quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Entrada da semana, por Helena

Gosto muito da Helena e do seu 2 Dedos de Conversa, que conheci por acaso, graças a um comentário que ela deixou num outro blogue há largos meses. Tive curiosidade e fui espreitá-la. Fiquei imediatamente cativada, pus-me a ler para trás, coisa que faço sempre quando um blogue me atrai. Uma portuguesa casada com um alemão, dois encantadores filhos adolescentes, recém-instalada (à época) em Berlim, depois de ter vivido largos anos em Weimar, a nobre cidade da Constituição, ex-Alemanha de Leste.

Gosto da Helena pelo seu sólido bom senso, pelo seu discernimento, que a sensatez é uma das qualidades que mais valorizo. Gosto dela pela escrita límpida e muito pessoal, correctíssima e com a frescura de um riacho, coisa admirável na mulher tão culta que é, bem mais culta do que eu, que muitos dos que aqui vêm julgam cultíssima. Aí está, também gosto dela por admirá-la. Admiro a sua bagagem cultural e a maneira como a gere, fazendo dela uma coisa viva e quotidiana. Salivo com as entradas em que fala da vida em Berlim. Admiro-a por sabê-la uma católica fervorosa, bem melhor do que eu, que retira tempo ao seu tempo escasso para fazer retiros (há quantos anos não faço um!).

Ainda assim, não é pelas grandes qualidades da Helena que escolhi esta entrada dela para entrada da semana, lá vem o meu egoísmo. É porque ela me deixou a suspirar. A Helena, o Joachim (marido), a Christina e o Matthias (os filhos) fizeram este Verão uma grande viagem pelos imensos Estados Unidos. É o problema da vastidão daquele país, quando se vai para um lado abdica-se de ir para outro. Quando li, numa entrada com mais de uma semana, a referência dela a um voo para Salt Lake City (Utah), tive uma certeza maravilhada: «Ai, ela vai ao Arches!»

Arches National Park, um dos que mais sonho conhecer (quem sabe, no próximo ano?). Confirmou-se. Foi. Bebi-lhe as palavras, queria mergulhar nas imagens, estar lá. Ainda aqui contei muito pouco do tanto que vi na minha maravilhosa viagem às Montanhas Rochosas no ano passado. Basicamente, falei de Yellowstone e da estrada americana a perder de vista. Não contei (ainda) nada sobre os outros parques, Rocky Mountains, Glacier (o mais amado), Grand Teton; não falei da mágica Going to the Sun Road (tenho um filmezinho rústico dela, feito com o telemóvel, ao som de... (surprise!) I'll Follow the Sun, dos Beatles, da inesquecível Beartooth Highway, de Devils Tower ou do Garden of the Gods, uma espécie de miniatura do Arches, hei-de mandar-te os retratos, Helena, quando voltares desta nova viagem.

Oh, calem-me! E leiam o que a Helena conta. Eu senti-me quase lá, tão bem contado é. E digo quase por conhecer a sensação de estar nesses lugares únicos, tão difícil de explicar, passando por tantas coisas. Até pela Fé, como ela aponta subtilmente. Há lugares privilegiados em que nos sentimos próximos de Deus e nos maravilhamos com a Sua obra. Obrigada, Helena.

Arches

Entrar no Southwest por Arches não é o mais aconselhado. Melhor seria deixar esse parque e Bryce para o fim da viagem. Depois daqueles, que mais nos pode arrancar grandes "ah" e "oh" de espanto?

É difícil descrever a beleza destas paisagens. E é quase impossível escolher, das centenas de fotografias que fizemos, uma meia dúzia delas para mostrar.

Começo com "les bourgeois de Calais", nome inventado por nós para esta formação fascinante:



Segue-se a vista a partir da tenda, num dos mais belos parques de campismo que conheço. Paisagem magnífica, com imenso espaço entre as tendas dos diversos ocupantes. Mas infelizmente sem duches. Para nos lavarmos, enchíamos garrafões de cinco litros, e água vai. Às escuras, porque é um crime: felony.
(muito eu gostava de saber o nome deste crime em alemão ou português - começo a suspeitar que nestes países não existe...)
E desconfio que não foi o único crime que cometemos: à procura do sítio com mais sombra para montar a tenda, fartámo-nos de pisar terreno até aí virgem - ai a pegada ecológica!



Há inúmeras possibilidades de caminhadas naquele parque, e mais de 2.000 arcos naturais para ver. Como vem escrito no guia que nos dão à entrada, em dias de céu azul como os que lá passámos, é difícil imaginar que aquelas formações rochosas são o resultado de violentas forças (água e gelo, temperaturas extremas, movimentos subterrâneos) ao longo de muitos milhões de anos.
Sim, eu metia aqueles arcos todos nas gavetas "milagre" e "provas da existência divina", e ficava o assunto arrumado.
Um outro fenómeno difícil de explicar é haver tantos carros estacionados e vazios, e cruzarmo-nos com tão poucas pessoas nos trilhos.


Ficámos dia e meio neste parque, o que não chega para quase nada. Ainda assim, pudemos fazer uma caminhada inesquecível: ao fim da tarde, até ao Delicate Arch.
Não direi que foi fácil. O trilho consiste numa subida, por vezes bastante acentuada, de 2,5 km. Fazia quase 40º à sombra - mas não havia sombra.

O percurso passa ao lado de um rancho esquecido. Uma cabana minúscula, com um compartimento só, feita de troncos de árvore. Conta-se que foi construída pelo dono do rancho após a visita de uma filha sua, que ficou chocada com as condições em que ele vivia. Bem, se aquela cabana já era um melhoramento substancial em relação àquilo que existia...
Algumas semanas mais tarde, no museu de história americana em Washington DC, lembrámo-nos dessa cabana ao ler que Abraham Lincoln nascera e crescera numa log cabin.

O arco só aparece no fim da caminhada, por trás de uma formação rochosa. À nossa esquerda vê-se este conjunto de rochas monumentais (reparem nos vestígios de uma cascata enorme, do lado direito - este passeio deve ser muito recomendável na Primavera) e logo a seguir...

...logo a seguir, à nossa frente, o esplendor!


Escolhi esta fotografia por especial atenção a uma leitora deste blogue, que gosta muito de ter pessoas na paisagem para conseguir perceber as dimensões reais.
Nada mais fácil que fazer fotografias do Delicate Arch com pessoas lá perto - de facto, elas insistem em fotografar-se assim. Deve ser para aqueles típicos álbuns de férias "Olha eu feito formiguinha debaixo do Delicate Arch", "Olha eu feito formiguinha junto à Golden Gate Bridge", "Olha eu feito formiguinha ao lado do Big Ben".
Se bem entendi, é a isto que se chama o bug do milénio.
O problema é que estávamos sentados num grande anfiteatro natural ao lado de centenas de fotógrafos amadores e profissionais a tentar fazer a fotografia da vida deles, e basta uma pessoa decidir ir exibir-se para debaixo do arco para estragar o sonho de todos.
Naquele dia, enquanto o sol esteve tapado por nuvens, ninguém protestou demasiado. Mas quando chegou o momento mágico em que o sol, quase ao nível do horizonte, tingiu a paisagem de tons irreais, o pessoal desatou a gritar "buuuuuh! buuuuuh!" a uma formiga que para lá se dirigia. Confesso que tive pena do homem. Deve ter-se sentido assim mais ou menos como no Coliseu de Roma pouco antes de largarem os leões.
E então aconteceu isto:

Num dos momentos de sombra a Christina arriscou-se a fazer uma fotografia sob o arco. Contou-nos depois que é uma sensação incrível, e queria muito que nós fôssemos até lá para experimentar a força que se sente naquele local. Nós é que estávamos com medo dos "buuuh! buuuuuh!" do público em geral, e optámos por ficar sentados e quietos no nosso ponto de observação e encantamento.

A seguir, afoita, resolveu avançar cuidadosamente de gatas ao longo da parede rochosa bastante inclinada, porque queria fotografar o arco à contraluz.
No comments, que é como quem diz: eu não sei como é que os miúdos sobrevivem à própria adolescência, e os pais deles também. Confesso que me ia dando uma coisa má ao vê-la tão longe a fazer algo que me parecia perigosíssimo. E eu ali, a imaginar a minha filha a cair por um escorrega gigante, toda em susto os meus sais, ai! os meus sais! - nem sei o que isso é, mas consta que é o que se deve dizer nestas situações.

Tudo está bem quando acaba bem:


4 comentários:

  1. Teresa,
    ainda vou apanhar um torcicolo de tanto olhar à volta a ver se encontro por aqui a Helena descrita neste post... ;-)
    Muito obrigada por este chorrilho de exageros.
    Então aquele "bem mais culta que eu", há anos que não ouvia tamanho disparate! Eu sou apenas a prova irrefutável de que o google existe e tem um plano de salvação para mim. ;-)
    Quando voltar (não estou em retiro, estou a caminho da minha casa no Minho, que nem telefone tem), continuarei a tentar satisfazer os clientes com descrições do resto da viagem. E de Berlim, claro - uma cidade fascinante.

    Ao lado de Arches tem um outro parque que é realmente especial. Para mim, é melhor que o Grand Canyon, porque este é demasiado grande para conseguir "entender". Recomendo um pôr-do-sol no Dead Horse Point.
    Mas desta vez não fomos lá. O tempo não dava para tudo.
    E, mesmo assim, o amigo que me ajudou a planear esta viagem só se ria. Dizia que eu sou como aqueles que estão na Borgonha e dizem "agora vamos ver a sereiazinha na Dinamarca".

    Helena (a verdadeira, não essa inventada aí no princípio do post)

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  2. :)

    (pelo comentário acima)

    tb eu tropecei no 2 dedos de conversa há uns tempos, e... ficou nos favoritos.

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  3. Ainda estou a rir. Ainda bem que a Sem-se-ver comentou antes de eu ter tido tempo de te replicar, Helena.

    A modéstia fica-te bem e enquadra-se perfeitamente na ideia que tenho de ti. Mas, como dizia a Mafalda, "ninguém é bom Sherlock Holmes de si próprio". Tu lá terás as tuas ideias sobre ti, direito que te assiste. Nós (e já somos duas, vês?) temos as nossas, e também é um direito que nos assiste.
    Não altero uma palavra do que escrevi. É o que penso. E, como Kate Winslet disse com tanta graça e carinho a Meryl Streep este ano, ao ganhar o Oscar para o qual ambas estavam nomeadas: I’m sorry, but you have to just suck that up!

    A citação completa aqui:
    http://gotaderantanplan.blogspot.com/2009/02/duas-grandes-senhoras.html

    Embrulha, Helena. :)

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  4. Já acrescentei à minha lista dos "destinos futuros".

    (espreita esta delícia - não não te estou a tentar influenciar, é mesmo só para partilhar... http://bichanosdoporto.blogspot.com/2009/09/lucy-poco-de-meiguice.html

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