quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Gente Vulgar, ou a perda

Revi hoje, finalmente, o filme que foi a estreia de Robert Redford como realizador em 1980 e que ganhou quatro Oscars, quatro dos mais nobres: melhor realização, melhor filme, melhor argumento adaptado e melhor actor secundário.

Tinha-o visto uma única vez, quando estreou, Setembro ou talvez já Outubro de 1981, tinha eu 21 anos acabados de cumprir, e foi um coice poderoso no estômago. Vi-o com o M. no Berna, numa época que foi de grande felicidade na minha vida. Hoje, na véspera de só me faltar um ano para os 50 anos, em plena maturidade, atingiu-me ainda mais em cheio.

Atingiu-me tão em cheio que por várias vezes parei a imagem para pensar, para digerir, para ir buscar Proust à estante. A densidade do filme é tão grande que fiquei espantada quando vi a duração: 119 minutos. Pareceu-me coisa de horas e horas, tantas imagens me trouxe à memória.

Gente Vulgar conta a história de como pai, mãe e filho lidam com a morte do irmão mais velho, que morreu num acidente. O filho que sobrevive, Timothy Hutton (ganhou o Oscar), tenta lidar também, agravadamente, com a culpa, e percebemos algures que tentou suicidar-se a seguir. Com tal temática, fácil seria descarrilar para o melodrama e a lágrima fácil. Tal não acontece, a contenção (maravilhosamente desempenhada por Mary Tyler Moore, que chegamos a detestar) é admirável. Donald Sutherland, marido e pai (de caminho é o pai de Kiefer Sutherland, de 24) tem um dos papéis da sua vida. Além de ter, evidentemente, uma das vozes mais avassaladoras que conheço, só a de Jeremy Irons a bate.

Lembrei-me da Graça. Lembrei-me muito da Graça. Conheci a Graça no Inverno de 1992, quando entrei para um grupo de reflexão sobre a Bíblia, na Igreja de S. João de Deus. Cedo se criaram afinidades. Quase sempre, a seguir às reuniões, eu, a Graça e a Claudine (francesa radicada em Portugal havia muitos anos, e que me me emprestou Renan) acabávamos em frente, na Mexicana, a tomar um café e a prolongar a conversa.

A Graça teria então, mais coisa menos coisa, a idade que eu tenho agora. Tinha-se juntado àquele grupo para tentar aceitar aquela que, acho, só pode ser a maior dor desta vida: a perda de um filho.

O Filipe tinha 20 anos e era um miúdo lindo (claro que vi muitos retratos). O Filipe era um miúdo exemplar, andava no Técnico e tinha notas fantásticas. O Filipe nem sequer fumava, o Filipe nem sequer bebia, tirando talvez, aqui e ali, uma cerveja. O Filipe, evidentemente, menos ainda tinha contacto com drogas. O Filipe tinha muitos amigos e saía à noite, como é normal. Nem era de voltar muito tarde, mas a Graça (mãe é mãe) estava sempre alerta. Naquela noite de sexta-feira a Graça ouviu-o chegar, falaram um com o outro, ela do quarto, a querer ir arranjar-lhe um copo de leite morno, ele do corredor, a dizer que não, que não lhe apetecia nada, só queria dormir, e que no dia seguinte tinha combinado ir estudar com um colega, pediu-lhe para o acordar às dez horas.

Às dez horas da manhã, quando a Graça entrou no quarto para o acordar, o Filipe estava morto. O lindo miúdo de apenas 20 anos e de vida regrada tinha morrido sozinho de ataque cardíaco que nenhum médico soube explicar. Foi por isso que eu e a Graça nos conhecemos, ela tentava desesperadamente encontrar uma explicação divina para aquela tremenda injustiça. De caminho, contou-me que o seu casamento de vinte e tal anos estava a vacilar, foi então que eu soube que grande parte dos casamentos não sobrevive mais de um ano à perda de um filho (há estatísticas).

Tudo isso está em Gente Vulgar. De maneira diferente, claro, porque cada história é uma história. O marido da Graça era bem a personagem de Mary Tyler Moore, e a Graça culpava-o por isso.

De caminho percebi também hoje, na véspera dos meus 49 anos, que talvez o meu caminho tivesse sido mais suave se não tivesse a mania de resolver tudo sozinha. Poucos meses depois de ter visto o filme, um psiquiatra talvez tivesse podido ajudar-me muito. Cheguei lá. Mas não foi fácil, nada fácil. E pedir ajuda não é vergonha para ninguém, pois não?

A cena final de Gente Vulgar (Ordinary People).



4 comentários:

  1. Querida Teresa,

    não, pedir ajuda não é vergonha mas é difícil.
    quando se pede é pressuposto receber... e é tão difícil saber receber!
    pelo menos para pessoas como nós (atrevo-me a dizer isto), que gostamos muito de dar.

    vi este filme no cinema logo que estreou. fartei-me de chorar na cena final...

    48 for ever!!!

    beijo

    Kuska

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  2. Querida Kuska,
    Tocou num ponto muito importante: saber receber. Nem sempre é fácil, principalmente quando se está mais habituado a dar. Como nós, sim.
    Mas é dando que se recebe, não é?
    Tal como na oração de S. Francisco de Assis...

    48 forever? Está enganada! Nós temos 35! FOREVER! :)

    «Thirty-five is a very attractive age. London society is full of women of the very highest birth who have, of their own free choice, remained thirty-five for years. Lady Dumbleton is an instance in point. To my own knowledge she has been thirty-five ever since she arrived at the age of fourty, which was many years ago now.»

    Do meu adorado Oscar Wilde, em The Importance of Being Earnest, 1885

    Beijo!

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  3. 35 FOREVER!

    (musiquinha:Forever Young)

    Kuska
    xxx

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