domingo, 4 de dezembro de 2011

Politicamente incorrecta


Sempre odiei Fernando Pessa, um homem que todo o país adorava. Cresci a odiá-lo, ele estava sempre na televisão, para mal dos meus pecados. Aos onze anos percebi que o meu ódio era um caso sério quando o vislumbrei de relance como figurante no filme  O Destino Marca a Hora (não me chateiem, quem gosta de cinema tem fatalmente de ver muita porcaria pelo meio, e desde a mais tenra idade), ainda por cima na secretaria do meu querido Liceu. O salto que dei na cadeira foi eloquente, era mesmo ódio, confirmava-se.

A coisa avolumou-se com o passar dos anos, eu cada vez o detestava mais. Locutor da BBC nos anos da II Guerra Mundial? Yadayadayda, who cares? O timbre da voz era suficiente para me pôr a espumar (sou muito sensível a vozes). Já nos anos 80, ou 90, nem sei bem, assinava uma rubrica no Telejornal que me fazia ficar agarrada à cadeira, a comprazer-me no meu ódio, sempre à espera do momento em que ele, com aquela voz irritante a que dava uma sacudidela intolerável, rematava com um «E esta, hem?»

Todos os meus amigos sabiam deste meu ódio, tornou-se coisa lendária, era motivo recorrente de piadas. Até ao dia em que Fernando Pessa morreu. Ouvi a notícia de manhã, ainda em casa, a arranjar-me para ir trabalhar. Só o Vítor se atreveria a brincar com ela, porque para nós nada é sagrado e conseguimos rir de tudo. Telefonou-me a meio da manhã.

— És horrível! Não tens vergonha? Tanto fizeste que conseguiste. A mulher que matou Fernando Pessa! 

Família e amigos que nos perdoem, mas rebentámos numa enorme gargalhada.

4 comentários:

  1. Eu perdoo-a, Teresa, só por ter tido a coragem de contar ;-)

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  2. Bem, odiar, eu não odiava, mas nunca lhe achei piada.

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  3. Teresa

    Finalmente uma alma gémea,pensava que eu era a única!!!

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  4. Meninas, há mais pessoas como nós.
    Mas o mais embaraçoso foi ter aparecido uma amiga no Facebook que era... sobrinha dele. Imaginam como fiquei enfiada, não? Pedi imenesa, imensa desculpa. A Sofia foi um amor e tranquilizou-me: apesar de ser excelente pessoa, parece que a própria família o achava bastante cansativo.

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