quinta-feira, 10 de julho de 2008

Da estupidez humana - I

Os geysers de Yellowstowne:



Eles chamam-lhe eufemisticamente ignorância, eu acho que é muito pior do que isso. A ignorância pode ter atenuantes, pode ser frequentemente compreensível e até desculpável. A estupidez não. E a estupidez obtusa, obstinada, que ignora alarvemente todos os avisos, é temível. E mortífera.

Yellowstone é um lugar único. Não sei se saberão, confesso que eu desconhecia por completo: dois terços dos geysers existentes no mundo encontram-se lá, repartindo-se o terço restante basicamente entre a Islândia, a Nova Zelândia e a Sibéria. Passámos lá quatro dias, como julgo já ter dito. A certo momento, íamos nós numa interminável caminhada pela bacia do Old Faithful, e antes de eu ter assistido pela primeira primeira vez à sua gloriosa e leal erupção, o Vítor comentou que, em termos de Geologia, achava que Yellowstone era tão único como Nova Iorque é em termos de Arquitectura. Uma grande verdade. Mas o boçal insiste em destruir o mais que puder. Há avisos por todo o lado: não atirar NADA lá para dentro. Mas os anormais continuam a atirar moedas, como se aquilo fosse a Fontana di Trevi, latas de bebidas, paus, pedras e até troncos... só para ver o que acontece.

O que acontece? Reparem na placa acima, por mim fotografada, e que está junto do moribundo Minute Geyser da Norris Geyser Basin de Yelowstone.

Vejam agora como o geyser era nos anos 20 do século passado, no qual todos nascemos (fotografia tirada daqui). As erupções sucediam-se, maravilhosas, a cada sessenta segundos. À época ficava à beira da estrada principal do parque, era facilmente acessível aos preguiçosos, que agora terão de fazer uma caminhada de hora e meia para lá chegar.
O texto da placa: «Minute Geyser's eruptions have changed dramatically. Its larger west vent is clogged with rocks tossed in by early visitors when the park's main road was near this trail and passed within 70 feet of the geyser. Minute once erupted every 60 seconds, sometimes to heights of 40 to 50 feet (12 to 15 meters).Eruptions now are irregular and originate from its smaller east vent. Removal of the west vent's mineral-cemented rocks would require the use of heavy equipment resulting in severe damage.
Thermal features are not trash cans or wishing wells — they are amongt earth's rarest geological treasures. Please do you part to protect them and report any vandalism to a park ranger.»
Já só pude vê-lo como na fotografia da direita, uma coisinha timidamente fumegante, com erráticas e muito raras erupções. Os vossos filhos e os vossos netos já nem isto poderão ver. É uma amostra eloquente das inexoráxeis consequências do que temos vindo a fazer a este planeta, do que muitos continuam a fazer.

Alguma vez ouviram falar na Morning Glory Pool? Foi até há poucos anos uma das grandes atracções de Yellowstone, logo a seguir ao Old Faithful e aos ursos, de mãos dadas com as Mammoth Hot Springs e o canyon. O Vítor ainda a conheceu em todo o seu esplendor, lá por 1987. Há dois anos voltou e ficou desolado com o que viu — mesmo sendo daltónico. A intensidade daqueles azuis, a cristalina e mágica porta para um mundo misterioso e antigo são agora coisas perdidas para todo o sempre.

Foi assim que a vimos, como na fotografia abaixo. Não mais, nunca mais, os deslumbrantes azuis, reduzidos a tons esverdeados que em breve serão castanhos.

No início do percurso da Norris Geyser Baisin (só a primeira parte, que o Minute Geyser fica num percurso diferente e mais longo), metemos conversa com uma guarda do parque — ranger — que vinha atrás de nós pela passadeira e desatou aos gritos com um anormal que, a uma boa distância, estava a tentar experimentar a temperatura da água borbulhante de um geyser com a mão, aplicadamente estendido nas tábuas da passadeira e a tentar chegar lá!!! É que até podia ficar sem a mão, o cretino!

A ranger vinha de saco de plástico em punho e com um coiso parecido com um aguilhão, com que ia metodicamente recolhendo lixo. Foi o pretexto para eu, sempre tagarela, a abordar. Como era possível que, no ano da graça de Deus nosso Senhor de 2008, ainda houvesse necessidade daquilo? Da conversa de escassos minutos pudemos confirmar, uma vez mais, que não há limites para a estupidez humana. Poucas horas antes, uma criança de dois anos e pouco tinha sido atacada por um bisonte. Porquê? Porque os imbecis dos pais tinham querido fazer uma fotografia gira do seu rebento com a fera, para depois mostrarem aos amigalhaços lá do Wisconsin, ou do Nebraska, ou donde fosse! A pobre criança tinha sido levada de helicóptero para o hospital, ela não sabia mais nada.

A segunda parte desta tristeza sem fim fica para depois, quando eu voltar...

4 comentários:

  1. E ainda existem os que pensam que os manuais são apenas folhetinhos ilustrados que acompanham o que compramos pra irem direto ao lixo... Ou que contra-indicações, na bula dos remédios, são apenas listas do que nunca acontece ao serem ingeridos.... poissss...

    ResponderEliminar
  2. E o mais grave na estupidez é que raramente tem remédio...
    Incríveis as fotos de comparação entre o 'antes' e o 'depois'. Triste, também. Muito triste.

    ResponderEliminar
  3. Que é estupidez deitar lixo ou algo diferente para o interior de um geyser é. Mas as variações no comportamento dos geyser não podem ser explicadas como efeito desse comportamento, deve ser outra e só a integração do conhecimento do sistema do campo geotérmico poderá levar à compreensão dos casos referidos em concreto. Obstrução por pedras ou lixo apenas poderia atrasar ligeiramente a emissão do jacto e aumentar a sua força... imagine a panela entupida... mais cedo ou tarde rebenta e muito mais catastroficamente.

    ResponderEliminar
  4. Da estupidez humana não vou falar, privo com ela todos os dias, nos transportes, na rua, no emprego (esta última parte escrita baixinho).

    Quanto à última foto, ainda me recordo de em tempos ter recebido um powerpoint com algo do género, e ter-me custado a acreditar que seria verdadeiro.

    Beijocas!

    ResponderEliminar