quarta-feira, 6 de setembro de 2006

Editorial

Foi-nos pedido que escrevêssemos umas breves linhas à laia de inauguração deste espaço. Nós chamamos-lhe cantinho. Complacentes, concordámos — mesmo tendo de interromper, bastante contrariadas, a releitura do Sermão da Sexagésima, do Rev.º Padre António Vieira, ainda e sempre a nossa referência maior no que ao bem escrever português concerne.

Discordamos disto. We are not amused. Este cantinho recebeu um nome deveras infeliz. A escriba que o desenvolve melhor fizera se tivesse levado em conta os nossos sentimentos de profunda antipatia pelos bichos que esse dito Ran Tan Plan representa. Detestamos esses bichos —  se bem que admitamos à nossa presença nossa ilustre prima Cucci, moçoila algo leviana de pureza dinástica discutível —  muito discutível; aceitamo-la como se aceitam os parentes de quem se gosta moderadamente mas que há que defender. Na nossa família chamamos a isso esprit de corps. Mas nossa prima não é por ora para aqui chamada.
Reprovamos este cantinho. Encaramos com desconfiança as coisas que nele poderão vir a lume. Concedemos-lhe uma autorização relutante, já na firme disposição de o submeter permanentemente a severo escrutínio.
Mas foi-nos pedido. Dissemos. Faça-se.
Messalina Valéria

7 comentários:

  1. O gato de Rin Tin Tin

    De acordo com o que incontivelmente impõe a mais elementar sanidade no órgão do critério, apresso-me a ripostar em ordem ao dislate faraónico que se arvora em édito de um lugar pouco mais que comum, acrescendo-lhe por desgraça o ser virtualmente situado.
    Domínio do mais chapado não-ser (como eleata e bastamente o demonstraria o velho e lúcido Parménides), esta triste coutada é mais uma daquelas não-coisas a que, cada vez mais, mais são os que costumeiramente insistem em denominar – vá-se lá saber por que desarrazoado motivo – pelo ridículo nominativo de blog, como quem não soubesse melhor falar (se falar, porventura, isto se chame) de outro modo que não seja onomatopaicamente, como se de fala de bicho se tratara.
    O risível, entretanto, topa-o desde logo, à milha, até o mais desavisado e míope dos humanos maciços encefálicos. Pelo abstruso, aliás, do nome sob que vai rubricado tal desnecessário ciberartefacto, fica-se com a inteira e segura certeza de que o malíssimo gosto irá quase por certamente grassar, à rédea descontrolada, por estas virtuais paragens.
    Chamar “gota de ran tan plan”ao que quer que seja é metáfora (será?) que deixa margem nenhuma para a bonomia da simples sensatez: nem o Góngora, e era o Góngora, em sua impavidez de ascético Argote – que de belo apenas teve a graça das palavras tão penadas com que nos deserdou do entendimento de seu labor escriba ("aun a pesar de las tenieblas, bella;/aun a pesar de las estrellas, clara") – ousou talíssima ridicularia em seus gerigotos modos castelhanos de beldizer.
    Nisso, ao menos, concordamos com a editorialista (ninguém, nem mesmo ela, entende por que convidada foi a tal obrigado denodo) que dá pelo mais chocalhante nome de que me ocorre memória: os pais de tal senhora Messalina Valéria bem deviam, e quanto antes, ser exemplarmente postos a ferros em calabouço, e de masmorra, como melhor convém a inúteis mentecaptos do gosto.
    Quanto ao mais, chamar cantinho a um de si bem evidente polígono rectângulo denota igual maleita que o impagável Mr. Magoo, que temos aliás por nosso justo par no reino da desprezada e tão incompreendida arte de manter o mais involuntário discernimento em meio às mais adversas condicionantes.
    Salvou, alfim, a honra do conventículo a menção preciosa ao grande Vieira da celebrada sexagésima prática. Mais valera, porende, que quem tão temerariamente ousou interrupção no ler o padre e pai da língua, se não tivesse permitido tal sacrilégio. Está assim irremediavelmente feito o pior.
    Pior? Só o pior ainda! E esta criatura (espantosa, convenha-se em fazer-lhe tal justiça) logrou essa enorme façanha. Qual seja? Dar seu beneplácito, vendido embora, a tal desnecessidade de existir, se bem que hipocritamente deixe cair escrita a discordância, para que o incauto entenda o contrário de seu verdadeiro viso.
    Quanto à senhora, Teresa de seu nome, não há palavras… Permitir-se esta ociosa inutilidade é tão inversamente fútil, no delongar de néscio, quanto um discurso do sublime Demóstenes lido às avessas.
    Quedar-se-á em breve no óbvio, iludir-se-á na partilha canhestra do incomum, perdendo-se por fim no incerto quanto aos adequados peso e medida de tudo que se pretenda vãmente do bom e do belo, na raiz do verdadeiro. Mas isto, é consabido, … só o divino Platão, e foi sem segundo.
    No fim, fica-nos uma entranhada estranheza: dir-se-ia conversa para gato…!?

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  2. Obrigada, Novo do Restelo (adorei o nome), se bem que a sua sova me tenha deixado um bocadinho desconsolada. Nunca tinha sido tão literariamente espancada!
    Mas se me permite, tenciono continuar com esta "ociosa inutilidade". Mal não faz, não é?

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  3. Pois eu delirei com este novo espaço! Há muito que te pedia para criares um, onde pudessemos ler as tuas opiniões sobre música, cinema, literatura - de tudo um pouco - bem como os erros cómicos que vais encontrando nas traduções :)) A Messalina e a Agripina vão acabar por se render a este novo cantinho, tenho a certeza! Fico à espera que lhe dês continuidade de forma assídua. Quem ganha somos nós, os que te lêem. Um beijo enorme e muitas festinhas para as outras meninas aí de casa :)

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  4. Obrigada, Carlinha querida, pelas tuas palavras de encorajamento.
    Que tenhas uma semana muito feliz, devolvida ao trabalho, embalada em música, de que continuarei a abastecer-te com regularidade.
    Um beijo muito grande.

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  5. Recebi de Donis de Frol Guilhade, como sempre como se pedisse licença para existir, a peça que aqui cito, sem delongas e sem outro comentário que não um mais que adequado silêncio setembrino. Perante tais mudas palavras joaninas, escritas por certo a fogo, que não a ferro, em uma outra não menos tremente ínsula de Patmos, são elas como brasas que lembram, que choram, que amam, que saram, que perdoam... Audiens audens!

    “O que limita o verdadeiro é, não o falso, mas o insignificante”
    (René Thom, in «Prédire n’est pas expliquer»)




    Memorial pela execranda matança de 2.829 inocentes, nas torres gémeas de Baal, nova Babel em Iorque, no ameríndio reino de um Herodes em quase tudo quejando dum outro de vil antanho


    vi subir do nascente obsessiva uma voz
    de causar cadavéricos, vi-a surgir
    numerosa, que ninguém podia

    envolto em adamante, vigoroso íris
    o rosto tinha como fogo
    o sol aberto na planta da mão

    pela aparência para a guerra
    eram cavalos que pareciam cabeças
    plúmbeas como rostos aparelhados

    tinham o ventre como as mulheres
    eram couraças como leões
    e o ruído como combate de asas

    vi seis os cantos da terra
    a deterem os ventos sobre a maresia
    nefasta ou qualquer ânimo pútrido

    misturou-se sangue com granizo
    e estrela em novação formou-se: ardeu
    a devida parte e toda a daninha

    repente negro como um saco
    alma inteira como sangue
    e as estrelas por terra quais frutos à caída

    do céu a arder caem nós das nascentes
    arcaicas (em chama a parte das águas)
    ao absinto doutros amaros

    sobre a terra a chave
    do abismo abriu o poço das almas e dele
    subiam fumos como grande

    hão-de procurar sem que possam
    encontrá-la, mas a morte
    vai fugir-lhes sem que procurem

    quando o silêncio se esvaiu
    houve presenças na manhã
    por metade da hora

    cor de fogo, poder
    de banir uns e levar
    aos outros a mais enorme espada

    desde a mão a fumegar subiu
    o santo (d'aromas) e encheu em brasas
    que lançou aos trovões e um abalo

    tranquilo cada um até completar-se
    o número dos seus
    que estão para ser saudados

    morto heis-me vivente
    nas chaves de vencida --
    escreve o que tiveres e os sucessos depois deles

    quanto ao mystério que viste (O não)
    e aos de luz: são anjos
    lampadários são


    Colagem (soluçada em lágrimas de surdos gritos) com extractos de “Diadema”, 1991

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  6. Senhora, Teresa de seu nome (veremos se, com o acelerado do tempo, não deslustrará de tão enormes outras do mesmíssimo nome...), se bem que me seja perto de totalmente indiferente o seu gostar ou desgostar do que quer que seja, o certo e sabido é que remédio não haveria para, por esta altura, mudar o nome com que melhor houveram por benquistar-me os honrados progenitores para que o divino discernimento me quis prole.
    O desconsolo de vossa senhoria terá, por certo e seguro, origem numa qualquer assaz limitante necessidade de alguma outra consolação, o que apenas tem que resignadamente respeitar-se. Ninguém nasce para consolo de ninguém.
    Quanto ao vergastar de que acusou sentido efeito, imperativo se impunha ele na circunstância, e bem adequadamente o designou de espancamento, já que tão-só o hábito, que me manda o bom costume, me inibiu de exprimi-lo desassombradamente como tal.
    Quanto ao mais, pois continuará por sua vontade com o intento de manter obstinação na ociosa inutilidade. Ter-me-á então (en garde!) sempre por perto da ilharga.
    Quanto ao mal não fazer, se nenhum bem fizer, continuamos bem mal, pois continuamos na mesma.
    E por aqui me fico, posto estar viva ainda a carne em sangue da vergasta.

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  7. as colunas num desapareceram... estão é bem em baixo da página :S

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