quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce...

Pouco importa que o verso magnífico seja de Fernando Pessoa, português que «sabia inglês perfeitamente» mas que, fora de Portugal, só conheceu a África do Sul. O verso é universal. Fernando Pessoa está ao lado das maiores figuras da Humanidade. E não me parece que haja aqui parcialidade minha.

I Have a Dream. O mítico discurso foi a 28 de Agosto de 1963, eu tinha feito três anos no dia anterior. Menos de cinco anos depois, a 4 de Abril, dia de anos do meu Pai, Martin Luther King seria assassinado. O meu Pai, que por acaso até era um homem de direita, estaria hoje feliz, porque era um homem justo. E porque tinha enorme admiração por Marthin Luther King. O meu Pai foi acordar-me, na madrugada de 20 de Julho de 1969, tinha eu oito anos, para que eu visse com os meus próprios olhos os navegantes dos tempos modernos, continuadores dos nossos, os tais que deram novos mundos ao mundo, pisarem pela primeira vez a Lua. O mais engraçado é que, mesmo tão pequena, tive noção da importância daquilo. Obrigada, Pai, por me ter feito assistir à História a acontecer em directo! Obrigada, Pai, por me ter legado esse condão para lidar com os bichos, é coisa nossa. Nem sempre nos demos bem, mas tivemos isso em comum, foi a minha melhor herança: os bichos e os livros. Os nossos amores maiores. Pai, tenho saudades de ver, fascinada, como escravizava em amor cada cão, cada gato, cada criança, com um mero estalar de dedos. O Pai era o meu flautista de Hamelin. O meu Pai morreu há oito anos e eu sinto-me lesada, que isto ainda não está bem resolvido entre nós dois. O melhor que há em mim, o amor pela música, pelos bichos, pelos livros... vinha dele. E agora fico sem ter a quem atribuir as culpas por essas coisas todas.

Aposto o que quiserem, nenhum de vós teve um Pai como o meu! Deixou-me ler livros proibidos antes de tempo, por confiar no meu discernimento. Questionou o meu orgulho, reduziu-me à humildade, e agradeço-lhe.

Sinto-me privilegiada por ter sido sua filha. Pai.... o melhor que há em mim vem direitinho de si. A obsessão pelos livros e pela música. Aquele dom com os bichos, aquele estalar de dedos... Pai, obrigada, parece-me que herdei isso. Os genes não mentem, e eu sou e serei sempre a sua Teresinha, a sua primogénita. Pai... faz-me falta!

Pai, hoje um preto é o novo presidente dos Estados Unidos e o homem mais poderoso do mundo. É uma coisa linda, não é? Aos poucos o mundo começa a ser como o Pai me prometeu que um dia o mundo seria. Pai, eu lembro-me de tudo. Das tantas vezes em que me desapontou, que ninguém é perfeito. Das tantas vezes em que o desapontei, só porque queria sempre que eu fosse a melhor, que fosse perfeita... eu — a sua Teresinha. Nenhum de nós fez por mal, eram só os nossos tempos e as nossas individualidades diferentes. Pai, se eu pudesse, quantas coisas lhe diria agora!

Pai, passaram 45 anos. O sonho de Martin Luther King está a começar a realizar-se (ele tinha um sonho, o Pai mostrou-mo). Este é o meu lado da barrricada. O lado que aprendi consigo. Obrigada, Pai!

Tive uma longa disputa quanto à música a pôr aqui hoje, nesta data histórica. Com o Vítor, claro. A minha intenção inicial era pôr aqui a Ode à Alegria da 9.ª de Beethoven, esse enorme hino à fraternidade universal. À última hora o Vítor, meu irmão (lembra-se dele, Pai, não lembra?), veio com outra grande música: Let the River Run, de Carly Simon. Bati o pé, a música já estava escolhida pelo meu coração de mula teimosa: Imagine, de John Lennon. Também ele, Pai, gostaria de ter visto o alvorecer deste dia. Red and Black (dos Miseráveis)...

Pai... nunca vamos esquecer este dia, pois não?


Pai, a História vinga os seus. Ele teve um sonho. Que pena que não tenha podido viver para o ver realizado!



Pai, hoje é um grande dia e eu gostaria de o ter aqui a vivê-lo comigo. Mas está, não está?

10 comentários:

  1. 1 grande beijo. E o meu Pai era o mesmo género do teu. Mais outro grande beijo.

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  2. Está.
    Magnífico post, magnífico título e quanto à música, já te digo alguma coisa...
    beijo

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  3. Teresa, fiz um post há algum tempo em que dizia mais ou menos isto: tenho pena que Luther King não veja ganhar Obama (era só uma previsão minha, claro), mas consola-me saber que há alguém que também vai ficar muito feliz por assistir a esse momento histórico: Nelson Mandela.

    Bom texto, como sempre.
    Beijos

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  4. Estará com certeza...
    Quanto a Obama, hip hip, hurra!

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  5. Meu comentário sobre o teu post já deves ter "ouvido" : não podia ter me emocionado mais.

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  6. Um beijo, Teresa. É uma homenagem maravilhosa ao teu Pai. E sim, estão sempre presentes, imateriais e eternos. O meu Pai também me acompanha todos os dias, embora me tenha sido roubado há 26 anos.

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  7. Teresa,
    A minha miopia deve estar a piorar.
    Parece-me que o (futuro) Presidente Barrac'Abana só é «preto» nos EUA.
    Assim como eu (e a maioria de nós) pelo facto de ter UM 15.º avô cristão-novo seria imediatamente catalogado de «judeu» naquele enorme e preconceituoso País.
    Isto se não se enganassem na catalogação e em vez de nos chamarem de «caucasianos» nos pusessem na prateleira dos «latinos», juntamente com os porto-riquanhos, mexicanhos, guatemaltanhos, argentanhos e brasilanhos. :-)
    Luis Kristão-Welho
    Lisboa-Portugal

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  8. Luís,
    Tantos meses depois, tropecei agora neste seu comentário.
    Isto está abaixo, muito abaixo do Luís que eu conheço e prezo.
    Vou fazer de conta que não li o que escreveu, foi certamente um momento de desvario.

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