domingo, 26 de dezembro de 2010

Começar de novo

A morte do Zé atingiu-me em cheio. Nada podia anunciá-la, o que fez o choque ainda mais tremendo. Tão mais tremendo por ter vindo a uma semana do Natal, festa que, de ano para ano, tenho vindo a viver muito mais pelo lado religioso e espiritual, rejeitando deliberadamente o festival consumista e material. É certo que esse lado, o mais verdadeiro, o único, esteve presente em toda a minha vida, como também é certo que em anos idos fui extravagante, demasiado extravagante, nos presentes oferecidos, nos presentes recebidos. Agora peço que não me dêem nada de especial, que não me dêem nada, que façam um donativo à UZ, ou à Bianca, ou à ABRA. E encontro uma imensa alegria neste despojar-me em benefício de causas que me são muito caras. Tenho um post começado, guardado, e que já não vale a pena publicar, pelo menos este ano, o Zé morreu entretanto, e eu esqueci o blogue e tudo o mais. Esse post tem a minha wislist de presentes para este Natal, basicamente uma lista de associações e respectivos NIB. Não há nada material de que eu precise verdadeiramente. Não há nada material que eu possa desejar, muito ou pouco, de que não seja capaz de abdicar alegremente quando no outro prato da balança estiver um animal a precisar de ajuda médica, de comida ou de  acolhimento.  

Mas o Zé morreu-me, morreu-nos uma semana antes do Natal. E se os dias que se seguiram foram duros, pelo menos tinha o lenitivo do muito trabalho. Mais duras eram as noites, e nas noites que se seguiram tive enorme dificuldade em dormir (continuo a ter). Mesmo exausta depois de um longo dia de trabalho, adormecer era coisa complicada, e coisa efémera. Dormir duas horas e ficar acordada o resto da noite tornou-se o padrão. Num jantar na segunda-feira, a Pituxa, sabedora disto, deu-me quatro comprimidos de Lexotan de 1,5 mg. Não me fizeram grande coisa, até porque sou francamente renitente quando toca a recorrer a soporíferos — ainda tenho dois desses quatro, uma semana depois.

E foi assim que, na madrugada de quarta para quinta-feira, dei comigo acordada às quatro da manhã, e a percorrer canais de televisão, irritada com as imbecilidades de tradução e dobragem do Biography (mais alguém diria fragância em vez de fragrância? mais alguém teria a peregrina ideia de traduzir Archbishop of Canterbury para Arcebispo da Calábria? Não querendo ser demasiado fundamentalista, acontece que a Calábria, só por acaso, até é em Itália), com um menina de voz estridente a insistir em falar em volume ofensivo na SIC Mulher, com televendas a quererem impingir-me pulseiras de equilíbrio, com uma treta irrelevante no canal História, aterrei, já desesperada, na Fox. E não queria acreditar nos meus olhos: estava a começar um episódio de Once and Again.

A série, fabulosa, tanto quanto sei passou primeiro na RTP 2 (where else?), só a vi lá por 2003 ou 2004 na SIC Mulher. E foi amor ao primeiro episódio. Aquilo era especial, aquilo era feito com uma fina e rara sensibilidade. Ao segundo episódio comecei a inquietar-me, fiquei atenta aos créditos finais, aquele padrão era-me familiar, as escolhas musicais eram inquietantemente minhas. E foi então que descobri que a série era assinada pelos mesmos autores de Thirtysomething. Agora a história era mais fortysomething, e era um murro em pleno estômago, estando eu no princípio dos quarenta, com os mesmos medos de novos envolvimentos e, em simultâneo, com a mesma capacidade de, inesperadamente, voltar a emocionar-me.

O título português, não sendo literal, é feliz: Começar de Novo. É disso que se trata, da nossa capacidade de nos reerguermos das derrotas e de todos os falhanços sentimentais, esperando-se que a maturidade nos tenha trazido mais sensatez e maior  discernimento. Coisas que, na prática, não acontecem: quando sentimentos estão em jogo, somos sempre marinheiros de primeira viagem e temos comportamentos imaturos, temos inseguranças, temos dúvidas, fazemos asneira.

Começar de Novo (Once and Again) anda há séculos no meu carrinho de compras da Amazon, a preços que espero sempre que baixem. Como dizia a minha adorada Susaninha, deixei-me enganar como uma estúpida. Devia ter comprado há mais tempo, neste momento só se encontra em vendedores particulares, e acima de cento e muitos dólares, muito provavelmente acrescidos de uma valente machadada da Alfândega. E a terceira e última temporada ainda nem sequer foi editada em DVD.

A banda sonora? Ah! Uma das músicas da minha vida, a integrar um dos discos da minha vida. Conseguem imaginar a minha emoção quando a encontrei num episódio de Once and Again, em que um daqueles professores que nos mudam a vida a põe a fazer parte de uma produção escolar de As You Like It?

6 comentários:

  1. Wishlist, não whishlist. E forty, não fourty. Sorry.

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  2. Maria,
    O primeiro caso foi gralha. O segundo foi mesmo erro! Muito, muito obrigada! Vou a correr corrigir e nunca mais esqueço.

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  3. Cara Teresa, acompanho-a há algum tempo mas desta vez senti-me tentada a comentar pela igual simpatia que nutro por "Once and Again", a prova de que a simplicidade pode ser genial!

    Um beijinho, Patrícia Mouro

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  4. Também eu segui a série quando passou na RTP2.
    Lembro-me de a ver sozinho no quarto, ainda antes de ir para o treino.(Eu acho que dava por volta das 20 horas...). Muito boa mesmo!

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