terça-feira, 12 de maio de 2009

Ligações Perigosas: uma outra visão

Foi graças à Ana que conheci a Marie Tourvel e os seus fabulosos pocket classics, tendo então começado a ler o seu As Letras da Sopa. Não muito tempo depois, transpondo por uma ponte virtual o tanto mar a separar-nos, a Marie começou a colaborar regularmente no Porta do Vento, que a Ana tem vindo a transformar num grande salon, como os entendiam os séculos XVIII e XIX.

E o que são os pocket classics? São irreverentes resumos mesmo muito resumidos que a Marie faz dos grandes clássicos da Literatura, para permitir a um fictício bilionário, rico como Creso mas profundamente ignorante, alardear uns lustres de aparente cultura que lhe permitam fazer figura nos novos círculos em que se movimenta, sempre pelo braço da sua Sheyla Shirley, que imaginamos mais alta, curvilínea e fogosa, a gastar-lhe o dinheiro a rodo e a ter as suas discretas escapadelas.

Ora hoje, justamente hoje, a Marie, dona deste escancarado e radioso sorriso, faz anos (parabéns, Marie!). A aniversariante é ela, mas quem recebe o presente somos nós: mais um pocket classic. E que pocket classic! Logo Ligações Perigosas, de Choderlos de Laclos! Um dos livros da minha vida, muitas vezes relido. Tal como é um dos livros da vida da Ana. E da Marie, claro... ou acham que o nome dela pode ser fruto do acaso? E diz-me uma coisa, Marie... estou enganada ou este livro foi precisamente um dos desafios que te lancei há meses?

Sem mais delongas, no português saborosíssimo do Brasil, com uma graça só dela, aqui fica o seu resumo, que por certo beneficiará muito boa gente que também gosta de aparentar ter lido o que não leu (nem nunca teria paciência para ler). Para esses, será útil (muito) visitar o Porta do Vento, onde encontrarão os links tão esclarecedores que a Marie teve a bondade de deixar.

Demorou, bilionário, mas finalmente consegui mexer com as ligações perigosas. Não, não é nenhuma negociata ilícita com dinheiro público, embora as baixarias do século XVIII que acontecem neste livro de Pierre Choderlos de Laclos fossem feitas com dinheiro público, sim. Mas dos parisienses; portanto... O livro é escrito de forma epistolar. Os personagens trocavam cartas. Por elas não só se sabe sobre os eventos e acontecimentos, mas também sobre os sentimentos (sic) de Merteuil e Valmont. Calma que eu já explico quem são os bacanas. Bem, meu nome aparece no livro, se bem que ela era Marie de Tourvel. Fui batizada sem o “de”, muito provavelmente porque não sou “de” ninguém. Sou só Marie Tourvel, a tonta. Choderlos de Laclos era um tenente do exército francês e nas horas vagas, só nas horas vagas, resolveu escrever, bem no espírito do século XVIII, sobre cinismo, cafajestadas e similares das igrejinhas, clubinhos e confrarias do século , ora, ora, XVIII. E tome nabada na pobre e tola Marie. Resumão:

Marquesa malvada, cínica, vivaz e libertina se diverte vingando-se de quem não quer comê-la mais. Encontra em seu ex-amante, Valmont, um aliado de respeito. Um canalhinha, cafajeste, daqueles que sabem dar uma de direita bem dada. Valmont quer comer a marquesa mais uma vez, mas para isso precisa seduzir uma virgenzinha e comer uma mulher casada ultrarreligiosa, a tola, porém, instigante, Madame de Tourvel. Consegue tudo. Mas não contava com duas coisas: a Marquesa de Merteuil era uma tratante ciumenta – mulher comum, e Marie de Tourvel, uma gostosa pela qual se apaixona perdidamente. Cafajeste tem mais é que... bem, deixa eu ficar quieta. No fim, a pobre Marie morre, Valmont morre e Merteuil pega uma doença bem barra pesada que lhe arranca até um olho. Se os maldosos fossem castigados assim...

Me convida para essa rodinha, bilionário? Eu adoraria tomar um prosecco de qualidade boa e ao mesmo tempo ouvir as digressões dos cafajestes intelequituais. Quando tocarem no nome deste romance, não saia logo dizendo que viu o filme com a Michelle Pfeiffer, hein? Embora o filme de Stephen Frears seja uma obra prima, você sabe como é intelequitual, sempre prefere o livro. Não que geralmente livros não sejam melhores que filmes, mas, neste caso, Frears mandou muito bem. Na largada já tasque que esta narrativa de amor, duplicidade e arte de sedução, ainda hoje está bem presente na nossa imaginação coletiva. Se não entende, vai entender agora: pegue sua querida esposa Sheyla Shirley. Ela tem um clubinho ao qual pertence, não tem? Dá só uma analisadinha e vai entender o que eu quis dizer. Diga que ao mesmo tempo em que choca, delicia. Sim, é uma delícia assistir à crueldade da Marquesa. Diga que as tentativas constantes de Merteuil e Valmont de se ultrapassarem nas maldades têm conseqüências desastrosas como o ciúme, e isso mina os seus princípios defeituosos. O romance é escrito de forma epistolar perfeita. Porque do relato dos acontecimentos é que os dois protagonistas do romance retiram prazer – partilhado com o leitor. Você perceberá que os intelequituais defenderão veladamente as peripécias da marquesa e no fundo consideram Valmont um tonto que se apaixona pela infeliz Marie. Porque no fundo, bilionário, eles gostam mesmo é de igrejinhas, clubinhos e confrarias que destroem a alma das pessoas. Mas você também gosta, não é? Eu também gosto. Todos gostamos. Ora somos Merteuil, ora somos Marie. É da vida. Mas até que é gostoso assistir vez em quando Marquesas se morderem de ciúme, não é? No fundo são serezumanos, minhoquinhas que sentem como as Maries, só que com uma ponta de cinismo.


Embora meu destino seja ser Marie para sempre, tenho como objetivo experimentar o cinismo de Merteuil. Mas sempre com prudência, pois lembro bem de Bertrand Russell, que disse: “Cinismo é combinação de comodismo com impotência.” É, faz sentido...

(Se quiserem, dêem um pulinho lá nas minhas “Letras” daqui a pouco. Tenho surpresas e mais surpresas para os bilionários e os queridos comentaristas daqui.)

Segue um vídeo para ilustração, bilionário:



3 comentários:

  1. Delicioso, este mais ainda que os outros PC :)))

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  2. Este foi surripiado há pouco tempo de casa de meus pais (a capa está uma desgraça), mas ainda não o li. Pior, nunca vi o filme! É daqueles que apanho sempre a meio quando passa na televisão e acabo por nunca ver, exactamente por ir a meio.

    (os PC têm proporcionado grandes gargalhadas!)

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  3. Teresa, querida amiga, obrigada pelas palavras, e mais ainda, por sua gentileza. Meu sorriso bizarro faz sucesso, né? :))))
    Foi você quem me pediu há alguns meses que eu fizesse meu PC sobre este livro, sim. Eu fiquei amadurecendo a idéia, já que a história mexe demais comigo. Resolvi me presentear neste dia -meu aniversário, para exorcisar tudo isso. Consegui e acho que ficou satisfatório, não é? ;)

    Mais uma vez quero agradecê-la por tudo. E espero vivamente estar o quanto antes em Portugal para conhecê-la pessoalmente. :)

    Beijos, querida.

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