quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Dois milagres e estranhas coincidências

Faz hoje precisamente um ano, a 13 de Outubro de 2010, eu ia assistindo no gabinete, de olhos maravilhados, ao resgate de 33 mineiros encurralados nas profundezas da terra havia 69 dias. E a cada mineiro que aquela estreitíssima cápsula ia devolvendo à superfície, à vida, à família e aos amigos, dava graças a Deus e pensava que estava a assistir a um milagre em directo.

Não me perguntem qual foi a estranha associação de ideias que fiz, mas de repente lembrei-me de um outro milagre, ocorrido muitos anos antes, e que me tinha impressionado tanto que nunca o esqueci: o do desastre dos Andes, em que um avião uruguaio que transportava uma equipa de râguebi, familiares e amigos em deslocação ao Chile, se tinha despenhado na alta montanha (ver aqui). Na altura eu tinha apenas 12 anos, mas lembro bem o muito que noticiários e jornais divulgaram a história. Anos mais tarde, já em 1977, já com 16 anos, foi com emoção que vi no cinema Roma um filme que reconstituía toda a trágica odisseia. A destacá-la de outros acidentes aéreos, a notícia que, após o resgate dos 16 sobreviventes, cedo correu mundo: isolados de tudo, a 3600 metros de altitude, com temperaturas de muitos graus negativos, sem água e sem comida, tendo ouvido pelo rádio do avião que as buscas tinham sido abandonadas, não tiveram outro recurso para se manter vivos senão alimentar-se dos corpos dos mortos. Só ao fim de 72 dias, e porque dois do grupo entretanto gastaram dez dias montanha abaixo em busca de socorro, em condições inimagináveis, seriam resgatados.



A televisão continuava a mostrar a subida dos mineiros à superfície, um a um. Comentei com a Conceição (dez anos mais velha do que eu) e com a Manuela (cinco anos mais velha, que tinha ido ao nosso gabinete por cinco minutos, só para se livrar por um bocadinho que fosse da insuportável colega). Ficaram a olhar para mim como se eu fosse marciana. Desastre de avião nos Andes? Hã? Estás a falar de quê?! E eu não conseguia acreditar. Como era possível que as duas — já adultas quando tudo aquilo tinha acontecido, enquanto eu era apenas uma catraia — não se lembrassem? Um pedacinho irritada, socorri-me do meu infalível amigo Google, já a virar o monitor para a Manela, que estava de pé, com um impositivo «anda cá, ó tonta!»

De repente, franzi os olhos, sou capaz de jurar que empalideci, a Manuela pelo menos disse que tinha ficado com uma cara muito estranha. Estranha? É possível, muito possível. O que fiquei foi muito perturbada. O terrível acidente dos Andes tinha sido justamente naquela data, a 13 de Outubro de 1972, fazia nesse dia 38 anos, faz hoje 39. E na véspera, precisamente na véspera, alguns dos sobreviventes tinham estado no Chile, no local das operações de resgate, para encorajar mineiros e familiares com o exemplo da sua história de sobrevivência, de tenacidade e de fé. 

Tinha planeado escrever aqui sobre isso nesse dia, infelizmente o trabalho arrastou-se até muito tarde, já era madrugada quando saí do gabinete. Ficou para hoje, um ano depois. Infelizmente, já não encontrei muita da informação então disponível. Há dois dias, através da sua página oficial (¡Viven!), enviei uma mensagem, tentando confirmar a sua presença no local e explicando as razões. A resposta não tardou a chegar, pelas mãos de Javier Methol, um dos sobreviventes, o mais velho de todos. Com palavras calorosas e encantadoras, tratou-me por tu, explicando-me que à época do acidente já era pai de quatro filhos e a sua mais velha era pouco mais nova do que eu, despediu-se com um abraço paternal. Obrigada, Javier, muito obrigada! Foram palavras que calaram fundo. Deus vos abençoe a todos. Não reproduzo a mensagem, que é de foro privado, o que posso garantir é que muito me comoveu.

De caminho confirmou que sim, que cinco deles tinham estado no Chile. O grupo inteiro, solidário, queria ir. O Presidente do país dissuadiu-os, era demasiada gente, a confusão já era muita, seria um circo mediático ainda maior, os que não foram ficaram a postos para o que fosse necessário


Banda sonora: The Bee Gees - New York Mining Disaster 1941

17 comentários:

  1. No meio de toda a coincidência e da ternura do email recebido, não deixa de me fazer confusão, que eu, nascida 11 anos depois do acidente, tenha conhecimento do mesmo (pelo filme e pelos variadíssimos documentários que existem) e que as tuas colegas não...

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  2. Tenho 28 anos e lembro-me de ver esse filme que retratou essa história do acidente nos andes quando era uma catraia. Fiquei na altura tão impressionada com a história que revirei o google para conhecer toda a historia.
    A força de vontade humana é impressionante até onde nos pode levar, a vontade de viver faz-nos ultrapassar tudo.

    Tuli

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  3. Eu conheço a história dos Andes, muito probabelmente por culpa do filme que a popularizou e também um livro. Nunca consegui ver o filme até ao fim confesso, demasiado impressionante. Que coincidência macabra não é. Ou como diz a outra, não há mesmo coincidências.

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  4. Eu li o livro, em criança, teria aí uns 12 anos: "Vivos" e há bem pouco tempo foi publicado um outro livro, "Milagre nos Andes" desta feita escrito por Nando, um dos 2 que atravessou montanhas em busca de salvamento. Chorei em criança, tal como agora. É uma história verdadeiramente comovente.

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  5. Conheço a história, apesar de só ter um anito quando ocorreu. Uma coisa engraçada, é que nunca me fez impressão terem recorrido ao canibalismo (necrofagia, na verdade). O que pensei foi na coragem de todos, na força de viver, e também no desespero para recorrerem a tal.
    Gente grande, é o que é.

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  6. Me,
    Também fiquei estarrecida, não percebo como é possível. Tanto que se seguiu uma activa troca de mails com o meu primeiro namorado. É que vimos em 1977, eu com 16 anos e ele com 17, o primeiro filme que foi feito sobre a tragédia, mexicano. Sei que pelo meio dissemos coisas como "não se lembrar disto é como não se lembrar do rapto dos atletas israelitas em Munique, do desastre de avião de Tenerife, do resgate do avião do Uganda, do rapto e assassínio de Aldo Moro..."

    Fiquei imensamente tocada pelo e-mail de Javier. E fiquei a saber outra coisa que me deixou à beira das lágrimas: a sua mulher, Liliana (aproveitaram aquela escapada ao Chile para uma segunda lua-de-mel), mãe dos seus quatro filhos, a mais velha com menos de 12 anos, já que ele me disse ser pouco mais nova do que eu, morreu lá em cima, na montanha. Ao 17.º dia, não conseguiram acudir-lhe a tempo quando uma medonha avalanche os deixou a todos soterrados.

    Javier voltou a casar, anos mais tarde, e teve mais quatro filhos.

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  7. Tuli and Dandydoll,
    Também eu nestes dias pesquisei muito sobre o desastre. E não há dúvida de que o instinto da sobrevivência é a última coisa a abandonar-nos.

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  8. Taquel,
    O filme está inteiro no YouTube, dividido em 13 partes:

    http://www.youtube.com/watch?v=tyoh84rdOrk

    E recomendo também este documentário:
    http://www.youtube.com/watch?v=iA2zYwp4XzY

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  9. Stiletto,
    Fiquei com muita vontade de ler os dois livros, o de Piers Paul Read

    http://www.amazon.com/Piers-Paul-Read/e/B000AQ8S4Y/ref=sr_ntt_srch_lnk_1?qid=1318842372&sr=1-1

    e o de Nando Parrado, que vou tentar arranjar no original em espanhol. A ver se descubro um sítio baratinho, que os preços na Amazon são absurdos, a tradução inglesa custa um quinto do preço.

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  10. Disseste tudo, Izzie. Gente grande.
    E não é de pouca monta lembrarmos que quase todos eles eram católicos fervorosos, o que em muito deve ter piorado o dilema. Sei agora, por exemplo, que Javier e a mulher, Liliana, continuaram a resistir à ideia e foram os últimos a ceder e a receber a sua parte (muita informação a gente encontra na Net).

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  11. Vi um dos filmes há muitos anos, ainda em vhs.
    Obrigado por partilhar.

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  12. Cap Créus (há quanto tempo!),
    A partilha é uma das melhores coisas desta vida. :)
    Beijinho.

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  13. Só hoje aqui vim. Também vi o filme, há uns dez anos ou mais, e nunca mais me esqueci. Lembro-me bem da cena da avalanche. E do surgir dos helicópteros, quando eles começaram todos a acenar...

    O filme tinha um narrador que apareceu, salvo erro, no princípio e no fim. Já não me lembro se era o Javier ou o Nando. Mas posso ir ver ao You Tube, claro.

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  14. Cristina, no filme de 1993 o narrador, que abre e fecha, é John Malkovitch. Julgo que ba personagem de Carlos (Carlitos) Páez.

    Palavra de honra, tenho mesmo de ler os livros.

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  15. Confirmado, v
    vê aqu, Malkovitcht +e Carlos Páez:
    http://en.wikipedia.org/wiki/Alive_%281993_film%29

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  16. Teresa, um verdadeiro milagre. A história dos mineiros comove-me bastante. Ainda não era nascida aquando do acidente com o avião, mas também eu sei da história e já vi o filme e documentários sobre o sucedido. Recordo-me bem de se ter falado nesse grupo e da sua sobrevivência agora, ou melhor no ano passado quando os mineiros encurralados eram a noticia do dia.

    Não conhecia o site que aqui deixou linkado e já andei a pesquisar, deixa-nos mesmo aterradas.

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  17. Teresa,

    Embora não pareça, venho aqui muitas vezes.

    Beijinhos

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