quinta-feira, 5 de outubro de 2006

BEATLES FOREVER!


Eis chegado o meu feriado favorito, o da minha homenagem anual e por inteiro aos Beatles.


São precisos ritos, aprendi isto ainda criança com a raposa do Principezinho. Neste mesmo dia, 5 de Outubro de 1962, foi lançado o single de Love Me Do. Nunca o tive e não admira nada, já que tinha dois anos recém-cumpridos quando saiu. Como tal, a fotografia aqui publicada é tão-somente a do álbum, o de estreia deles, editado já em 63 (22 de Março – gravado numa única sessão a 11 de Fevereiro). Tinha a obra completa deles em vinil, tenho-a em CD. Incontornáveis. The Forerunners. Eles e Mozart foram os meus primeiros amores na música e... old loves die hard. Principalmente para uma estúpida saudosista como eu. Ao longo dos muitos anos, de cada vez que estreio uma aparelhagem, é sempre com o mesmo disco: a 40.ª sinfonia de Mozart, a Filarmónica de Viena dirigida por Bernstein. Porque foi o primeiro disco que comprei, tinha doze anos. Tenho manias destas. Ontem ri imenso ao telefone com um amigo, cada um a explanar as suas taras particulares. Ele achou que eu era mais tarada que ele quando lhe contei como ia ser este meu feriado. Discordo. Ele ainda é mais tarado. Eu pelo menos não distribuo os bocadinhos rasgados de talões de multibanco por diferentes caixotes de lixo: limito-me a amarrotá-los e a atirá-los para o cesto de papéis ao lado da máquina.

Mas os Beatles! Ah, os Beatles! Forerunners, repito. Há música feita a seguir com mais qualidade. Simon & Garfunkel, a quem só não consigo perdoar aquele Cecilia, que tudo o mais é eterno. Outros. A minha maratona – o tal ritual, que consiste em ouvir a obra completa deles, do primeiro ao último disco, por ordem cronológica – já começou. Vai levar-me o dia todo. São 13 álbuns (um deles duplo) e ainda os imprescindíveis Past Masters I e II, com as músicas que não constam dos originais, como por exemplo We Can Work It Out (o que eu adoro esta música!), Hey Jude, ou Ballad of John and Yoko, entre muitas. A história é antiga e tem a sua graça. No dia 5 de Outubro de 1982 cumpriam-se os 20 anos do lançamento de Love Me Do, o primeiro single deles. Centenas e centenas de estações de rádio por esse mundo fora uniram-se numa gigantesca homenagem: nesse dia, durante 24 horas, passaram Beatles. Cá foi a Rádio Comercial. Eu trabalhava nesse dia ao almoço no Disaster (saudosos tempos, muito me ri eu por lá...), coisa que me deixou desvairada. Bem tentei trocar de turno, mas como era feriado não arranjei ninguém que me substituísse. Mas teimosa como a MDP (mula do pior) que sou, fui munida de uma cassette. HOJE SÓ SE TOCA ISTO! – anunciei irredutível ao gerente. Ele achava-me graça. E tinha vivido o tempo dos Beatles e do yé-yé (ainda se lembram do que era?). Concordou. Mal saiu o último cliente (freguês, como eu gosto de dizer), passámos para a telefonia. Uma orgia de Beatles. E eu sempre a cantar e a fazer coro com eles, toda a gente parva. MAS TU SABES AS LETRAS TODAS DE COR?! Sabia. Continuo a saber. Estou agora deliciada a cantar este encantador Do You Want to Know a Secret? do meu querido George. Que já não está entre nós. Morreu a 29 de Novembro de 2001, 101 anos menos um dia depois de Oscar Wilde. Fui para casa em grande velocidade, para me colar à telefonia. Lá para a noite, havia um programa apresentado por Maria José Mauperrin, que tinha como convidados dois grandes especialistas em matéria de Beatles, David Ferreira (filho de David Mourão-Ferreira, um amor de pessoa) e Bernardo Brito e Cunha, que eu uns anos mais tarde também viria a conhecer. Acho que o programa se chamava Jardim da Música. Telefonei para lá a refilar, porque achava inadmissível que em todo o dia não tivessem posto nem uma única vez She's Leaving Home e Revolution. Tinha as minhas razões, eram músicas fundamentais. Generation gap e coisas assim. Puseram-me em linha, em linha fiquei mais de uma hora a conversar com eles. À beira do sinal horário, a moderadora pediu que eu não desligasse, para podermos continuar a conversa a seguir às notícias. Dois ou três dias depois, vou ao Stone's. Vem o Nuno Debonnaire todo sorridente dar-me um beijinho. Ó minha querida, você esteve brilhante! Primeiro nem percebi. Depois ele explicou. Tinha-me ouvido. Não desde o princípio, mas desde os primeiros 5 minutos, talvez. E reconheceria a minha voz em qualquer lado. Fiquei roxa. Abreviando... desde esse dia decidi continuar sozinha a minha homenagem pessoal aos Beatles, na mesma data, tão simbólica. Um ritual religiosamente cumprido todos os anos – só possível por ser feriado. E daí, talvez não, que eu sou doida que chegue para tirar um dia de férias por tão nobre causa! O Victor costuma telefonar-me a meio do dia. Sabedor desta minha tara, e dependendo da hora, deita-se a adivinhar. Deixa ver... pelas minhas contas... vais no Rubber Soul ou no Revolver... Verifico uma vez mais, um sorriso da miúda que volto a ser escancarado de orelha a orelha, que continuo a saber de cor todas as letras. Que acompanho com um gesto tosco mas de grande precisão os famosos rufos de bateria de Ringo – ao segundo exacto. E que quando uma faixa chega ao fim começa imediatamente a ecoar na minha cabeça a seguinte, que eu sei muito bem qual é.

BEATLES FOREVER!


7 comentários:

  1. Era capaz de passar horas a ler-te!É deliciosa a forma como escreves. E de tal forma contagiante que só me apetece ir ouvir Beatles, que também adoro! Gostei de conhecer mais um dos teus ritos :)) Um beijo enorme :)

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  2. Dizer Beatles é falar - lembrando, vivo ainda e mais vivo que nunca - daquilo que talvez (não digo de melhor, ou talvez sim) mas que mais duradoura e marcantemente alguma vez lográmos receber.
    Sons que nos modelaram, afeiçoando o modo de estar ao modo de ser.
    Palavras que nos sulcaram os passos, e nos foram regras de vida, de amar por amar ou de sonhar que tudo era possível.
    Como pontos cardeais do nosso rumar ao mais certo ou incerto da vida, aqueles quatro de Liverpool, magos a quem entregaríamos a própria vida, de nós fizeram o que muito bem entenderam.
    Nós os fizemos, eles nos criaram.
    Com eles crescemos embalados, alucinados ou frenéticos, e deixámo-los quase tudo fazer de nós.
    Tudo lhes permitiríamos.
    Eles, também, todos se deram, em nós cantaram, cantaram e, ao partirem, a bem dizer não partiram: not without “leaving the note that [they] hoped would say more”, a cada um de nós. Como só os melhores e verdadeiros amigos o fazem.
    Eles também, quase tudo nos fizeram possível.
    Quisemo-lo ou não, não é culpa deles.
    Fizemo-lo ou não, menos ainda.
    O que fizemos, porém, em parte não pequena a eles se deve, e neles tem seiva e raiz, as lágrimas e o sorrir.
    O que quisemos, foi porque eles para nós o quiseram.
    "You say you want a revolution, well, you know,
    We all want to change the world."
    O que amámos, foi porque eles primeiro o amaram, e neles o amámos.
    O que chorámos, eles em nós e connosco choraram.
    E, na verdade, como os amámos, como os amávamos, como os amamos e amaremos, "getting better all the time".
    Haverá outro tão grande, tão longo e fiel amor nas nossas vidas?
    Eternos quatro de Liverpool.
    Liver pool, just the pool of our entire living.
    Modo de ser em que nos revemos, como quando algum de nós em si mesmo ouve ecoar “when I find myself in trouble”, e sabe aí poder encontrar solução para tudo. O resto? Apenas:
    "Someone to love, somebody new
    Someone to love, someone like you."

    Obrigado, Teresa!

    BEATLES FOREVER!


    P.S. Esperei pela Carla. Ladies first!

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  3. Obrigada, Carlinha, obrigada Luís, pelas visitas regulares. Aliás o agradecimento ao Luís é duplo, por se estender à tocante gentileza de a deixar pronunciar-se primeiro.

    E lembro só as palavras finais da última música do último disco dos Beatles, que muito boa gente julga erradamente ser o Let It Be. Não é, não senhor. Saiu em último lugar por problemas editoriais, mas o Abbey Road é que é mesmo o último.

    And in the end
    The love you take
    Is equal to the love you make...


    Acredito, sempre acreditei nisto. Vou acreditar até ao fim. Beijos aos dois.

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  4. Cara Teresa, não a conheço mas já ouvi falar muito de si a uma amiga que temos em comum e que tem sempre mais uma história sua para contar.
    Foi por ela que cheguei aqui. Ao que parece sou tido por homófobo no meu círculo mais chegado. A nossa amiga mandou-me o link do seu blog referente ao post anterior a este com um seco "Lê isto e vê se cresces".
    Li e fiquei curioso. Isto foi há vários dias, ainda antes da sua homenagem aos Beatles. Encomendei o filme. Já o vi. Concordo com tudo o que sobre ele disse. Acho que o meu inglês não é tão bom como o seu, porque fiquei um pouco aquém dos seus 99% de apreensão. O que pouco interessa. Agradeço-lhe ter-me dado a conhecer esta obra que passa a ter um lugar especial nos meus afectos e que me fez reformular algumas ideias.
    Tenho pena que publique tão pouco. Venho espreitar isto todos os dias para ver se há novidades. Deliciei-me com as suas palavras sobre os Beatles - ainda tenho muitos EP's dele, saberá a menina o que isso era? Acho encantador que uma pessoa tão nova e que não VIVEU essa época tenha a teimosia de um culto tão sentido e que se percebe vivido com emoção.
    Até já descobri que tem outro blogue, que tenho acompanhado enternecido e de longe, por me parecer ser coisa privada e com destinatários bem precisos e circunscritos.
    Vou pedir à nossa amiga, que julgo que sabe quem é, que marque um almoço ou um jantar para nos conhecermos finalmente. Um grande beijo para si. E OBRIGADO.

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  5. Caro Frederico que não conheço, gostei muito das suas palavras tão simpáticas e principalmente gostei de pensar que pude ser útil, ajudando a divulgar um filme de muita gente desconhecido. O meu próximo passo será ler a obra do Quentin Crisp, da qual já tenho vários títulos no meu eternamente atafulhado carrinho de compras na Amazon.

    Então não havia eu de saber o que era um EP? Era um 45 rotações com duas faixas de cada lado. Julgo que acabou muito, muito antes dos singles. Que me lembre, tenho um único EP: a Kleine Nacht Musik em edição da Deutsche Grammophon, dois andamentos de cada lado. Não me lembro com que maestro nem com que orquestra, tal relíquia está algures em casa da minha Mãe e não lhe ponho os olhos em cima há seguramente mais de 20 anos.

    Quanto à nossa amiga comum, e por aquilo que escreveu, arrisco o nome da Paulinha - com quem não falo há coisa de uma semana. A verdade é que muito pouca gente conhece este blog, e como tal as hipóteses são escassas.

    Espero poder contar consigo aqui de futuro. Volto a publicar na segunda-feira, que é um dia especial para mim.

    Um beijo para si.

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  6. O último comentário aqui foi à 3 anos mas como só cheguei agora não quero me ir embora sem deixar também os parabéns aos Fab4 e à Teresa que os mantêm acesos para o mundo neste reduto.

    Bjs,
    Pedro

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