sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A cancer guide for dummies

Parece que agora pegou a moda de pespegar as nossas caras nos blogues. Só o fiz aqui umas duas ou três vezes, em todas achei que se justificava. 

Hoje justifica-se provavelmente ainda mais, porque este retrato foi feito a seguir à última das 37 sessões diárias de radioterapia que fiz, de segunda a sexta, entre 23 de Julho e 12 de Setembro, as primeiras 25 de vinte minutos cada, as 12 últimas um pouco mais curtas, coisa de um quarto de hora, não me davam para rezar todas as minhas orações, entre novenas a Santa Teresinha do Menino Jesus, pedidos a S. Francisco de Assis, à Virgem Santíssima da Nazaré, de Fátima e de Lourdes, ao Santo Padre João Paulo II. Havia sempre muito a pedir por cada vez mais gente, havia que pedir força e coragem para mim. E havia que agradecer. Comigo está a maravilhosa equipa técnica que me acompanhou naquela longa e espinhosa jornada, só falta o Wilson, que estava de férias naquela semana.  À minha esquerda está a Rosa, a minha querida Rosinha, que desde o primeiro dia me acolheu com especial carinho debaixo da sua asa protectora. 

Mais de três meses passados, não há ida minha ao IPO que dispense uma passagem pelo pavilhão da radioterapia para dar um beijinho aos meus meninos. E à Luísa, que não foi minha médica porque acompanha a radioterapia de outras especialidades, entre elas a pediatria, mas é minha amiga desde os 12 anos e conhece o meu processo clínico de cor de uma ponta à outra. E à Maria, a lindíssima Maria, a minha médica, no gabinete ao lado. Na semana passada estava a tagarelar no gabinete da Luísa quando ela entrou a rir: tinha percebido que eu estava ali, tinha sentido o meu perfume no corredor. O meu Rive Gauche nunca falha. A humilde D. Joana das limpezas, um sorriso de bondade e claridade imensa na pele tão negra, reconheceu-me pelo cheiro. A senhora do perfume! Eu tinha passado mutas vezes por ela durante os dois internamentos, agarrada ao Bóbí (essa é outra história), encontrou-me depois à porta da sala dos pensos, ela de esfregona na mão, eu de pé à espera de ser chamada. Foi quando me falou. Tinha o perfume comigo, pulverizei-lho no pulso, ficou a cheirá-lo maravilhada  Num dos meus mealheiros já estão alguns euros destinados a oferecer-lho. Um perfume também é um pouco de sonho, e a D. Joana merece.

Mas antes que isto fique demasiado extenso, um muito breve esclarecimento que todos merecem, todos os que iam passando por aqui a ver se havia novidades. Estou bem, estou o melhor possível. Nesta fase só há que tragar mais um mau bocado, uma operação dentro de dias. Depois espero ficar livre deste bicho negro. Só nunca sabemos por quanto tempo, porque ele tende a voltar. Mas a vida é assim mesmo, incerta, certeza só temos a do desfecho, que no que depender de mim não será tão cedo.

E agora falemos do SOB como ele é, como tem sido para mim, e desejo que a minha experiência possa ajudar alguém que tenha aterrado aqui por acaso e esteja a começar a viver isto. Não desejo a ninguém que possa ser útil em dias futuros, porque no meu mundo ideal mais ninguém teria de passar por esta maldita doença.

Então cá vai, em breves pinceladas, aquilo que acho mais importante dentro do tanto que tenho aprendido:

1. Não é um passeio no parque, lamento. Mas também não é assim tão terrível, se vivermos um dia de cada vez, se confiarmos nos médicos, enfermeiros e auxiliares, se seguirmos as suas indicações à risca. Sejam sempre muito simpáticos (e o sentido de humor ajuda), a última coisa que querem é conquistar a animosidade de alguém com o poder de vos espetar agulhas e de vos fazer outras tropelias ainda mais dolorosas. Não sofram por antecipação, como algumas vezes aconteceu comigo. Um dia de cada vez, lembrem-se.

2. Os amigos. 
Vão ter surpresas, aviso já. Boas e más. A rede de apoio é terrivelmente importante, mas sejam indulgentes com as pessoas que subitamente desaparecerem do mapa. Esta cabra desta doença é um pré-aviso de morte, nem toda a gente consegue lidar bem com isso e é bem possível que algumas pessoas que achavam que nunca vos faltariam fiquem de repente mudas como carpas. E completamente ausentes. Pensem também que essas mesmas pessoas poderão estar mergulhadas em problemas, não se precipitem a julgar.

E os outros amigos? Céus, a lista é tão extensa! A cabeça a minha irmã e o grupo do Liceu. A minha irmã que ficou com as mãos negras de tanto que lhas apertei enquanto me faziam uma biópsia, o corpo alheio à minha vontade a arquear-se todo de dor. O grupo do Liceu. A cabeça o Ricardo, a Tina, a São (e a mãe dela), as duas Eunices, o João e a Leninha, a Clara, o Zé Afonso, o Pedro T., os dois Miguéis, o V. G. e o C., a Vanda. Sobre estes tenho mesmo de falar noutra dia. E sem ser do Liceu, meu amigo até ao meu último sopro de vida, o Pedro, o meu visitor from Charleston. E o Abel, minha old soul. E a Alexandra. E...

Os desconhecidos que não o são. A Susana a muitos milhares de quilómetros  A Rita, a querida Rita, de férias em Itália, mandou-me um maravilhoso ramo todo branco no segundo dia do meu primeiro internamento Não sei o nome de metade das flores, mas o ramo era lindo e tenho fotografia. O Pipoco, a quem devo um longuíssimo agradecimento há demasiado tempo. O Pedro, que foi ver-me ao hospital em dupla embaixada, representando também a querida Pólo Norte, então no término de uma gravidez de alto risco, e levando uma fotografia de Mestre Diniz que fez as minhas delícias e as de muitos enfermeiros. O outro Pedro, o Pitx. Caímos nos braços um do outro como se nos conhecêssemos realmente desde sempre. Temos fotografias, se ele autorizar publico uma, aquela em que estamos só os dois. O raio do homem é tão bonito e doce em pessoa como consegue ser agreste no blogue. A A. de quem publiquei aqui apenas uma de várias extraordinárias mensagens. A Maria Antónia (acho um nome lindo) e a Tita, supostamente minhas inimigas e que tiveram a generosidade de me enviar particularmente mensagens que tanto e tão fundo calaram. E a Luna e a Izzie, claro, that goes without saying. Foram aliás as duas primeiras pessoas da blogosfera a quem contei que estava doente, ainda antes de contar aqui. E o Harvey, o meu querido Harvey, cujo extravagantemente luxuoso presente de anos me pôs a chorar baba e ranho. Sabiamente escolhido, como só ele saberia. Noutra vida talvez fosse o homem para mim. Mas é seis anos mais novo. Seja como for, adoro-o.

3. Preparem-se para mentir muito. Nunca mintam aos médicos, mas mintam àqueles que se preocupam mesmo convosco. Digam sempre que estão melhorzinhos, que se sentem bem. Poupam-lhes preocupações adicionais, e a coisa também funciona ao contrário, tamanho pode ser o poder da sugestão: à custa de repetirem que estão bem, acabam mesmo por se sentir bem. Ou menos mal. Comecei por dizer que isto não era um passeio no parque, nem tudo são flores.

4. Há mais algumas directrizes, e eu até queria mudar esta música que adoro, substituí-la por Gracias a la Vida, por Joan Baez. Mas já estou exausta. Essa é outra das partes más: estamos sempre infinitamente cansados. Mas aguenta-se, acreditem em mim. Um dia de cada vez, a coisa vai.


25 comentários:

  1. Obrigado pela partilha, Teresa.

    Os teus textos enriquecem-me sempre. Quase sempre, pronto. (os que exaltam gatos, gatos, gatos, nem tanto... ;)

    Só quero fazer um comentário: talvez alguns dos amigos que desaparecem o façam porque não sabem como actuar. Porque querem respeitar o teu espaço, porque têm medo de ser invasivos. Na dúvida, retraem-se.

    Uauff para ti!

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  2. Aqui vim desde o princípio da coisa,quase como peregrinação,apelando aos poderes universais que fosse sempre a tempo.Hoje vejo isto e regozijo-me por não ter desistido.E como estou também no purgatório...
    Saúde!Louvor à Vida!
    José

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  3. Minha querida. welcome back.
    Como te disse desde o início, este fucker é para vencer, o cabrão.
    Beijinho grande

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  4. p.s. a minha mãe também lhe chamava o "bóbi". :)

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  5. :') Tu és admirável, uma guerreira.

    Gostei desse conselho, aprender a mentir a quem amamos por vezes é crucial.

    Muita força, que esta guerra tenha sido vencida em grande.

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  6. Excelente texto, na forma simples e no conteúdo que é um verdadeiro hino no apelo à luta pela Vida, em que muitas vezes se ganham energias e batalhas nos pequenos detalhes e pormenores aparentemente insignificantes do quotidiano, para quem está com saúde ou tem pouca sensibilidade.

    É maravilhoso ter de volta as duas Teresas. A autora e a personagem.

    Obrigado por ter regressado, Teresa.

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  7. Van Dog,
    Sabes que foste nomeado no texto. Pelo teu verdadeiro nome. Nunca me esquecerei da tua promessa pronta e firme ao meu apelo aflito de tomares conta de Pinxejas se isto acabasse mal. Porque tenho uma confiança imensa em ti.

    José,
    Meu Deus,que posso eu dizer-lhe? Só que vou juntar o seu nome às minhas orações. Acredito mesmo muito no poder da oração, sabe? Um abraço forte e silencioso de quem sabe como é.

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  8. Luna, minha querida Luna, I just love you to death. Nunca me lembro de que tenho idade para ser tua mãe, mesmo sabendo que há coisas em que te lembro muito a tua mãe que partiu tão cedo (e agora junta-se o Bóbí à história).
    Acredita que há muitos médicos do IPO que devem começar a gemer mentalmente quando me ouvem falar mais uma vez da minha brilhante amiga que está a fazer doutoramento em Leiden. Deve ser um dos poucos talentos que tenho: reconhecer o talento alheio e regozijar-me com ele como se fosse meu.

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  9. S*,
    Não sou nada admirável, e o sofrimento, meu ou dos outros, apavora-me. Sou bem cobarde, se queres saber. Mas é a tal coisa, um dia de cada vez. Funciona. Aguenta-se.

    Jibóia Cega,
    Sabe que gosto muito de si. Sem mais palavras. Um beijo também para a sua namorada, de quem fiquei também a gostar muito.

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  10. JCT,
    Os seus comentários esporádicos sempre me deram um enorme alento. Mais um desconhecido com presença firme nos meus afectos. Deus lhe pague.

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  11. Teresa, espero que corra bem a operação final e que recupere o mais rapidamente possível. As melhoras!

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  12. Coragem para o desafio da operação.
    É bom tê-la de volta à blogosfera!

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  13. Admirável. Mais comentários para quê?! Não saberia que mais dizer...

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  14. Aguenta-se e supera-se. A Teresinha é uma lutadora, que eu bem sei. E a próxima prova vai ser superada, tenho a certeza! Beijinhos!

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  15. Muito obrigado,Teresa.
    Que ultrapasse o próximo desafio com a esperança de cada novo dia.E a alegria de um sorriso,um raio de sol,um tecto de abrigo,uma conversa ao longe,uma qualquer música,tudo o que o vasto Universo nos oferece---mesmo fragmentário.
    Aqui virei espreitar,que eu sou mais de ouvir que de falar(educação antiga:-Está quieto e calado!).
    Saúde!
    Um abraço.
    José

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  16. Grande Teresa, se há coisa de que eu estava absolutamente certo é que a Teresa se aguentava. Não me pergunte porquê, sabia e pronto. É um gosto tê-la de volta às lides, espero que com o costumeiro mau feitio.

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  17. Teresa, sabes que não é admirável ter de lutar contra o C - que remédio, tem de se lutar, queira-se ou não. Admirável é este texto, esta perspectiva forte de quem luta e não desiste, mesmo sabendo que é uma doença que não dá tréguas.

    O caminho faz-se caminhando. :)

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  18. Teresinha,

    Beijos sem fim meus e da Ana! Babados pela sua ternura e amizade. Sem V.A., como se quer... ;)

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  19. O silêncio estava a ficar preocupante! Uma bela reaparição para começar bem o ano.

    Espero quo o pior tenha verdadeiramente passado - de vez!

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  20. O silêncio estava a tornar-se preocupante! Uma bela reaparição para começar bem o ano.

    E é ainda melhor saber que o pior passou! De vez, evidentemente!

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  21. Teresa,

    É bom ter-te de volta. Desejo-te o melhor para esta operação e que recuperes rapidamente.
    Um beijinho

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  22. God bless.
    Suspirei sem dar por isso, de alivio.
    Respect e um beijinho

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  23. Fico muito contente por saber noticias suas. Leio o seu blog mas nunca o comento. Senti a sua falta, vindo a este cantinho varias ver se havia noticias suas.E também sempre pressenti que iria dar a volta Hoje senti que devia comentar.
    Tudo de bom e tudo a correr bem na nova etapa.

    Rosario

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  24. Estou a ler os posts na ordem inversa (comecei por cima) e surpreendo-me com a força e a beleza de cada um. Agora, já sei que a operação correu bem e que o "bicho negro" estará vencido :)

    Ainda bem que tem tantos amigos, pessoas que realmente a amam. É bonito :)

    Felicidades!

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