Regresso à normalidade
Chega de falar daquilo que sabem. O assunto está em mãos competentes, segue a tramitação devida e nada mais devo dizer.
Esta manhã, antes de sair de casa, passeei os olhos pelas estantes, em busca de um livro para levar comigo. Parei num título que há muito não relia, No Rasto de Anne Frank, de Ernst Schnabel, não hesitei. Foge à forma clássica da biografia e é um livro belíssimo, quase poético, escrito com tocante sensibilidade, uma sensibilidade quase feminina. Publicado em 1958 por um alemão (facto de assinalar, considerando que tinham passado apenas 13 anos desde o fim da guerra), julgo que terá sido a primeira obra a revelar-nos mais sobre Anne do que aquilo que sabemos através do diário e que é repetido na peça de teatro, cuja estreia mundial foi em 1955 (a título de curiosidade, uma novíssima Natalie Portman de 16 anos representou o papel de Anne Frank no revival da peça na Broadway, em 1997 — não podia adequar-se melhor, não só pela idade, mas também pelo facto de ser judia).
Ora, já ao almoço, mergulhada na leitura, ao ler sobre as reacções à peça das diferentes pessoas que conheceram Anne em vida, e porque o pensamento é coisa muito caprichosa, lembrei-me de repente de uma deliciosa história lida algures há muitos anos. E desatei a rir baixinho.
Pia Zadora, a senhora da fotografia, é uma actriz de talento directamente proporcional à sua diminuta estatura, 1,52 m. Valeu-lhe ter casado com um multimilionário com enorme poder nos meios teatrais e cinematográficos. Até hoje ninguém percebe como ganhou um Golden Globe pelo filme Butterfly, em 1982, mas corre à boca pequena na indústria que o marido terá comprado o prémio a peso de ouro, já que ganhou dois Razzies pelo mesmo filme. Aliás, Pia Zadora tem um palmarés dificilmente superado nesses prémios que são o pior pesadelo de qualquer actor, os Golden Raspberry Awards: quatro vitórias e duas nomeações, uma para pior actriz da década de 80 e outra para... pior actriz do século).
A história que li em tempos conta-se numa penada. Numa nova produção teatral de O Diário de Anne Frank, Pia Zadora fazia o papel de Anne, com a falta de talento habitual. Tanto que, no final da peça, quando a Gestapo invade o palco para prender as pessoas escondidas no anexo, um público exasperado com o seu desempenho atroz terá gritado em coro "She's in the attic!"
Só de escrever isto volto a rir com os meus botões, tão fabulosa acho a história. Infelizmente, com muita pena minha e porque fui investigar, não passa disso, uma bela história que se tornou quase lendária. Estranhei logo a primeira consulta, que foi à fonte que é uma bíblia, a IBDB (Internet Broadway Database), que não registava qualquer participação dela na peça. E depois, como sou meticulosa nas minhas pesquisas, encontrei esta informação adicional, que muito me fez rir.
Explicação para a banda sonora? Pia Zadora, mulher multifacetadamente destalentosa, também cantou (parece que chegou a ser considerada para o papel de Evita no musical de Andrew Lloyd Weber, Deus nosso Senhor me valha, muito dinheiro deve o marido ter injectado em bolsos influentes!). E cantou, em 1986, uma versão deste grande êxito de Gloria Gaynor que faz parte, na sua versão original e bem mais séria, do magnífico musical que é La Cage Aux Folles. Não conheço a versão de Pia Zadora, mas tenho pena. Aposto que dava para rir.
Quero muito ler esse livro! Li o diário de Anne Frank muitas muitas vezes e foi uma enorme desilusão quando fui conhecer a casa em Amsterdão. Não correspondeu em nada às minhas expectativas e saí de lá a sentir-mde defraudada. Meses mais tarde aconteceu-me uma coisa curiosa. Uma amiga perguntava-me pela viagem a AMS e como era a casa de Anne Frank. Quando dei por mim estava a descrever não a casa que vi mas a que sempre tinha imaginado durante as várias leituras do diário. Mais uma prova do evidente na minha vida, que a ficção é mesmo por vezes mais poderosa que a realidade e daí o facto das adaptações literárias me saberem sempre a pouco... Mas isso já era tema para outro comentário.
ResponderEliminarQuanto a essa actriz nunca ouvi falar mas não é segredo para ninguém como funcionam, ainda hoje, os prémios em Hollywood. E sim, Natalie Portman parece-me uma escolha perfeita para Frank com o seu ar delicado e no entanto tão forte.
Raquel,
ResponderEliminarO livro, como disse, é belíssimo. Lembro-me bem da primeira vez que o li, logo a seguir ao 25 de Abril, tinha 13 anos. Como as aulas acabaram mais cedo do que o habitual, fomos mais cedo para S. Martinho. E apanhámos um tempo que nem lhe passa pela cabeça. Dias e dias fechada em cad«sa, a chuva lá fora. E muitas idas à papelaria/livraria da Rua dos Cafés e ao Coxo. Foi assim que comprei este livro, que me apaixonou. É da Colecção Dois Mundos da Livros do Brasil, não sei se ainda estará disponível na editora, mas aposto que o encontra à venda na Internet.
Lamento que tenha tido essa sensação de prejuízo na casa-museu de Anne Frank (que não conheço, e será visita obrigatória quando conhecer Amsterdão). Já eu, sabe?, sei que me comoverá profundamente. Porque casos há em que a realidade, aquela terrível realidade, é muito mais poderosa do que qualquer coisa que a imaginação nos plante na cabeça.
Como a Raquel é leitora muito recente deste blogue, sugiro-lhe este post:
http://gotaderantanplan.blogspot.com/2011/04/o-gato-de-janeiro.html
Mas, atenção: acho preferível lê-lo no Delito de Opinião, o blogue ao qual se destinava (tem lá o link). Por causa dos comentários.
E, de caminho, espreite aqui a minha viagem a Auschwitz (sim, fui lá, tinha de ir). A etiqueta é "Peregrinações".
Amanhã vou ler com atenção. Auschwitz é obrigatório para mim mesmo sabendo de antemão o quanto me vai emocionar, chocar, deixar por umas longas horas calada e profundamente incomodada. Se ainda não conhece recomendo que veja esta curta que falei no meu extinto diário do mestrado: http://cinemastudiesdiaries.blogspot.com/2008/11/nuit-et-brouillard-first-and-best.html
ResponderEliminarO link do Youtube foi desactivado mas facilmente encontrará outros. Vale muito a pena.
Boa noite e um beijinho.
O livro é fantástico! Li-o várias vezes.
ResponderEliminarQuanto aos sítios. Ele há lugares que têm uma magia especial, outros que têm um peso atroz, por sabermos que foram palcos de grande sofrimento. Eu estive em Terezin. É absolutamente indescritível.
Folgo em ver que voltámos ao registo normal :-)
ResponderEliminarO "melhor" papel da Pia Zadora é o do filme Naked Gun 3/33, a trilogia humorística, com o falecido Leslie Nielsen. É encenada uma entrega dos Óscares e o polícia trapalhao Frank Drebin dá-lhe cabo da actuacao (em que ela canta e danca). Das duas uma: ou a senhora tem sentido de humor, ou prestou-se àquele papel ridículo apenas porque queria "aparecer".
ResponderEliminarSi non è vero, è ben trovato.
ResponderEliminar(sem aspas nem itálicos, tal a pressa.)
ResponderEliminarA Pia Zadora despertava em mim os mesmos sentimentos por que passou um personagem do Balas sobre a Broadway (Chee chee? era o gangster guarda costas da vedeta), "não, não vais estragar a minha peça!" :D
ResponderEliminarAté tenho pena que essa história seja inventada, mas ao mesmo tempo fico contente por ter saído da cabeça do Burns, que era um comediante e peras. Lembrei-me agora, vi uma vez no youtube um roast ao Burns, a rábula da Phyllis Diller era de cair da cadeira (não consegui encontrar :/)