Cenas de filmes da minha vida #18: A Educação de Rita
Tudo neste filme me faz vibrar, a começar na deliciosa ambiguidade do título original: Educating Rita. A tradução portuguesa está correcta (os espanhóis chamaram-lhe, também correctamente, Educando a Rita). Mas pode ser qualquer coisa diferente: Rita, a Educadora...
Acredito que quem viu este filme de 1983, realizado por Lewis Gilbert, nunca o esqueceu, tanto nos envolve. A mim fez-me (faz-me) rir, sorrir, comove-me, deixa-me à beira das lágrimas ou em choro declarado, consoante a minha vulnerabilidade no momento — a cena da tentativa de suicídio da amiga de Rita...
Três nomeações para os Oscars: Julie Walters (que já tinha criado a personagem em palco, em 1980), Michael Caine e Willy Russel, autor da peça, que assinou também o guião. Nenhum deles levou a estatueta, é certo. Adoraria ver a peça: apenas dois actores, no gabinete de Frank na Universidade.
Frank é professor de Literatura na Universidade de Londres — a beirar o alcoólico, uma vida medíocre, a mulher trai-o pouco discretamente com um colega da Universidade. Susan — Rita, o nome que escolhe para a nova pessoa que quer ser — é uma cabeleireira do East End com um inglês atroz, pronúncia cockney cerrada, que aproveita uma iniciativa chamada Universidade Aberta para se educar. Rita tem 26 anos. Talvez nem seja verdadeiramente ambiciosa, talvez não saiba exactamente o que a motiva, talvez não saiba exactamente o que quer, mas sabe o que não quer, pelo menos por enquanto. Filhos, por exemplo, e o marido a pressioná-la, e ela a tomar a pílula às escondidas...
Podia ser apenas mais uma versão do Pigmaleão de Shaw. Nada disso. É um filme inesquecível, repito. Um dos filmes da minha vida. A cena que aqui fica (e estive mais de vinte anos sem a rever) nunca me saiu da cabeça, por causa do extraordinário e sucinto «Do it on the radio».
Um conselho: saltem o texto e vejam directamente a cena.
Frank: Yes, well, now... In reply to the question, "Suggest how you would resolve the staging difficulties inherent in a production of Ibsen's Peer Gynt"... You have written, quote, "Do it on the radio. "
Unquote.
Unquote.
Rita: Yeah.
Frank: Well?
Rita: Well what?
Frank: Well, I know it's probably quite naive of me, but I did think you might let me have a considered essay.
Rita: Yeah, well, that's all I could do in the time. We've been dead busy in the shop.
Frank: You write your essays at work?
Rita: Yes. Denny doesn't like me doing this. He gets narked if I work at home and I can't be bothered arguing with him.
Frank: Rita, you can't go on producing work as thin as this, not if you want to pass an exam.
Rita: I thought that was the right answer. I sort of encapsulated all me ideas into one line.
Frank: It's the basis for an argument but a single line is not an essay. You know that as well as I do.
[Frank estende-lhe a folha, aquilo não serve; Rita senta-se à mesa, desata a escrever furiosamente, instantes depois levanta-se e entrega-lhe a sua produção]
Frank: What?
Rita: I've done it.
Frank: You've done what?
Rita: Me essay.
[um resignado Frank começa a ler em voz alta]
Frank: «In attempting to resolve the staging difficulties in a production of Peer Gynt I would present it on the radio because, as Ibsen says, he wrote it as a play for voices, never intending it to go on in a theatre. If they had had the radio in his day, that is where he would have done it.»
Brilhante. Simplesmente brilhante.
Banda sonora: Boccherini, Minuete do Quinteto de Cordas Op. 13
Banda sonora N.º 2 e oficial: Grieg - Peer Gynt Suite N.º 1 - Morning Mood
Karajan, Filarmónica de Berlim
Adenda: a Ana, minha old soul, chamou-me (e que bem!) a atenção para o facto de a música mais adequada a este post ser, inquestionavelmente, o Peer Gynt de Grieg. A minha cabeça deve andar realmente feita num oito, porque nem me tinha lembrado de tal! Uma vez na vida, tive sorte, que a esta hora já sabem que eu sou uma espécie de exemplo vivo e acabado da Lei de Murphy: encontrei no Limewire a minha versão! Karajan com a Filarmónica de Berlim. Tinha saudades desta música.
Grande filme! E às vezes deviam ser as Ritas a educar os Franks.
ResponderEliminarMas pensei que ias pôr o Peer Gynt (do Grieg) como música de fundo! Não gostas? É tão bonito! Para quem não conhece, aqui fica uma amostra florida, mesmo boa para esta gloriosa manhã de domingo: http://www.youtube.com/watch?v=GUKRBeG-sGQ&feature=related
Beijinhos
Querida Ana,
ResponderEliminarNão só conheço... como adoro! E queres saber o mais estúpido? É que nem me lembrei!!! Grande, maravilhosa ideia! Obrigada! Só que não o tenho comigo por enquanto. Vou tentar apanhá-lo (uma versão decente, o que só se sabe depois de ouvir) no limewire. Se aqui voltares e a música tiver mudado... já sabes, fico a dever-te esta :)
♥
Foi no âmbito da cadeira de Língua Inglesa II que me foi dado a conhecer este filme.
ResponderEliminarSó vi bocadinhos, porque lembro-me que o excelentíssimo Kenneth Parr, meu professor, era da opinião que devemos apenas aguçar a curiosidade nos alunos.
Agora, convenceste-me.
beijo
Maria,
ResponderEliminarEu mando-to pelo correio, espera uns dias :)
Beijo.
Teresinha, be my guest.
ResponderEliminarVoltei, sim, mas para dizer que me enganei no dia da semana: a manhã é de Sábado, não de Domingo...
Isto é o futebol, é o que é!
beijinhos