segunda-feira, 14 de março de 2011

Dessa doentia obsessão por Nova Iorque

Lembro-me de que foi um dos posts que mais gostei de ler na blogosfera em todo o ano de 2010. Se não lhe dei o devido destaque na altura foi apenas porque Novembro, altura em que foi publicado, foi um mês em que não escrevi uma linha no blogue.

Escrito pela Ælitis in Paris, do Cartas à Filo-Sofia, uma miúda de 24 anos que vive sozinha (neste momento em Paris) desde os 14, denota uma notável maturidade e um profundo bom senso. É certo que adoro Nova Iorque, que vou lá sempre que posso, mas tenho bem a noção de que pode não haver outra cidade no mundo em que a solidão possa tornar-se mais insuportável.

Leiam o que ela escreveu, garanto que vale a pena.



SÁBADO, 13 DE NOVEMBRO DE 2010


Dessa doentia obsessão por Nova Iorque

O meu irmão tinha um sonho muito grande que era trabalhar nas Nações Unidas. Deus foi Pai com ele e fez com que a sua luta tivesse sentido e foi agora trabalhar por alguns anos na ONU em Nova Iorque. O meu irmão é o novo orgulho familiar. Tinha um projecto, lutou (sozinho) e agora está lá e estou mais do que feliz por ele. Quando digo que o meu irmão está a morar em Nova Iorque, a reacção aqui em Paris é quase sempre a mesma “uau, que sorte, quem me dera, também quero, também deverias ir”. Não compreendo nem quero compreender o porquê dessa obsessão que New York é cool e “the place to be” apenas porque comem séries e filmes sobre a cidade, dia e noite, e pensam que vão ter amigos para beber café no Central Perk* todos os dias e cosmos à noite ou porque tiram uma foto em Times Square e "uau, sou tão cool". Turismam uma semana numa cidade, e pronto, é o lugar onde morar, esquecendo que ha pessoas com vidas reais e que a luta é a mesma em Luanda, em Montpellier, em Bagdad e no Catambor.
Vai dar no mesmo quando me dizem “uau, morar em Paris, que sorte, que chulo!” sem conhecerem a cidade, ou por terem vindo uma semana ou por tudo o que vêm nos filmes, como se um parisiense vos fosse agarrar na rua para dançar num cais do Sena todas as noites de luar e dizer "je t'aime" sem parar, enquanto mais rapidamente um vos vai dizer "va te faire foutre" e outros que tais.
People, give me a break. Essas grandes cidades são bastante apelativas mas ponham juízo na vossa cabeça. Nada é melhor do que conhecer os nossos vizinhos, a quem podemos ir pedir um quilo de açúcar no andar de cima, ter a mãe perto para cuidar dos nossos filhos, ter amigos de infância com quem ir jantar. Já tentaram ir morar numa cidade que não conhecem? Acham que tudo o que vêem nos filmes é verdade?
Além das festas, e dos saltos e dos cosmos e toda essa futilidade que vos obceca, já pensaram nas horas que se passa sozinho com um livro numa lavandaria, a ver as pessoas passar, sem ninguém com quem conversar? pensaram no que é viver numa cidade na qual não conhecem ninguém? Em que trabalham 12 horas, andam a pé porque não têm um carrinho ou lugar para parquear o carrinho ou apenas porque ter um carrinho é caro que doi? Pensaram no tempo que se passa em transportes apertados para gastar 75% do salário no aluguer um quarto de um apartamento que partilham com cinco pessoas estranhas, que não falam com vocês, a não ser hello-goodbye e post-its no frigorifico a perguntarQUEM ROUBOU A M* DA MINHA SALADA SEUS FDP? Sabem o que é ir ao cinema sozinho? Gastar tanto dinheiro emtake away porque vamos comer sozinhos e nem temos vontade de cozinhar para uma pessoa? Ter encontros esporádicos, conhecer muita gente, ter muitos números no telefone mas não ter ninguém com quem falar a sério, a quem expor os nossos problemas, apenas porque queremos ser cool? A Carrie não existe, a Amélie não existe. A Carrie tem aquele estilo de vida depois de morar 20 anos em NY. A Amélie vive naquele bairro porque nasceu ali, está enraizada e conhece todo o mundo. Os parisienses não fazem amizade com as pessoas rapidamente. Vejo aqui muito expatriado que mora aqui há anos e não têm amigos. Porque os nativos não se abrem, já têm os amigos deles há 30 anos e estão melhor assim. Os novaiorquinos fazem amizades rápidas. Mas é apenas isso. É rápido, é um date eterno, no qual tens de te apresentar todas as noites à volta de um cocktail, a uma pessoa diferente mas continuas a regressar a casa ainda mais vazio e sozinho do que antes. Do que nunca.
Sou apologista e grande admiradora das pessoas que vão além dos seus limites e saem de casa para viver sonhos longe. Mas já paravam de pensar que os sonhos apenas se realizam em Nova Iorque. Até porque eu sei onde durmo melhor, onde o chão não treme porque o metro passa, onde a discoteca de Chelsea não fica aberta todos os dias de semana. E esse lugar onde durmo tão bem tanto pode ser na Baixada Fluminense ou no Barreiro, que não é hip, não écool, não aparece cheio de glamour nas televisões mas é onde durmo melhor.
Então sim, estou mais do que orgulhosa pelo meu irmão, pela sua luta, pelo facto de poder ter a mulher e as filhas com ele para viver este que foi o seu sonho desde miúdo. Mas foi ponderado, com muito sofrimento, muitas viagens à Assembleia, muitos meses à espera de assinaturas e validações e sem um sonho meio idiota de ser apenas cool mas de ser mais homem. 

Enough with the shallow crap.

*o café ponto de encontro em Friends

9 comentários:

  1. Penso exactamente o mesmo. Sempre pensei... mesmo antes de existir a Carrie ou a Amélie.
    Há pessoas tão tontinhas, caramba.

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  2. Pois. Como todas as vidas, a vida de expatriado tem coisas boas e coisas más. O que é importante é saber apreciar o que há de EXTRAordinário na vida, mesmo aqueles que moram sempre no mesmo bairro, a vida toda.

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  3. Gostei da reflexão :)
    E agora uma sugestão: conhece o Paris vs. NYC?
    http://parisvsnyc.blogspot.com/

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  4. NY pareceu-me uma cidade violenta, não por haver assaltos (que não os sofri nem vi), mas pela impessoalidade, pelo peso dos edifícios que mal deixam ver o céu. Senti-me melhor lá no dia em que estive à conversa, em castelhano (o meu muito arranhado) com o Colombiano que me atendia e preparava a big salad no deli. Foi giro, perguntar-me de onde era, e chegarmos à conclusão que falávamos línguas tão parecidas, e que nos podíamos entender em língua estranha àquela metrópolo. Senti-me mais em casa, e espero que ele também.
    De resto, é bom para visitar, mas viver lá, só por viver, pelo glamour, nem me passa pela ideia. Cá tenho a família e amigos mais perto que um telefonema, e isso não tem preço.

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  5. Anouc,
    A Carrie e a Amélie são personagens de ficção, mas as tontas preferem continuar a sonhar com príncipes que casam com pastorinhas.
    Como é que, no mundo nreal, uma personagem como Carrie, com uma coluna semanal num jornal (que nós saibamos é a sua única escrita) pode manter aquele apartamento naquela zona da cidade (rua 73) e fazer a vida que faz, sempre a comprar manolos e choos? :)

    Vera,
    Sem dúvida. E volto a tocar a tecla da importância de destrinçar realidade e ficção.

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  6. Lalge,
    Não conheço e prometo que amanhã vou ver. Se não for ainda hoje. Mas estou tãooo cansada, já devia estar na cama! :)

    I.,
    Eu adoro NY, a sua trepidação, todas as referências, toda a oferta cultural (para mim principalmente o Teatro, que para a Ópera há outras tão boas ou melhores, sendo que, se não formos patronos do MET, temos de pagar fortunas para conseguir os melhores lugares - já me aconteceu), mas não sei se seria cidade em que gostasse de viver. A sério. Estou-me nas tintas para o glamour.

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  7. P.S. para a Lalage:
    AMEI! Já está no GR, tenho de explorar para trás, mas um post já me deu vontade de contar uma história sobre as ratazanas de NY.

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  8. Viver expatriado pode ser duro pelas razões apontadas. E também se pode estar expatriado noutra província do próprio país.
    Há que pensar vantagens e inconvenientes, e poder voltar à pátria ver os amigos com alguma regularidade.

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