Outros tempos
Ontem à noite, a meio da leitura da biografia de Oprah Winfrey por Kitty Kelley (leitura muito-muito interessante, acrescento), fui consultar o índice remissivo, razoavelmente breve para um livro de 500 e tal páginas. E lembrei-me de uma história muito antiga, e de um trabalho que foi um autêntico pesadelo.
O índice remissivo, quando existe, é a última coisa a fazer em qualquer livro, porque só pode ser feito depois de a paginação estar na forma definitiva e de o texto estar fixado. Como tal, sobra normalmente para o revisor. É um pincel do pior, mas é trabalho que tem de ser feito, e não há volta a dar-lhe.
As editoras que ainda vão tendo algum brio fazem normalmente duas saídas de provas. A primeira é enviada ao revisor ainda em Word, para que ele possa corrigir directamente no documento (normalmente com track changes, para eventual verificação de dúvidas). As segundas provas vêm já em PDF e são corrigidas no papel, acompanhadas daqueles sinais que parecem quase um código secreto, e que os revisores e os gráficos tão bem conhecem — tirar espaço, dar espaço, troca de letras, caixa alta, caixa baixa, itálico, etc. E é fatal como o destino: na leitura em papel encontramos sempre erros que nem percebemos como nos escaparam na primeira, no ecrã. Só depois disto, e de a gráfica inserir as novas correcções e reenviar o livro, se passa ao índice remissivo. Hoje em dia, apesar de maçador, muito maçador, é um trabalho muito fácil: é só localizar cada nome com as teclas Ctrl + F e a seguir escrever à frente todos os números de página em que surgem.
Agora imaginem este trabalho há quase vinte anos, quando tudo se fazia em papel. Pior ainda, imaginem isto num livro de 930 páginas como as Memórias de Margaret Thatcher editadas pela Bertrand em 1994. E imaginem a quantidade de pessoas nelas citadas. Muitas e muitas páginas de índice remissivo. Só para Ronald Reagan devia haver mais de 50 entradas. Era um trabalho hercúleo, de dar em doido, e era mais seguro que fosse feito por duas pessoas, a cruzarem a informação entre si. Foi assim que eu e o editor da Bertrand passámos um fim-de-semana inteiro em casa dele de volta do maldito índice, a mulher dele a trazer-nos eventuais cafés e refrescos, que estava um calor dos diabos.
Quais teclas Ctrl + F, quais quê! Papelinho, meus amigos, papelinho! Um tinha o original do livro, o outro as provas, de vez em quando trocávamos. Era preciso localizar todas as entradas para cada nome na tradução. Ora o texto português é sempre mais extenso: se um nome aparecia na página 40 do original, isso queria dizer que na versão portuguesa estaria na 41 ou 42, pelo menos. E isto entrada após entrada, nome após nome, num trabalho interminável que nos consumiu dois dias e doses de paciência para um mês inteiro.
Infelizmente já não tenho o livro, um ex-namorado achou que ia abrilhantar-lhe a estante e ficou-me com ele. Tal como me ficou com a Correspondência com Marcello Caetano, do Prof. Veríssimo Serrão, que tinha uma dedicatória gentilíssima, encantadora, do autor, a agradecer-me a colaboração e o trabalho. A coisa é tão mais idiota quando penso que de certeza o usurpador nunca abriu nem um nem outro.
Xiiii lembro-me do pesadelo que era fazer esses índices nos trabalhos universitários. O pesadelo era menor no que respeita ao nº de páginas, fazer o índice em contra-relógio é que custava. Uma pessoa acabava o trabalho quase em cima do prazo de entrega e ainda tinha de atacar o índice. brrrr
ResponderEliminarAqui fica o meu obrigada aos meus irmãos que tantas horas tiraram ao meu trabalho ajudando-me :)
Ah! e também aqui deixo uma homenagem a todas as pessoas que fazem o trabalho de revisão e os índices remissivos. Adoro livros com esses índices porque facilitam tanto, tanto a consulta :)
ResponderEliminarÍndice remissivo ? Todos os índices são remissivos.
ResponderEliminarTrata-se antes de índice analítico ou ideográfico.
Mas que grande usurpador ;)
ResponderEliminarPois, os computadores vieram dar uma grande ajuda a toda a gente que se dedica ao livro (escritores, editores, revisores, etc.). Sol Stein, um escritor que teve alguns best-sellers nos EUA, escreveu também livros sobre escrita criativa e de ajuda a novos escritores (sim, eu li-os, têm, aliás, conselhos muito úteis, para quem não faz ideia de como funcionam as editoras). Se ainda é vivo, Sol Stein tem mais de 80 anos, é do tempo em que se escrevia à máquina. Nos anos 80, a filha, que também começou a escrever, claro que adoptou o computador. Sol Stein resistiu quanto pôde, via os computadores com um certo desdenho e não largava a sua velha máquina. Até que a filha lhe mostrou como, num computador, se podia apagar e escrever de novo, como se podia mudar o lugar dos parágrafos e, o golpe de misericórdia, como se podiam gravar mais de cem romances numa só caixa daquelas, sem gastar uma folha de papel!
Isto, nos anos 80, eram maravilhas.
Isto e os gravadores de vídeo ;)