quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Ler Devagar. Mas não tanto.

Foi logo depois do lauto almoço que se seguiu à caminhada que contei na entrada anterior. A amiga do Luís que tinha almoçado connosco trabalhava na livraria da LX Factory, insistiu que aparecêssemos por lá. E nós fomos com todo o gosto.

Em má hora, confesso. Dei logo com os olhos na capa de um livro que me pôs a hiperventilar. Ainda antes de pegar no dito já devia saber que ia entrar numa disputa. Sou tão parva! O expositor estava mesmo à frente do balcão, em que pontificava uma senhora de ar teutónico, cabelo grisalho já a atirar para o branco e cortado asceticamente curto, ar tudo menos simpático. Interpelei-a com o livro na mão, «Desculpe, que parvoíce é esta? Isto é o De Profundis!» Deviam ver o ar sobranceiro da senhora, que mentalmente baptizei logo como Frau Helga, olhando desdenhosamente para aquela criatura em trajos de caminhar e que, seguramente, não sabia nada de livros. A criatura era eu e, para desgraça de Frau Helga, sabia mais sobre Oscar Wilde de olhos fechados do que ela com todos os sentidos alerta. Frau Helga despediu altivamente uma frase para reduzir o mosquito (eu) ao silêncio: «Isto é um livro novo.»

Não fosse Oscar Wilde um dos amores supremos da minha vida, não lhe conhecesse eu toda a obra de cor e salteado, fosse eu mais nova, talvez tivesse respondido. Não, com mil diabos! Eu estive no Père Lachaise a 30 de Novembro de 2000 à hora exacta em que se cumpriam cem anos sobre a morte de Oscar Wilde, por coincidência o livro que levei comigo até era justamente De Profundis (há algures neste blogue uma fotografia, nem vou procurá-la agora), aquele último grito desgarrador de uma paixão que só redundou em desgraça. Não dei mais resposta à muito arrogante Frau Helga, dei meia volta e fotografei a capa do livro. E a primeira página de texto. Frau Helga é uma besta, Frau Helga percebe tanto de livros como eu percebo de Física Quântica.

Um livro novo? Frau Helga, por favor! Fique aqui com a digitalização possível do original daquela primeira página. É que o livro  (The Complete Works of Oscar Wilde, comprado em Sheffield a 13 de Junho de 1990) tem 1216 páginas e não quero danificá-lo, como tal a qualidade da digitalização é pobre.

Frau Helga, provavelmente, continua a passar informações erradas a leitores sequiosos como eu sou desde sempre. 

Foi deliberadamente que me abstive de a contrariar, logo que percebi que a senhora era ignorante. O que me preocupa são as informações esdrúxulas que a senhora possa passar a pessoas genuinamente interessadas nos livros que encontram na Ler Devagar. Frau Helga é uma calamidade.

2 comentários:

  1. A senhora de ar teutónico é, na verdade, italiana... e já no tempo em que a Ler Devagar era no Bairro Alto brindava os fregueses com a sua antipatia e ignorância sobre livros...

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    1. Obrigada pela informação. Bem digo eu que as pessoas não mudam. Antipatia e ignorância são uma combinação desgraçada. É que se fizesse um esforço para ser simpática sempre poderíamos dizer «coitada, é muito ignorante, mas é amorosa». Assim nem isso.

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