Happy Birthday, Mr Wilde!
«You came to me to learn the pleasure of life and the pleasure of art. Perhaps I am chosen to teach you something much more wonderful – the meaning of sorrow and its beauty.»
in De Profundis
in De Profundis
Mais uma vez, devo esta paixão a uma professora. A de inglês do 7.º ano. Uma senhora pouco simpática mas verdadeiramente competente. Chamava-se Teresa, já não me lembro do apelido. Um dia levou para a aula umas folhas fotocopiadas com um excerto de uma peça de teatro. Vibrei com o texto, absoluta e delirantemente absurdo — era aquele extraordinário interrogatório de Lady Bracknell a Ernest (John) Worthing para investigar se ele seria um partido aceitável. No fim da aula ela, de livro na mão, anunciou que tinha ali a peça completa. Alguém quereria levar para ler? Contrariando todos os meus princípios — podia cheirar àquilo que tanto detestávamos e a que chamávamos «manteiga», levantei a mão. E levei o livro para casa. Era The Importance of Being Earnest, apenas a peça mais brilhante de Oscar Wilde. Devorei-a inteira nessa mesma noite. E ele continua a ser um dos nomes mais fulgurantes nos meus amores literários.
Aquela aula foi o motor de arranque para um amor imorredoiro. Conheço tudo quanto ele escreveu, li incontáveis biografias, tenho até livros relacionados com ele que são preciosidades de coleccionador. O presente de Natal que o Victor me deu em 2000 foi uma enorme extravaganza: conseguiu até desencantar-me algures nos Estados Unidos, em segunda mão, evidentemente, a autobiografia — recheada de mentiras — de Lord Alfred Douglas (Bosie), o causador da grande tragédia. Eu tinha-a procurado em vão durante anos, soube por um alfarrabista de Londres que tinha esgotado nos anos 50 e não mais fora editada. O que não me surpreende. Nem quero imaginar quanto terá aquele livro custado, e não só em dinheiro, a pesquisa deve ter-lhe levado meses. Aquele e outros, que o rapaz presenteou-me com coisas notáveis. É assim a amizade.
Por volta dos 20 anos já sabia tanto sobre Oscar Wilde e sobre a sua ascensão e queda que fiz a mim mesma a solene promessa de estar em Paris no dia 30 de Novembro de 2000, centenário da sua morte, no Père Lachaise e pôr-lhe flores no túmulo. Lilases, se possível, porque eram as flores preferidas dele, como já eram as minhas. Impossível encontrar lilases em Paris em Novembro, mesmo nas melhores floristas. Mas estive lá. Levei-lhe três lírios brancos (ele também adorava lírios). E estava no cemitério à hora exacta da morte sua morte: 13h50. Tenho um retrato, pedi a um japonês que estava ali pelos mesmos motivos que me fotografasse. E só não fiquei no hotel onde ele morreu porque estava em obras, tremendo azar. Mesmo assim ainda fui lá beber uma flûte de champanhe com o meu amigo Artur, à glória eterna deste imortal. O bar e algumas salas mantinham-se abertos. «It's me or the wallpaper, one of us has to go», terá sido uma das suas últimas frases, já agonizante. E até sobre a sua extrema miséria conseguiu ironizar. «I'm dying beyond my means.»
Curiosa coincidência, também Fernando Pessoa — outra paixão minha — morreu a 30 de Novembro, só que em 1935. E George Harrison, dos meus idolatrados Beatles. O mesmo dia, que estranho, não é? O nosso Eça morreu em Paris como Oscar Wilde, e no mesmo ano. Só que a 16 de Agosto. Às vezes ponho-me a fantasiar que estas duas grandes figuras das letras podem ter-se cruzado num boulevard qualquer, quem sabe terão estado sentados no mesmo café. Tenho a certeza de que Eça, com o seu amor pela literatura inglesa, conhecia a obra de Wilde, ele era uma celebridade — para não mencionar o facto de ter sido réu numa cause célèbre. Obrigada, Dr.ª Teresa, nesta data em que aproveito para lhe prestar também homenagem, por ter feito entrar na minha vida esta grande paixão. E ainda uma outra: o Teatro.
No terceiro período do 7.º ano, a Dr.ª Teresa atribuiu a cada aluno da turma um livro para ler, livro esse que posteriormente deveria ser apresentado numa aula. Aquela senhora era demoníaca, palavra! Ou tinha uma intuição qualquer a meu respeito. Lembro-me dos livros que destinou às pessoas que me eram mais chegadas. Ao Duarte, Pygmalion, de Bernard Shaw. À Clara calhou The Heart of the Matter, de Greene, ao Manuel Animal Farm, de Orwell. Eu fui brindada com uma coisa obscura chamada Look Back in Anger, John Osborne. Lembro-me de ter ido com o Duarte à Buchholz comprar os livrinhos. O meu custou 42$50, ainda tem o preço marcado a lápis. Não dá para acreditar, pois não? Hoje em dia um café ao balcão de um sítio reles custa pelo menos o dobro!
Foi assim que eu fui apresentada à geração dos Angry Young Men, pela mão da peça que mudou o rumo do teatro inglês. Fiquei doida com ela... e a minha apresentação foi um sucesso. A partir daí comecei a ler mais e mais teatro, descobri grandes autores, peças extraordinárias. Mas Look Back in Anger terá sempre um cantinho muito especial em mim. Foi o primeiro amor, o forerunner (mais um). Infelizmente nunca o apanhei em cena. Mas ainda não perdi a esperança.
Sua paixão por Wilde, Teresa, deve-a você a uma longínqua mas sobremodo decisiva outra Teresa, professora, que a marcou, como diz, com uma paixão para a vida.
ResponderEliminarPois, eu também; e também a uma Teresa.
A si devo, na verdade, o descobri-lo e com ele deslumbrar-me, tardiamente embora, mas a tempo sobejo (assim confio)de poder ainda desfrutar um prazer delongado e o acrescentado proveito de uma tal visitação.
Diverso foi o modo, em si e em mim, por que tal literária paixão ocorreu.
O seu foi o que disse; e tão bem o escreveu aliás, com aroma à Wilde.
O meu, retardado e tardio, foi de menor monta, mas não menor na "devastação" benigna que causou.
Para tanto um simples adjectivo seu bastou ("meu adorado Wilde!"), para assim fazer-me levantar da recostada cegueira em que se quedava ignaro o meu preconceito.
Ouvir chamar a alguém "adorado" - a quem conheço o cuidado em aplicar as palavras com permanente rigor e uma quase obsessiva exigência - mais a mais utilizando um adjectivo próprio apenas de remeter à Divindade -, tal me rendeu desde logo à antecipada certeza de ser isso tão-só (e tanto é) lúcida, se bem que absolutamente rendida, devoção.
Não sei, com franqueza o digo, se mais eu o descobri ou mais ele me conquistou - cuido que foi esta.
Na prudência porém da minha incerteza, presumo que haja sido a meio da mútua distância que algures tão afortunado encontro ocorreu.
Wilde, visto da lonjura ignorante a que sem fundada razão o havia eu remetido, sempre me parecera, à miopia do meu preconceber, a chapada figura do snob que eu tanto abomino em certos britânicos.
Não sei se o terá sido, que a vida lhe não conheço o bastante, e menos a julgo.
O que sei é que a obra, e o pouquíssimo ainda que dela pude já conhecer, essa se me impõe com uma evidência de nitidez e requinte acima de todo o precipitado arrebatamento.
Como dizer, falando de tamanho mestre do dizer e contar, e sobretudo do fazer visto ao nosso olhar um outro olhar, como dizer da imensa alegria de cada novo, longo e repercutido momento de notar a escolha precisa de cada palavra, o fio enganosamente fácil e espontâneo com que constrói cada frase e cada sucessão delas?
Quem, na indefinida e misteriosa lucidez da agonia, se deixa dizer (como me ensinou, Teresa): "It's me or the wallpaper, one of us has to go!" - só pode nisso estar a mostrar-nos a surpreendente intimidade que teve com a vida e a vida de todos os homens. Como se perfeitamente permutável fosse (e nele, quiçá, o fosse talvez) o pano de fundo da vida e o homem que a vive.
No magnífico prefácio a "The Portrait of Dorian Gray", diz ele, da forma tão deliciosamente concisa e sábia que lhe é peculiaríssima: "To reveal art and conceal the artist is art's aim".
Pois bem, eis o "Retrato de Oscar Wilde"... the happily eternal Mr. Wilde.
P.S. Obrigado, Teresa!
Wilde, por certo, terá o adequado número de incondicionais Teresas, para no-lo dar a admirar e amar.
Minha cara Teresa, a menina não pára de me surpreender. Pela positiva. Desta sua paixão não sabia eu, e foi com encantamento que li tudo o que escreveu. Não conheço bem o Oscar Wilde, hélas!, mas fiquei como a sua amiga em relação aos Beatles... cheio de vontade de me pôr a ler coisas dele.
ResponderEliminarVolto a dizer que é uma pena que escreva tão pouco, porque acho a sua escrita verdadeiramente cativante no amor que revela pelas coisas. Nem vou falar do significado de ir de propósito a um cemitério à hora exacta da morte de alguém que se venera, num aniversário muito especial, só para lhe render homenagem. Que esse cemitério seja em Paris parece-me de somenos importância. Se fosse em Lisboa era igual. É a lembrança, é o culto. Como também adorei a teimosia de, mesmo com obras, não ter deixado de ir ao hotel.
Não sei se acredito noutra vida depois desta, mas neste momento apetece-me mesmo acreditar... só para que o Oscar Wilde pudesse saber que fez isso por amor dele.
Dá gosto ler-te! Sei desta tua paixão por Oscar Wilde e admiro a forma como prestas homenagem, das formas mais originais possíveis (ainda me lembro dos Beatles), àqueles que mexeram com a tua vida. Foi por ti que conheci uma frase de Wild que me tocou imenso e que nunca mais esqueci: 'It's me or the wallpaper, one of us has to go'. Espectacular... Um beijo enorme, Teresa querida.
ResponderEliminarO outro blog é muita mais curtido...
ResponderEliminarEste é uma beca marado...
Não admira, Bi Nelada :)
ResponderEliminarEu nem sempre jogo com o baralho todo.
Sabia que tinha acertado no bom gosto
ResponderEliminare confirmou-se
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esperamos pelo dia 30 de Novembro???
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Ali fechou-se um ciclo e aqui abriu-se outro
http://caminho-de-terra.blogspot.com/
bjo Té
SMA,
ResponderEliminarImagina que só hoje vi este teu comentário! Não percebo por que não fui notificada hoje!
O dia 30 de Novembro é hoje... :)
Um grande beijo.
Wilde é... The one. Um professor meu dizia que o prefácio de O retrato de Dorian Gray era só por si uma obra de arte e eu não podia concordar mais. Aquelas frases que até hoje fazem eco nos meus ouvidos:
ResponderEliminar"The ugly and the stupid have the best of it in this world. They can sit at their ease and gape at the play. If they know nothing of victory, they are at least spared the knowledge of defeat."