sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Le Temps Retrouvé

É o título do último volume daquela obra da minha eterna obsessão. Esta noite, em muitos momentos, senti-me um pouco como naquelas páginas finais de Proust, na recepção da princesa de Guermantes, em tempos longínquos apenas a Verdurin, muito brevemente, antes da grande escalada, duquesa de Duras.

Não estou a falar do jantar, que foi muito bom, com duas pessoas de quem muito gosto e de quem sou realmente amiga, mesmo com a pena de duas ausências que percebo, justificadas à última hora, quando já eram esperadas. Tenho pena, pronto.

Estou a falar do que se seguiu ao jantar. Vamos beber um copo ao Xafarix, decidiu-se. Conheço o Xafarix desde a inauguração, vai para mais de vinte anos, nunca consegui perceber que piada toda a gente achava e continua a achar àquilo. E note-se que acho o Cajó e o Luís Represas umas pessoas encantadoras. A culpa deve ser mesmo minha.

A noite em Lisboa deixou de ter graça. A noite em Lisboa, para mim, era o Stone's, quase sempre (porque tinha a música). Também foi (menos) o Bananas. Também foi (ainda menos) o Ad Lib e a Primorosa. Até chegou a ser, alargando o raio geográfico, o Rolls, o Club e o Van Gogo, em Cascais. Tudo isso morreu, passaram muitos anos, e eu já não tenho paciência.

Esta noite, no Xafarix, percebi que, realmente, estar ali não fazia qualquer sentido. Na sala de acústica insuportável, lá estava o Rodrigo d'Orey a assassinar músicas que me são muito queridas, e só me apetecia ir-lhe ao focinho. Olhava em volta e reconhecia muitas caras de antigamente, do tempo em que eu saía todas as noites. Marcadas, mais velhas, como a minha, que isto toca a todos. O Cajó nem me reconheceu e eu não fiz qualquer esforço para me fazer lembrada. Passaram muitos anos, e ele dá-se com centenas de pessoas, é o seu papel como dono daquilo.

Na mesa ao lado estava o Diogo. Grande festa, grande abraço, beija-mão às minhas amigas, não nos víamos havia uma eternidade. E foi justamente quando lembrei o Diogo de antes, amigo encantador, perfeito cavalheiro, grande dançarino, o Stone's parava para nos ver dançar juntos, que senti que estava nas páginas finais de Proust, Le Temps Retrouvé. Um baile de espectros. O Diogo até casou mais duas ou três vezes, e viveu umas quatro ou cinco relações de facto neste intervalo.

Não é só eu estar mais velha, se bem que deva pesar. A noite de Lisboa mudou mesmo. Nunca achei a menor graça ao Lux. Do Bairro Alto é melhor nem falarmos.

O que se perdeu foi aquela coisa de encontrar as pessoas, aquele frémito de excitação, aquele friozinho na barriga de querer muito que este ou aquele menino aparecessem, a expectativa de quando se abria a porta do Stone's e talvez no minuto seguinte víssemos a tal pessoa descer os degraus. Eu e o Nuno falávamos muito disso, era um sentimento comum. Mas o Nuno morreu, não tarda nada, faz dois anos. E acho que já mais ninguém percebe.

O Stone´s tinha duas músicas de fecho, seguidas; Adieu l'Ami, de Bécaud, e Stones, de Neil Diamond. Isto antes de o Manecas vir inventar, lá a meio dos anos 80, e juntar uma terceira, My Way, que não fazia parte da tradição (confesso que nunca gostei lá muito do Manecas). O que nunca me sairá da memória é o cheiro a petróleo dos candeeiros das mesas quando, altas horas da manhã, desligavam o ar condicionado. E a sopa ou o spaghetti bolognese oferecidos a meio da noite às quartas-feiras. E o querido Duarte, o meu empregado favorito, a circular pelas mesas com o seu silvo especial. E o Mário, que chamava fregueses ao clientes. E o Artur. E o Quim. E o Luís, a quem eu traduzi para inglês a magnífica carta de recomendação, quando emigrou para a Austrália. E a Manuela, no bengaleiro. E mais tarde o João, a Lia, o Miguel. Éramos uma família. Não esqueço que na noite dos meus anos aparecia sempre uma garrafa de champagne, oferta da casa. E bem sei que não eram os donos que pagavam.

Já nem falo de quem punha música. Esses continuam meus amigos até hoje. Aprendi muito com eles. Também lhes ensinei algumas coisas. Lembro-me de ter apresentado Tim Buckley ao Pedro Oom, quando lhe ofereci Goodbye and Hello. Ainda se lembra, querido Pedro?

Banda sonora: Gilbert Bécaud — Adieu l'Ami

P.S. Queridos Pedros (Oom e Fajardo), esta versão de Adieu l'Ami não é a que passava no Stone's, esta é mais rápida! Preciso da verdadeira, sabem como sou esquisita com estas coisas.

5 comentários:

  1. Adoro estes teus relatos, estas tuas lembranças sempre tão vivas :) Já dizem os Xutos: "O que foi não volta a ser, mesmo que muito se queira, e querer muito é poder"...

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  2. Se nem eu tenho pachorra para o Xafarix!


    Já percebi que foi uma noite doce. Antes assim.

    bj

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  3. Sabe? Há alturas em que penso que não nasci na época certa, outras alturas há em que me apercebo que, se calhar, sou apenas humanamente insatisfeita. Tenho gostos e necessidades que não vão de encontro aos costumes e hábitos actuais, mas também não me imagino a viver na censura e ignorância do Passado.

    Mas vamos ao que interessa, a noite de que fala neste post, aquela que não voltará e que a deixa tão nostálgica, interessa-me muito mais do que a que se vive hoje em dia.
    Embora eu prefira a noite ao dia, é raro sair à noite. Não há festa nem dança actual que me interesse, que me divirta.

    No entanto, lendo este post, tenho certeza de que me divertiria muito mais nessas noites que relembra com tanto orgulho e carinho.

    É por isso que adoro o seu "blóguio". Não descanso, enquanto não o ler todinho.


    Muito obrigada por partilhar algumas das suas memórias connosco :)


    Beijinhos

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  4. Sou mais um bisbilhoteiro...queria te pedir a ajuda para que me ajudes a um dia também ter 90 e tal mil visitas ao meu blog...

    Chama-se http://maildeumlouco.blogspot.com/

    e espero que lá vás pelo menos uma vez.

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  5. Não podia estar mais em concordância. Não sou nostálgica mas no que diz respeito à "Noite" tenho muitas saudades dos anos 80.

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