segunda-feira, 25 de abril de 2011

Conta-me Como Foi

Chega hoje ao fim uma das melhores coisas que já saíram das mãos da RTP. Pouco me importa que seja um formato importado de Espanha, a tradução para a realidade portuguesa é absolutamente irrepreensível. Captaram a ideia e o tempo, tudo o mais é trabalho suado de gente com enorme talento para a escrita televisiva (Helena Amaral, Isabel Frausto e Fernando Heitor, diz-me a Wikipédia).

Não vi o primeiro episódio, mas o Manel telefonou-me a contar, encantado. No domingo seguinte lá estava eu colada ao televisor, no minuto em que chegou ao fim pusemo-nos ao telefone a comentar. Aznavour diz, no seu desgarrador Non, Je n'Ai Rien Oublié, que «on a souvent besoin d'un bain d'adolescence». Conta-me Como Foi revelou-se para mim, e acredito que para muita gente, como um banho de infância.

Eu lembrava-me de todas aquelas coisas! Os adereços eram geniais! Na nossa casa houve durante alguns anos caixas iguais para a massa, o açúcar, o arroz e mais não sei quê (as nossas eram azuis). Lembro-me de ver em casa de amigas minhas bonecada igual em cima dos frigoríficos (com o imprescindível naperon, essa inefável peça decorativa). As cabines telefónicas, as fitas na porta do café, o logótipo do Gazcidla por cima da porta da drogaria, a senhora que apanhava as malhas das meias, tudo coisas que eu tinha conhecido.

É certo que devo estar na idade limite para apreender todas as referências. Carlos Manuel, Carlitos, o narrador, nasceu em 1960, como eu. Para quem for mais novo talvez já haja muitas referências  perdidas. Lembro-me de todos os apontamentos paralelos da vida nacional e internacional que são referidos. Lembro-me do casamento de Jackie Kennedy com Onassis, em 1968 (referido no primeiro episódio que vi) — ao fim da tarde o meu Pai chegava a casa com o jornal, que eu me punha a ler, estendida de barriga para baixo no chão da sala, enquanto ele bebia um whisky e retomava o livro da véspera. Foi assim que soube dos assassínios de Martin Luther King e Robert Kennedy, do grande baile dos milionários organizado por Patiño, do casamento de Jackie e Onassis.

Com muita pena minha, perdi demasiados episódios de Conta-me Como Foi.  É muito raro ver os canais generalistas, era fatal como o destino, só no dia seguinte me lembrava de que não tinha visto. Ainda assim, vi o suficiente para saber que é uma série extraordinária. Rita Blanco, Miguel Guilherme e Catarina Avelar (outra referência da minha infância, muitas vezes a vi no tempo em que a televisão tinha uma Noite de Teatro semanal) têm desempenhos fabulosos. A inquietação daqueles tempos de mudança é bem palpável, lembro-me de um episódio sobre a pílula, então assunto proibido. E há o fantasma omnipresente da guerra de África.

Passa hoje o último episódio, e não vou perdê-lo. O meu Pai era um homem de direita, mas era profundamente contra o regime de antes do 25 de Abril, aposto que teria adorado esta série.

Um último apontamento: gostaria muito de ter a série em DVD. Mas haja bom senso! São cinco temporadas, das quais só a primeira está editada. Em Parte 1 e Parte 2. Cada uma custa € 29,99. Contas redondas, 60 euros para uma temporada. Beberam? Drogam-se? Fico à espera de uma edição integral de toda a série a um preço razoável. Não é assim que se incentiva o consumo do produto nacional. É só comparar com os preços das melhores coisas já feitas em televisão: Brideshead Revisited, Six Feet Under, Thirthysomething, Forsyte Saga, I Claudius. Tenham vergonha!!

(um grande beijo ao meu querido Zé Calvário, autor da música e da orquestração, e que dirigiu a orquestra)


5 comentários:

  1. Estou a ver o último episódio e já começo a ter saudades das aventuras do menino Carlitos...

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  2. Concordo com cada uma das tuas palavras. Principalmente com a questão dos preços. Já com a "Herman Enciclopédia" começaram com preços abusivos para cada temporada. Depois, ao descobrirem que não as vendiam, baixaram o preço para metade. A ver se editam as temporadas todas, porque a RTP tem a mania de só editar as primeiras e, se não vender, deixa de editar.
    Enfim, Portugal dos pequeninos até nestas coisas. Têm a melhor série algum dia feita neste país. A ver se respeitam quem a viu.
    Beijos.

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  3. Como companheiro na apreciação desta série (apesar de ter nascido em 1984) gostava de partilhar que todos os episódios estão disponíveis no site da RTP gratuitamente para serem vistos:

    http://ww1.rtp.pt/play/index.php?tvprog=20133&idpod=#/?tvprog%253D20133%2526fbtitle%253DRTP%20Play%20-%20CONTA-ME%20COMO%20FOI%2526fbimg%253Dhttp%253A%252F%252Fimg.rtp.pt%252Fmultimedia%252Fscreenshots%252Fcontame%252Fcontame_1_20110425.jpg%2526fburl%253Dhttp%253A%252F%252Frtp.pt%252Fplay%252F%253Ftvprog%253D20133

    Grande abraço

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