quarta-feira, 17 de julho de 2013

A minha amiga Paulinha


A minha amiga Paulinha faz hoje anos, e ao telefone deu-me autorização para publicar esta fotografia e para contar esta história, apenas uma entre centenas, porque muitas são incontáveis. Só conheci a Paulinha em 1989, mas havia anos que ouvia o Rui falar dela, só não sabia que o mesmo acontecia do outro lado, que o Rui lhe falava muito de mim. O Rui foi, sem qualquer dúvida, uma das pessoas mais inteligentes (brilhante!) que conheci. Com a mesma habilidade com que pintava (o seu maior talento), era rápido a decifrar as pessoas. A Paulinha, sem me conhecer, já tinha curiosidade em relação a mim, secretária do Rui, e fazia-lhe perguntas. Como é ela, como é a Teresa? E agora, meus amigos, vem a bolinha encarnada. Só soube disto muitos anos mais tarde, contado pela Paulinha. Chorei a rir, tão bem me revi na crítica. O Rui, ar nonchalant, disse-lhe qualquer coisa como «A Teresa é a mulher que está na cama com um gajo e ele diz "estou-me a vir" e ela corrige: não é "estou-me a vir", é "estou a vir-me".

Escusado será dizer que nunca tive qualquer envolvimento com o Rui, isto era apenas aquilo que lhe saía boca fora e tanto fazia rir os outros, até a mim, mesmo que fosse à minha custa. E esta foi realmente de génio, tão bem retratava a minha obsessão com a correcção do Português.

Em Setembro de 1989 fomos tentar resgatar aquele jornal centenário e de grande prestígio que andava pelas ruas da amargura, a pedido do então director. Havia centenas de milhar de contos de publicidade por receber, dinheiro que muito ajudaria o jornal a endireitar-se, e o Rui lembrou-se da Paulinha. A Paulinha trabalhava havia muitos anos na secção de música clássica da Valentim de Carvalho (aquilo que ela não souber sobre música clássica, as melhores versões, etc., mais ninguém sabe), o Rui fez-lhe o canto da sereia, sabedor das qualidades dela. A Paulinha despediu-se da Valentim de Carvalho e veio trabalhar connosco, com um objectivo muito específico e muito ingrato: cobrar dívidas. A vida dela era ao telefone, a ligar para os devedores.

E aqui entra novamente o Rui, o seu imenso talento para diagnosticar os talentos alheios. «A Paulinha é uma campeã de charme, isto vai correr bem.» Foi quando eu e a Paulinha finalmente nos conhecemos. e calhámos logo uma como a outra. Às vezes interrompia por segundos o meu trabalho, só para a ouvir falar ao telefone. A Paulinha era extraordinária, fazia de cada devedor de milhares de contos de publicidade um amigo. A Paulinha era tão extraordinária que, a meio daquele processo todo, teve de ser operada e, claro, esteve ausente do jornal por umas boas duas semanas. Avisou os seus contactos (gente que nos devia muito dinheiro). O passo seguinte deixou-me estupefacta.  Os devedores (gente que fugia dos telefonemas como o diabo da cruz) LIGAVAM para o jornal a querer saber da S' Dona Paulinha e da sua operação, e se já estava melhorzinha. A Paulinha, com o poder de sedução quase hipnótico da sua transbordante simpatia (nunca vi igual, tirando talvez o Henrique, o marido, estão bem um para o outro), conseguiu recuperar milhares e milhares de contos para aquele jornal que nada poderia salvar. E eu adoro a Paulinha, que aliás é responsável pela vinda da saudosa Messy para minha casa.


4 comentários:

  1. Absolutamente deliciosa, de facto. E a síntese que o Rui (perdoem-me a familiaridade, mas não sei como chamá-lo de outro modo) faz da Teresa é realmente impagável.

    ResponderEliminar
  2. Inteiramente de acordo, Jorge.

    José,
    Deve lembrar-se do Rui, se seleccionar a etiqueta acabará por perceber quem era. Já há uma página na Wikipedia sobre ele, mas está muito incompleta, já sugeri à filha mais nova, a minha querida Marta, que a melhorasse. Praticamente vi-a nascer, estava à porta da sala de partos. O pai foi a enterrar no dia em que ela fazia 15 anos, 16 de Setembro de 2001, coisa terrível. Nunca reuni coragem para perguntar à Marta ou à Nusha, a mãe, se ele, que tanto amava os Estados Unidos como eu, ainda se terá apercebido do horror que foi aquele dia. Eu estava de férias no Algarve, só mais tarde soube da partida.

    Eu própria podia melhorar a página na Wikipedia, a que falta tanto, mas não quero ser abelhuda, isso é coisa para a Marta, a minha querida Martinha, com quem tenho falado ao telefone todos os dias na última semana, por razões que não vêm ao caso.

    E eu não disse que havia mais histórias sobre o mítico jornal a que chamei A Patada?

    Mais virão.

    Helena,
    A Paulinha agradece e merece os seus parabéns. Eu dou graças por tê-la como Amiga. Com maiúscula, sim.

    ResponderEliminar