabalhos que vos entregam?

Há dias vi um segmento sobre a tenista Anna Kournikova. A locutora de serviço dizia com admirável convicção que «os fãs OCORREM para a ver». Mais adiante, confirmamos que a dita locutora é uma cretina de elevado calibre e de escolaridade discutível, porque repete com igual convicção que «os fãs OCORRERAM». Suponho que será desnecessário informar-vos de que as formas verbais seriam ACORREM e ACORRERAM sinónimos de correr para, enquanto o verbo ocorrer é sinónimo de ACONTECER. E que dizer de pérolas como «os faróis do carro encadearam» (encandearam!), ou «a passagem de modelos teve lugar numa cave de tecto abobado»?... Por mais desinteressante que o dito tecto pudesse ser, acho mesquinho adjectivá-lo à brasileira como apatetado. Quereria a sumidade que fez a locução dizer abobadado? Just a wild guess...

E a calamitosa pronúncia de nomes estrangeiros? Nem as iniciais sabem pronunciar? Perdi a conta às vezes que ouvi GFK por JFK. Outra palavra que os locutores parecem ter clara dificuldade em articular é awards (prémios), sai-lhes sempre um howards, vá-se lá saber porquê, só que sem o «h» aspirado...

Caso precisem de ajuda, ou as empresas a quem entregam estes trabalhos que claramente precisam desesperadamente dela estejam intereressadas, na qualidade de revisora experimentada e com provas dadas, ofereço os meus préstimos.

Com os melhores cumprimentos,

Teresa


Dois meros exemplos de Inside the Actors Studio como deveríamos vê-lo em Portugal. Al Pacino (meninas, corram, a entrevista, em onze partes, está toda no Youtube).

Jeremy Irons. Também está toda no Youtube. Com legendas em italiano. E nós tão raladas! Só o prazer de ouvir aquela voz orgásmica!




(click to listen)

(à falta do maravilhoso tema que compôs para Inside The Actors Studio, a pedido expresso de James Lipton, aqui fica este, igualmente dele)

8 comentários:

  1. Realmente seja em que lingua fôr, detesto programas dobrados... desde os desenhos animados às biografias...

    :o)))***

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  2. "Patético" parece-me pouco para adjectivar as enormidades que a Ediberto Lima Produções amanda aos nossos ouvidos. Deve ser porque são brasileiros (duhhh!).

    Bj.

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  3. vês, se por vezes te moo a cabeça porque exageras nas correcções de erros de português em certos locais - blogs, por exemplo. era mais bonito que todos escrevessemos limpinho e sem erros, não era. mas caneco, é um blog, não te aborreças, pá! - com estas coisas das televisões, das rádios, da outra que eu contei que pronunciou uma coisa parecida com agáchamentos... ahhh, com isso não tolero. esses têm obrigação de falar e escrever em condições!

    estou contigo e não abro a mão!

    (e sim, é pecado dobrar o jeremias ferros!)

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  4. Sim. Acho que o teu argumento mais válido é mesmo o de que treinamos as nossas línguas com as legendagens. Que também podem por vezes ser barbáricas, mas sempre preferíveis a dobragens.
    Deixei de ver o Actors Studio por isso mesmo. Não consigo ouvir.
    Beijos

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  5. David,

    Não houve resposta. O texto é cópia de um e-mail que lhes enviei. Só acrescentei, para regalo dos meus poucos leitores, os files...
    O que dá para concluir que também são malcriados.

    Pearl,
    Não se aguenta! É demasiado mau.

    Mad,
    Tentei não ser demasiado corrosiva. Daí a brandura do "patético".

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  6. Pitx,
    Vês como até nos entendemos? :)

    Vou mais longe: já nem é obrigação, é um dever moral! Mas dá no que sabemos. Obrigada pela solidariedade.

    Eskisito,
    Sentes o mesmo, não sentes? O que nós apredemos só de ouvir, mesmo sem nos darmos conta! Mas a mente vai registando...

    Beijos a todos!

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  7. Clap Clap Clap!

    Subscrevo inteiramente. As dobragens são absolutamente insuportáveis.

    PS: adorei o qualificativo para a Ediberto Lima Produções...

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