domingo, 7 de julho de 2013

O peixe do Tomás

Há coisas curiosas. Ainda há poucos dias eu tinha contado à Tina uma história muito antiga que a fez rir a bom rir. Ontem a Fátima, nossa adorada professora de Ginástica do Liceu, deixou-me esta fotografia no meu mural do Facebook, e eu voltei a rir, tão perfeitamente ilustra a história que vou contar-vos.

Há muitos anos, mais de vinte, o Nuno tinha prometido um peixe ao Tomás, o filho mais velho, na altura já perto dos quatro anos, se ele deixasse de roer as unhas. O Tomás cumpriu e o Nuno lá lhe comprou um peixe numa taça redonda sem os requintes de decoração desta da imagem, tinha água, só água, e o peixe, que acho que nem nome tinha, lá andava às voltas. E num belo dia de Inverno recebo um telefonema do Nuno a pedir ajuda. Tínhamos pela frente um fim-de-semana prolongado (parece-me que era Carnaval), eles iam para a casa da Ericeira e era impensável que a Mafalda fizesse a viagem com a taça do peixe no colo. Poderia eu tomar conta dele durante esses dias? «Esquece-se de que tenho uma gata?», foi a minha pergunta.

O Nuno desvalorizou, não haveria problemas, e lá veio com o peixe na sua taça. Enfiou resolutamente peixe e taça num dos armários da minha enorme cozinha da Rio de Janeiro, apontando-me alegremente os respiradouros. «Vê? Não há problema!»


Mathilda, a minha adorável e inesquecível primeira gata, siamesa puríssima, era ainda uma adolescente, mas era pura aristocracia felina. Quando Messy veio viver connosco, no fim de 1994, era uma autêntica selvagem, e uma gatinha até bastante velhaca (fortes suspeitas de que terá sido muito maltratada pelos primeiros donos, e de que até muita fome terá passado). Mas o amor tudo vence, e Messy viria a ser a mais devotada das gatinhas, «l'ombre de mon ombre» e um génio de relações públicas.Se havia visitas em casa, Mathilda retirava-se para o meu quarto, já Messy vinha confraternizar e era tão sedutora que conseguia o prodígio de se instalar no colo de pessoas que diziam não gostar de gatos e que, em menos tempo do que leva a dizê-lo, já estavam diligentemente a fazer-lhe festas.

Mas voltemos ao peixe do Tomás, que a história é anterior à vinda de Messy para nossa casa e na altura ainda só havia Mathilda.

Tive pena do desgraçado do peixe, pronto. Custava-me vê-lo às voltas dentro do armário da cozinha, por mais respiradouros que tivesse. Arrisquei pô-lo em cima da mesa (a quantas reuniões aquela mesa assistiu! Reuniões divertidas de muito riso, reuniões a beirar o lamechas e com muitas lágrimas à mistura, nem que fosse só por causa da música, omnipresente em minha casa).

E Mathilda arranjou um foco de interesse permanente. Interesse? Fascínio! A cara encostada ao vidro devia parecer gigantesca ao pobre peixe, e eu comecei a prever os piores cenários, principalmente quando Mathilda começou a arriscar uma pata sorrateira na água da taça. O peixe ia morrer às mãos dela ou mais simplesmente de ataque cardíaco, tamanho o medo. Cheguei a ver Mathilda a mover-se em redor da taça, tão concentrada no peixe que chegava a cair ao chão quando a mesa lhe faltava por baixo das patas traseiras. Cheguei a acordar de noite e a estranhar a ausência dela na cama, indo pé ante pé até à cozinha, sem acender luzes. Na escuridão lá estava ela, a olhar fixamente para o peixe.

Resignei-me. O pior que podia acontecer seria ter de comprar outro peixe igual, o Tomás não daria pela diferença. Claro que ao Nuno e à Mafalda diria a verdade.

Ao fim de quatro ou cinco dias o peixe saiu lá de casa vivo, e aposto que bem aliviado. O que eu não podia prever foram as saudades que Mathilda teve dele. Passava horas em cima da mesa da cozinha, o olhar fixo e saudoso no sítio em que a taça costumava estar. Confesso que cheguei a ponderar oferecer-lhe um peixe.


Adenda: adoro este retrato de Mathilda, ainda bebé, e que está num estado deplorável. Não tenho negativo. Alguém com conhecimentos de Photoshop pode ajudar-me a restaurá-lo? Obrigada!

4 comentários:

  1. Encantador, uma gata com um peixinho de estimação :) O meu persa, como fez inimigos com os outros gatos da casa, ficou apaixonado quando apareceu aqui uma cria abandonada. Resultado: adoptou-o e agora o pequenito é o gato do gato...

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  2. A despropósito deste post: já agora, Teresa, espreite o que escrevi, porque foi a Teresa que me deu a descobrir este glorioso romance:

    http://leitordeprofissao.blogspot.pt/2013/07/pascal-bruckner-lua-de-mel-lua-de-fel.html

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