De la Musique...
Julgavam então vocês, meus queridos amigos, que aqui era só música de elevadíssima qualidade? Pobres ingénuos! Aqui há de tudo um pouco, como na farmácia.
A Música não é diferente da Literatura ou do Cinema: para se ter um conhecimento razoável e educar o gosto há que passar por muitas experiências penosas. O processo é longo e no seu decurso esbarramos inevitavelmente em muitos carneiros de cinco patas. A minha paixão por música e livros data da mais tenra infância, mas só os livros foram, desde sempre, uma paixão consciente. Se me deixassem, eu lia o dia todo. O pior castigo que me podiam dar - logo, o mais eficaz - era a proibição de ler. Não o sofri muitas vezes porque fui uma criança muito dócil e obediente, irritantemente exemplar. Mas de vez em quando, claro, lá fazia a minha asneira. Além do inferno que era conseguirem alimentar-me. Eu odiava comer, a minha Mãe sofreu tormentos comigo por causa disso. Noutro dia, se vier a propósito, contarei.
Dizia eu que é inevitável ouvir muitas monstruosidades, até porque é frequente venderem bem. Músicas há que, ainda hoje, me deixam fisicamente mal disposta - a primeira vez que isso aconteceu foi há muitos anos, quando a Ana, minha irmã, levou para casa um disco dos Boney M e o pôs a tocar. Uma certa faixa foi de mais para as minhas entranhas, precipitei-me para a casa de banho - era um medonho Hurray, Hurray, it's a Holi-Holiday de sombria e funesta memória.
Há um ano, por esta altura, falei disso no blóguio do Liceu, quando instaurei a Grafonola Kitsch. Repito aqui o título do post e a imagem que o ilustrou. Escrevi então isto:
«Não, não vou falar do poema de Álvaro de Campos. Vou falar de música. Música aqui no blóguio.
Naquele tempo distante a que este cantinho foi dedicado, todos nós ouvíamos música. Uns mais do que outros, evidentemente. E de maneiras diferentes. Uns, como eu, a Clara, a Vanda, a Luísa Mirones, o Duarte ou o Victor, tinham um gosto requintado (gaba-te, cesto...). Outros não tinham gosto, pura e simplesmente (para não dizer coisa pior). A Anã Bela gostava de Shariff Dean – e espero sinceramente que ninguém se lembre de tal criatura, que eu, com esta memória que ainda vou tendo, sou percorrida por calafrios só de lembrar. A Ana Paula Florindo gostava de Demis Roussos... O Faneca, meu colega de 6.º e 7.º anos, adorava os Yes. Quanto ao Mendonça, estou mesmo a imaginá-lo a dizer que tudo começava e acabava em Pallestrina, mesmo que nunca tivesse ouvido uma nota do senhor, era simplesmente o género de coisas que ele dizia. Havia de tudo.
Naquele tempo distante a que este cantinho foi dedicado, todos nós ouvíamos música. Uns mais do que outros, evidentemente. E de maneiras diferentes. Uns, como eu, a Clara, a Vanda, a Luísa Mirones, o Duarte ou o Victor, tinham um gosto requintado (gaba-te, cesto...). Outros não tinham gosto, pura e simplesmente (para não dizer coisa pior). A Anã Bela gostava de Shariff Dean – e espero sinceramente que ninguém se lembre de tal criatura, que eu, com esta memória que ainda vou tendo, sou percorrida por calafrios só de lembrar. A Ana Paula Florindo gostava de Demis Roussos... O Faneca, meu colega de 6.º e 7.º anos, adorava os Yes. Quanto ao Mendonça, estou mesmo a imaginá-lo a dizer que tudo começava e acabava em Pallestrina, mesmo que nunca tivesse ouvido uma nota do senhor, era simplesmente o género de coisas que ele dizia. Havia de tudo.
Não consigo perceber as pessoas que abandonaram a Música, já que eu não conseguiria viver sem ela. O poder evocativo da Música em mim só tem um rival: o dos perfumes. Como, pelo menos por agora, não posso pôr aqui perfume, fiquemo-nos pela música. Os anos que passámos no Liceu foram anos cheios de Música. De todos os géneros, bons e maus. Dos bons, tenho prateleiras cheias. Dos maus... passo a palavra ao Miguel Esteves Cardoso, no tempo em que lê-lo era uma delícia (espero não ser processada pela citação):
“E a música popular verdadeiramente vil e execrável, quem se lembra dela num mundo tragicamente obcecado pela qualidade? As obras intensamente horríveis elevam o mau gosto ao nível duma arte e, como kitsch de calibre, merecem uma certa consideração. Uma canção entranhadamente má, daquelas irredemíveis, é sempre preferível a uma canção mediana ou menos má. Porque provoca, tal como fará uma canção excelente, uma reacção – um súbito desejo de emigrar, uma vontade repentina de vomitar ou de atirar um objecto pesado na direcção dela. A canção mediana, deixando-nos indiferentes, não faz nada disto, é uma obra manifestamente inferior. E porquê? Porque a música má (e não estou a falar da mazita, ou da medíocre – mas daquela absoluta e integralmente hedionda sob todos os possíveis prismas) é uma invasão perfeita de todos os padrões estéticos que nos são queridos.
Como tal, tem um valor crítico e epistemológico inegável. Daqui a trezentos anos uma boa charanga execravelmente mal parida dirá mais aos sociólogos do que mil canções jeitosas. Se o ser humano também se conhece através da sua patologia, o mesmo aplica-se à arte, ou não?”
Como tal, tem um valor crítico e epistemológico inegável. Daqui a trezentos anos uma boa charanga execravelmente mal parida dirá mais aos sociólogos do que mil canções jeitosas. Se o ser humano também se conhece através da sua patologia, o mesmo aplica-se à arte, ou não?”
(Escrítica Pop – Um Quarto da Quarta Década do Rock – 1980-1982, Querco, 1982)»
Essa é a razão pela qual conseguimos ouvir hoje as inefáveis Baccara, que têm o discutível privilégio de ouvir neste momento, e rebolar a rir. Nunca conseguiremos ouvir uma faixazita (e é bem significativo que eu use um diminutivo em ita, que abomino e acho do mais rasca que há) dos Il Divo sem sermos acometidos de uma ânsia incontrolável de... nem sei bem o quê. Já se cometeram crimes por coisas menos graves, aquelas criaturas deviam ser expedidas em correio expresso sem remetente e com destinatário ilegível, só para termos a certeza de que nunca mais aportariam a lado algum. Incorro mais uma vez na ira das Portuguese Divokitties, esse poderoso grupo de pressão? Ó p'ra mim tão ralada!...
P.S. Far-me-ão o favor de reparar na inenarrável pronúncia das moçoilas e no enquadramento do bonito vídeo. As duas rosas, a coreografia... Concordem que é sublime, vá... :)
Meu Deus! Que momento!
ResponderEliminarLOL! Muito bom! O ideal para uma festa do kitsch. Que ainda hei-de fazer cá em casa!
ResponderEliminarPois, lamento, só Baccarat. Rosas, só amarelas (!) e é porque são as preferidas da mãe, senão... nem assim!
Mas que tens tu contra os Boney M? hã?? Com aquelas roupinhas tão lindas e cabeças "à bola de futebol"... hihihihi
ResponderEliminarHummm "consigo perceber as pessoas que abandonaram a Música" ok e as que nunca tiveram música (logo não abandonaram nada) percebes?
beijo d'enxofre
Tá ótimo isso...
ResponderEliminarPérola é pouco
eu chamaria de kitsch DIAMOND!
Uindo! Adoro a coreografia.
ResponderEliminarMelhor que isto, só o Toy!
ResponderEliminarMelhor que estas Baccara e que o Toy, é o Duo Sãolindas a cantar "Poisia (sic) é viver, viver é poisia". Mandei-te por email. Uma apostinha que te rebenta com a escala?
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