quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Como dar um comprimido a um gato: 15 passos simples

1. Pegue no gato e aninhe-o no seu braço esquerdo como se segurasse um bebé, tendo o comprimido na palma da mão esquerda. Coloque o indicador e o polegar da mão direita nos dois lados da boquinha do bichano e aplique uma suave pressão nas bochechas. Quando o felino abrir a boca, pegue rapidamente no comprimido da palma da mão esquerda e atire-o lá para dentro. Deixe o gato fechar a boca e engolir.

2. Recupere o comprimido do chão e o gato de trás do sofá. Aninhe o gato novamente no braço esquerdo e repita o processo.

3. Vá ao quarto buscar o gato e deite fora o comprimido meio desfeito.

4. Retire um novo comprimido da embalagem, aninhe o gato no seu braço, segurando firmemente as patas traseiras com a mão esquerda. Obrigue o gato a abrir a boca e empurre o comprimido com o indicador direito até o fundo da boca. Mantenha a boca do gato fechada e conte até dez.

5. Recolha o comprimido de dentro do aquário e o gato de cima do guarda-roupa. Chame um amigo para o ajudar.

6. Ajoelhe-se no chão, com o gato firmemente preso entre os joelhos. Segure as quatro patas. Ignore os rosnados ameaçadores. Peça ao seu amigo que lhe segure firmemente a cabeça e force a ponta de uma régua para dentro da boca do gato. Deixe rolar o comprimido pela régua e esfregue vigorosamente o pescoço do gato.

7. Retire o gato de cima do cortinado e volte a retirar outro comprimido da embalagem. Tome nota de que precisará de adquirir outra régua e de mandar arranjar o cortinado. Cuidadosamente, varra os cacos das estatuetas e dos vasos do meio da sala e guarde-os para colar mais tarde.

8. Enrole o gato numa toalha grande e peça ao seu amigo que se deite por cima dele, de forma a que apenas a cabeça do gato apareça por debaixo do seu braço. Instale o comprimido na ponta de um canudinho, obrigue o gato a abrir a boca e mantenha-a aberta, usando um lápis atravessado. Sopre o comprimido pelo canudinho para dentro da boca do gato.

9. Consulte o glossário para verificar se o comprimido do gato não lhe fará mal. Beba uma cerveja para tirar o gosto horrível da boca. Coloque um penso rápido no antebraço e remova as manchas de sangue da carpete com água fria e sabão.

10. Retire o gato da varanda da vizinha. Vá buscar outro comprimido. Abra outra cerveja. Coloque o gato dentro do armário e feche a porta de forma a que apenas a cabeça do gato fique de fora. Force a abertura da boca do gato com uma colher de sobremesa. Com muito jeito, utilize um elástico como fisga para lançar o comprimido pela garganta do gato.

11. Procure uma chave de fendas e ponha a porta do armário novamente no lugar. Beba a cerveja. Procure uma garrafa de vodca. Melhor, tequila. Tome um shot. Aplique uma compressa fria na bochecha e verifique a data da sua vacina contra o tétano. Aplique uma compressa de tequila na bochecha para desinfectar. Tome mais um shot. Deite fora a camisa e procure outra no quarto.

12. Ligue para os bombeiros, pedindo que venham retirar o desgraçado do gato de cima da árvore do outro lado da rua. Peça desculpa ao vizinho que se magoou a tentar desviar-se do gato em fuga. Retire o último comprimido da embalagem.

13. Amarre as patas da frente às patas de trás do danado e prenda-o firmemente à perna da mesa da sala de jantar. Use luvas de couro bem forte. Puxe a mangueira do quintal. Empurre o comprimido para dentro da boca do gato, seguido de um pedaço de peixe. Segurando firmemente a cabeça desse terror felino, mande-lhe meio litro de água pela goela abaixo, para que o comprimido desça.

14. Beba o que sobrou da garrafa de tequila até à ultima gota. Peça ao seu amigo que o leve ao hospital mais próximo. Aguente firmemente enquanto o médico lhe cose os dedos e o antebraço e retira os restos do comprimido de dentro do olho direito. Lembre-se: um homem não chora. A caminho de casa, use o telemóvel para falar com algumas lojas de mobilário para se informar do preço de uma nova mesa de jantar.

15. Peça à Sociedade Protectora dos Animais (telefone 213 423 851 para Lisboa) que mande um funcionário com urgência para recolher o raio do gato. Finalize o processo ligando para uma loja de animais perguntando se têm tarântulas para venda.

Há pelo menos uns oito ou nove anos que me enviaram este texto, que guardei com todo o amor na minha pasta caricatamente intitulada Indelitáveis. Depois sobreveio um vírus terrível que me apagou mais de metade dos ficheiros, além de ter pegado em todos os nomes da minha lista de endereços e ter desatado a enviar e-mails em que anexava ficheiros, aleatoriamente. Era o computador do trabalho, amigos começaram a avisar-me de que recebiam coisas estranhas como ordens de transferência para um banco, cartas a fornecedores, orçamentos, etc. Graças a Deus nunca seguiu nada verdadeiramente confidencial. Se isso acontecesse no Colosso seria o bom e o bonito!

Procurei este texto durante muito tempo. Ontem, graças a um comentário deixado no blogue da Nikky, que pedia sugestões para o nome a dar à beldade que agora vive com ela (vão lá e deixem as vossas), reencontrei-o. Fica o meu agradecimento ao Dry Martini, que espero mesmo que não se importe. Fiz alterações ínfimas, para o tornar mais fiel à memória que dele tenho.

A banda sonora? Podia pôr aqui o célebre e tão expressivo Duetto Buffo di Due Gatti, que encontrarão aqui. Em vez disso, optei por Una Voce Poco Fa, do meu adorado Barbeiro de Sevilha. Também é Rossini e... é cantado pela voz gloriosa de Teresa Berganza, uma Rosina absolutamente perfeita. Vejam lá se estas estrofes não são adequadas ao post... :)

«Io sono docile,
son rispettosa
sono obbediente,
dolce, amorosa
mi lascio reggere,
mi fo guidar.
Ma se mi toccano dov'e'
il mio debole
saro' una vipera
e cento trappole
prima di cedere faro' giocar
...»

Banda sonora: Teresa Berganza - Una Voce Poco Fa (Rossini, Il Barbiere di Siviglia, Abbado)
(click to listen)


Nota final: Messalina, infelizmente, há cinco anos que tem de tomar diariamente dois comprimidos e, em dias alternados, três. Messalina é insuficiente renal crónica, só um dos rins funciona. Messalina é um anjo. Fico sempre pelo primeiro passo da lista acima. Abro-lhe a boquinha e... assunto resolvido. Mas um dia ainda hei-de contar-vos as agruras que passei por causa do Lespedeza Capitata, no tempo em que só havia em xarope, que o meu amigo Artur me trazia de Paris. Muita roupa estragada, meus amigos. Mesmo muita roupa estragada... E pronto, admito, algumas escoriações, que ela odiava mesmo aquilo!




8 comentários:

  1. Não consigo parar de rir!

    Felizmente o único comprimido que era preciso dar ao Vasco era um desparasitante de vez em quando. E a Paizinha enchia-se de paciência, esmagava o dito numa tonelada de peixe cozido de propósito para o menino, misturava uma quantidade infinitesimal de comprimido no peixe, para ele não dar por isso (senão o resto não ia de maneira nenhuma) e passava uma hora a dar-lhe à boca... Um inferno!

    Os cães são muito mais civilizados nesse aspecto. O Batata basta dar-lhe bocadinhos de carne e se eu não tenho cuidado até me come o dedo. O Xuruca, com uma ordem num certo tom de voz, até come pedras, apesar de ficar de trombas e de se deitar de costas para mim. A Maria tem de ser à bruta, com o dedo pela goela.

    Enfim, um circo.

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  2. Já conhecia o texto embora com muuuuuitos palavrões... : ))
    (ilustra-se bem melhor com palavrões estas belas imagens, digo eu.... : ))

    Chorei a rir... : )))

    Seja como for repito o meu comentário da altura... e injectáveis... não???

    Um beijo grande, querida!!

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  3. A minha Miquelina, Micas para os amigos, porta-se bastante bem e normalmente a coisa não passa do passo #4.

    Agora também existem umas seringas que disparam o comprimido para a goela. Não faço ideia se são eficientes.

    Ervi, também veterinário

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  4. O Diniz, convenhamos, que mete tudo à boca, não deve ser muito complicado - espero!

    Quanto à Teresina - como a Callas lhe chamava, desde que cantaram juntas a mítica Medea de Dallas, é muito boa.

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  5. Desmontei-me a rir!!! E revi a cena de quando é preciso enfiar um comprimidito na boquita do Petit. Ele ainda é bebé mas já teve uns problemitas em que foi preciso. Agora a Julieta, uma gata boa que tive e durou 17 anos era um mimo, até para tomar os ditos ela abria a boca e engolia.

    Saudações Felinas

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  6. :D
    Acho que foi por isto que inventaram umas injecções que evitam alguns comprimidos durante uma semana. Pena que não haja para tudo...

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  7. Importar-me? Ora essa, foi um prazer. Apesar de o texto ter também algumas alerações relativamente ao original e ser definitivamente mais dificil dar comprimidos à Tarântula :)

    XinXin

    PS: Vou dar umas espeitadelas por aqui mas ainda não sei se hei-de esperar ser arranhado ou não arranhadao :)

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