Felizmente há luar!
Não resisti a usar a peça de Sttau Monteiro, autor hoje injustamente esquecido, como título para esta entrada. Não sei que sortilégio irresistível há numa lua cheia, só sei que é coisa de imensa beleza que me põe a sonhar e me arranca suspiros.
Por qualquer estranha razão, o dia dos meus anos, 27 de Agosto, tem registado, ao longo dos anos, insólitos fenómenos astronómicos (façam uma pesquisa com estas palavras-chave "moon, August 27" e ficarão surpreendidos com a quantidade de comportamentos lunares únicos nessa data), parece que os mais notáveis foram os de 2003 e 2010. Esqueci as razões, à época amplamente divulgadas na imprensa. Contento-me com a beleza, sem querer investigar-lhe as razões. O que sei é que, em grande parte da minha vida, o dia dos meus anos foi assinalado por deslumbrantes luas cheias.
Nenhuma tão bela como a da noite dos meus vinte anos. A caminho do Fox Trot, o carro parado ali perto (felizes tempos, agora é impossível estacionar naquela zona), a subir a Travessa de Santa Teresa, levantei os olhos e lá estava ela, a lua mais cheia e mais arrebatadora que me lembro de ter visto. Dei uma cotovelada muda ao P. M., ficámos parados a encher-nos daquela visão de beleza pura. «É em tua honra», acabou ele por dizer com um sorriso, ao fim de uma eternidade de contemplação extasiada. E a seguir, a provar mais uma vez que me conhecia como muito poucos, e que sabia que eu preciso sempre de me traduzir em música, acrescentou (há coisas que nunca esquecemos) «E aposto que agora só te apetece Mozart, mas vais ter de te contentar com un gin tónico.» Rimos os dois e o feitiço desfez-se, voltámos à terra. Também é certo que a minha vida mudou nessa noite, com o meu consentimento tácito. Lembro como se fosse hoje o gesto muito suave dele, o indicador a passear no meu ombro dourado pelo sol da minha Nazaré tão amada. «Há mais de um ano que espero por ti, não me faças esperar muito mais, não? Custa.»
Não teve de esperar muito mais, foi menos de um mês. Ele é o meio amor dos dois grandes amores e meio da minha vida. E ainda hoje gosto de me ver pelos olhos dele, porque vê sempre em mim coisas que não vejo. Acha-me sempre mais bonita, mais inteligente e melhor do que sou realmente. E nem o facto indesmentível de ele ser uma das inteligências mais brilhantes que tive o privilégio de conhecer consegue persuadir-me de que talvez possa ter razão. Nunca conseguirá dissociar-me da menina de 18 anos com quem tinha conversas apaixonantes, essa é a imagem que lhe ficou. Devo-lhe muito, arrastou-me para fora dos anos 60 na música, mesmo enquanto aprendia a conhecer a minha música. Os discos são muitos, e são discos da minha vida. E nunca esquecerei a nossa figura desvairada atrás do vinil de Born to Run, a rebolar Avenida Estados Unidos abaixo, eu quase fui atropelada naquela tonta operação de resgate.
A banda sonora para homenagear a esplendorosa lua cheia que teremos hoje? Não, não é Mozart. Podia ser a celebérrima ária da Rusalka de Dvořák, mas acontece que nem gosto assim tanto dela. É Beethoven e a sua Mondschein Sonate (Moonlight, Clair de Lune, como vos der mais jeito). Nunca o refiro porque Mozart ofusca sempre tudo e todos, mas Beethoven é bem outro grande amor meu. Sempre depois de Mozart e de Bach, sabe-se.
No meu tempo o «Felizmente há Luar" de Luís Sttau Monteiro era leitura obrigatória na escola! E chegámos a ir ver uma representação da peça algures no Porto.
ResponderEliminarQuanto à lua, ela é tão enigmática que não deixa ninguém indiferente, esteja redonda ou pequenina... :) A propósito, já ouviu a música "Única" do último álbum dos GNR? É uma bonita ode à Lua.
Dulce,
ResponderEliminarEu sou mais velha, descobri Sttau Monteiro sozinha (e Angústia para o Jantar é mesmo um grande livro), no meu tempo não fazia parte do programa. Mas há umas horas fiquei deliciada quando a minha querida Matilde de 15 anos comentou na minha página do Facebook que Felizmente Há Luar! era o livro que estava a estudar. Um dia escrevo sobre a Matilde, há dois anos referi-a aqui num post sobre Bethesda Fountain. Assisto maravilhada ao crescimento dela, Gostava de ter tido uma filha assim.
http://gotaderantanplan.blogspot.com/2008/12/i-bethesda-fountain.html
Não conheço a música dos GNR, vou investigar. Obrigada. :)
Então parece que ainda se mantém 'leitura obrigatória' :) Ainda bem..!
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