quinta-feira, 10 de abril de 2008

De la Musique...

Julgavam então vocês, meus queridos amigos, que aqui era só música de elevadíssima qualidade? Pobres ingénuos! Aqui há de tudo um pouco, como na farmácia.

A Música não é diferente da Literatura ou do Cinema: para se ter um conhecimento razoável e educar o gosto há que passar por muitas experiências penosas. O processo é longo e no seu decurso esbarramos inevitavelmente em muitos carneiros de cinco patas. A minha paixão por música e livros data da mais tenra infância, mas só os livros foram, desde sempre, uma paixão consciente. Se me deixassem, eu lia o dia todo. O pior castigo que me podiam dar - logo, o mais eficaz - era a proibição de ler. Não o sofri muitas vezes porque fui uma criança muito dócil e obediente, irritantemente exemplar. Mas de vez em quando, claro, lá fazia a minha asneira. Além do inferno que era conseguirem alimentar-me. Eu odiava comer, a minha Mãe sofreu tormentos comigo por causa disso. Noutro dia, se vier a propósito, contarei.

Dizia eu que é inevitável ouvir muitas monstruosidades, até porque é frequente venderem bem. Músicas há que, ainda hoje, me deixam fisicamente mal disposta - a primeira vez que isso aconteceu foi há muitos anos, quando a Ana, minha irmã, levou para casa um disco dos Boney M e o pôs a tocar. Uma certa faixa foi de mais para as minhas entranhas, precipitei-me para a casa de banho - era um medonho Hurray, Hurray, it's a Holi-Holiday de sombria e funesta memória.

Há um ano, por esta altura, falei disso no blóguio do Liceu, quando instaurei a Grafonola Kitsch. Repito aqui o título do post e a imagem que o ilustrou. Escrevi então isto:

«Não, não vou falar do poema de Álvaro de Campos. Vou falar de música. Música aqui no blóguio.

Naquele tempo distante a que este cantinho foi dedicado, todos nós ouvíamos música. Uns mais do que outros, evidentemente. E de maneiras diferentes. Uns, como eu, a Clara, a Vanda, a Luísa Mirones, o Duarte ou o Victor, tinham um gosto requintado (gaba-te, cesto...). Outros não tinham gosto, pura e simplesmente (para não dizer coisa pior). A Anã Bela gostava de Shariff Dean – e espero sinceramente que ninguém se lembre de tal criatura, que eu, com esta memória que ainda vou tendo, sou percorrida por calafrios só de lembrar. A Ana Paula Florindo gostava de Demis Roussos... O Faneca, meu colega de 6.º e 7.º anos, adorava os Yes. Quanto ao Mendonça, estou mesmo a imaginá-lo a dizer que tudo começava e acabava em Pallestrina, mesmo que nunca tivesse ouvido uma nota do senhor, era simplesmente o género de coisas que ele dizia. Havia de tudo.

Não consigo perceber as pessoas que abandonaram a Música, já que eu não conseguiria viver sem ela. O poder evocativo da Música em mim só tem um rival: o dos perfumes. Como, pelo menos por agora, não posso pôr aqui perfume, fiquemo-nos pela música. Os anos que passámos no Liceu foram anos cheios de Música. De todos os géneros, bons e maus. Dos bons, tenho prateleiras cheias. Dos maus... passo a palavra ao Miguel Esteves Cardoso, no tempo em que lê-lo era uma delícia (espero não ser processada pela citação):

“E a música popular verdadeiramente vil e execrável, quem se lembra dela num mundo tragicamente obcecado pela qualidade? As obras intensamente horríveis elevam o mau gosto ao nível duma arte e, como kitsch de calibre, merecem uma certa consideração. Uma canção entranhadamente má, daquelas irredemíveis, é sempre preferível a uma canção mediana ou menos má. Porque provoca, tal como fará uma canção excelente, uma reacção – um súbito desejo de emigrar, uma vontade repentina de vomitar ou de atirar um objecto pesado na direcção dela. A canção mediana, deixando-nos indiferentes, não faz nada disto, é uma obra manifestamente inferior. E porquê? Porque a música má (e não estou a falar da mazita, ou da medíocre – mas daquela absoluta e integralmente hedionda sob todos os possíveis prismas) é uma invasão perfeita de todos os padrões estéticos que nos são queridos.

Como tal, tem um valor crítico e epistemológico inegável. Daqui a trezentos anos uma boa charanga execravelmente mal parida dirá mais aos sociólogos do que mil canções jeitosas. Se o ser humano também se conhece através da sua patologia, o mesmo aplica-se à arte, ou não?”
(Escrítica Pop – Um Quarto da Quarta Década do Rock – 1980-1982, Querco, 1982)»

Essa é a razão pela qual conseguimos ouvir hoje as inefáveis Baccara, que têm o discutível privilégio de ouvir neste momento, e rebolar a rir. Nunca conseguiremos ouvir uma faixazita (e é bem significativo que eu use um diminutivo em ita, que abomino e acho do mais rasca que há) dos Il Divo sem sermos acometidos de uma ânsia incontrolável de... nem sei bem o quê. Já se cometeram crimes por coisas menos graves, aquelas criaturas deviam ser expedidas em correio expresso sem remetente e com destinatário ilegível, só para termos a certeza de que nunca mais aportariam a lado algum. Incorro mais uma vez na ira das Portuguese Divokitties, esse poderoso grupo de pressão? Ó p'ra mim tão ralada!...



P.S. Far-me-ão o favor de reparar na inenarrável pronúncia das moçoilas e no enquadramento do bonito vídeo. As duas rosas, a coreografia... Concordem que é sublime, vá... :)

7 comentários:

  1. LOL! Muito bom! O ideal para uma festa do kitsch. Que ainda hei-de fazer cá em casa!

    Pois, lamento, só Baccarat. Rosas, só amarelas (!) e é porque são as preferidas da mãe, senão... nem assim!

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  2. Mas que tens tu contra os Boney M? hã?? Com aquelas roupinhas tão lindas e cabeças "à bola de futebol"... hihihihi


    Hummm "consigo perceber as pessoas que abandonaram a Música" ok e as que nunca tiveram música (logo não abandonaram nada) percebes?

    beijo d'enxofre

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  3. Tá ótimo isso...
    Pérola é pouco
    eu chamaria de kitsch DIAMOND!

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  4. Melhor que estas Baccara e que o Toy, é o Duo Sãolindas a cantar "Poisia (sic) é viver, viver é poisia". Mandei-te por email. Uma apostinha que te rebenta com a escala?

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