Verde
Hoje era dia de entrar mais tarde no Colosso (e de, consequentemente, sair mais tarde, alternamos os dias). Aproveitei para ir ao sapateiro consertar o salto de uma bota que se partiu graças a um tropeção na maldita e tão decantada calçada portuguesa, que há muito não é o que era — no tempo em que era laboriosamente feita por genuínos artistas e o pavimento era lisinho que era um regalo, agora é terreno armadilhado autêntico, tamanhos os desníveis). Tenho tornozelos finos e frágeis, passo a vida a tropeçar, de vez em quando lá vem queda monumental, tal como aconteceu há uns quantos meses em plena Rua Augusta. E não culpem os saltos, que eram de cunha e muito estáveis, a culpa foi mesmo do pavimento. Estatelei-me ao comprido, rasguei uma meia, esfolei um joelho e a palma de uma mão, foi iPod para um lado, telefone para outro, acorreu gente para me ajudar a levantar.
A ida ao sapateiro foi mais demorada do que o previsto, tomei um táxi. Agora que vou sempre de metro para o Colosso, perco contacto com Lisboa, e com as mutações a que sempre fui tão sensível. A descer a Av. da Liberdade numa linda manhã de sol, toda eu era atenção às árvores, investigando a explosão de folhas verdes muito novinhas e tenras que anunciam tempos felizes e belos e longos dias soalheiros, um suspiro consolado a confirmar que eram os plátanos, as minhas árvores mais queridas, as árvores do Liceu, as mais esplendorosas de todas.
À hora do almoço, ao aproximar-me do restaurante, levantei os olhos e lá estava a Pasta, a nossa querida Guiditta Pasta, a dormir regalada e num equilíbrio precário de que só os gatos parecem ter o segredo, tão estreito o parapeito daquela varanda.
Um dia perfeito.
Já são pelo menos duas vezes que o Jr salta para o parapeito, se assim lhe posso chamar, da janela do carro, e eu num susto, agarrando-o, Oiça lá, você é mesmo arraçado de gato?
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