sábado, 30 de abril de 2011
Quando ligo o computador aparece-me automaticamente a janela do Messenger. Em que estou deliberadamente sempre desligada e que só ligo por combinação para falar com duas ou três pessoas. Isto é fruto de trauma antigo, do assédio implacável e insuportável de uma pessoa que, mal me via ligada, me saltava à jugular e já não me saía de cima, por mais "tenho sopa ao lume", tenho um tabuleiro no forno" ou "tenho de ir dormir" que eu inventasse. Ganhei um ódio figadal ao mero som de nova mensagem a entrar.
Paralelamente, surge-me sempre uma janela a informar-me de coisas que me interessam muito pouco, normalmente relacionadas com ídolos da música pop ou com tricas parvas, que me apresso a fechar. Hoje tinha isto:
Descubrir? DESCUBRIR?!
quinta-feira, 28 de abril de 2011
Desafio literário
Graças a Deus, longe vão os tempos em que na blogosfera pululavam os desafios mais parvos, que me lembre só aceitei dois ou três. Também houve a moda dos prémios (cada um mais imbecil do que o anterior), agora chamam-lhes selinhos e rio a bom rir quando até erros ortográficos ou gramaticais têm (um tal «J'Adore Tien Blog» pôs-me em êxtase).
Fui desafiada pela Joaníssima. Se aceito o repto não é por ela, por mais que dela goste, é única e exclusivamente pelo tema: livros. Vamos então a isto!
1. Existe um livro que lerias e relerias várias vezes?
Um?! Só um?! Are you kidding? São muitos. E efectivamente lidos e relidos muitas e muitas vezes. O recordista é, sem sombra de dúvida, Os Maias (centenas de leituras ao longo dos anos, um encantamento sempre renovado).
Outros?
Do imortal Eça (e por ordem de preferência):
- O Primo Basílio
- A Cidade e as Serras
- O Crime do Padre Amaro
- A Capital
- A Relíquia
- Notas Contemporâneas
- Cartas de Inglaterra
- As peças (The Importance of Being Earnest, An Ideal Husband, Lady Windermere's Fan e A Woman of No Importance, as restantes não, nem mesmo Salome)
- Os contos. The Happy Prince e The Selfish Giant continuam a fazer-me chorar baba e ranho
- The Picture of Dorian Gray
- Imitação de Cristo, Tomás de Kempis (?)
- Poesias, Álvaro de Campos
- Poemas, Alberto Caeiro
- A Utopia, Sir Thomas More
- Conta-Corrente, Vergílio Ferreira (todos os volumes)
- A la Recherche du Temps Perdu, Marcel Proust
- Brideshead Revisited, Evelyn Waugh
- The Go-Between, L. P. Hartley
- Au Plaisir de Dieu, Jean d'Ormesson
- Como o Tempo Passa, Robert Brasillach
- Lírica, Camões
- A Família Forsyte, John Galsworthy (os três primeiros volumes)
- Pride and Prejudice, Jane Austen
- Emma, Jane Austen
- Jane Eyre, Charlotte Brontë
- Wuthering Heights, Emily Brontë
- E Tudo o Vento Levou, Margaret Mitchell
- The Life and Loves of a She-Devil, Fay Weldon
- Mar Morto, Jorge Amado
- Tereza Batista Cansada de Guerra, Jorge Amado
- Maria Antonieta, Stefan Zweig
- The Six Wives of Henry the VIII, Allison Weir
- Le Rouge et le Noir, Stendhal
- Le Lys dans la Vallée, Balzac
- Os Eygletière, Henri Troyat (três volumes)
- O Amor nos Tempos de Cólera, Gabriel García Márquez
- Lolita, Vladimir Nabokov
- Uma Noite em Lisboa, Erich Maria Remarque
- A Leste do Paraíso, John Steinbeck
- Anna Karenine, Tolstoi
- Guerra e Paz, Tolstoi
- David Copperfield, Charles Dickens
- Os Buddenbrook, Thomas Mann
- As Brumas de Avalon, Marion Zimmer Bradley
- Presságio de Fogo, Marion Zimmer Bradley (e sobre estes dois podem fazer a troça que quiserem, é uma história bem contada, e eu gosto de histórias bem contadas)
- Rebecca, Daphne du Maurier
- Servidão Humana, Somerset Maugham
- As Chaves do Reino, A. J. Cronin
- A Cidadela, A. J. Cronin
- Diário, Anne Frank
- Lua de Mel, Lua de Fel, Pascal Bruckner
2. Existe algum livro que começaste a ler, paraste, recomeçaste, tentaste e tentaste e nunca conseguiste ler até ao fim?
Vários de Saramago. As Verdes Colinas de África, de Hemingway. O homem irrita-me.
3. Se escolhesses um livro para ler para o resto da tua vida, qual seria ele?
Os Maias, evidentemente.
4. Que livro gostarias de ter lido mas que, por algum motivo, nunca leste?
Nenhum, estão todos à minha minha disposição. É só pegar-lhes.
(adenda, umas horas mais tarde) Credo! Acabo de me lembrar de Ulysses, de James Joyce. Uma vergonha, confesso que nunca o li. Venham daí as chibatadas.
(adenda, umas horas mais tarde) Credo! Acabo de me lembrar de Ulysses, de James Joyce. Uma vergonha, confesso que nunca o li. Venham daí as chibatadas.
5. Que livro leste cuja 'cena final' jamais conseguiste esquecer?
Os Maias, claro. Aquele «ainda o apanhamos!»
Brideshead Revisited e as palavras de Charles Ryder «Maybe that's one of the pleasures of building. Like having a son. Wondering how he'll grow up. I don't know. I've never built anything. And I've forfeited the right to watch my son grow up. I'm homeless, childless, middle-aged and loveless.»
6. Tinhas o hábito de ler quando eras criança? Se lias, qual era o tipo de leitura?
Tudo o que apanhava a jeito, muitas leituras antes de tempo. Memórias de Um Burro, da Condessa de Ségur, foi o meu primeiro livro (ainda o tenho), aprendi a ler aos cinco anos. Paixão por Enid Blyton (tudo, menos os livros do Noddy, que nunca li, e com alguma relutância os dos Sete, muito inferiores aos dos Cinco. Enorme favoritismo por dois livros completamente desviados da trajectória habitual: A Casa da Esquina e Seis Primos numa Quinta. Paixão por Berthe Bernage. Odette de Saint-Maurice era um guilty pleasure. Lia indiscriminadamente, livros para raparigas e livros para rapazes.
7. Qual o livro que achaste chato mas ainda assim leste até ao fim? Porquê?
8. Indica alguns dos teus livros preferidos.
Serões da Província, de Júlio Dinis (um escritor injustiçado). Como dizia uma amiga minha, «ele até os pregos da cadeira descreve!») E gosto muito de Júlio Dinis!
A Insustentável Leveza do Ser, de Kundera. Pura teimosia.
Estão todos lá acima, tirando aqueles de que me esqueci.
9. Que livro estás a ler neste momento?
Wolf Hall, Hilary Mantel. Comprado há quase dois anos, quando recebeu os dois mais importantes prémios literários britânicos. Não consegue agarrar-me, mas vou persistir. Veremos.
10. Indica dez amigos para o Meme Literário:
Aqui respira-se liberdade. Eu respondi porque achei piada (achei que despachava isto em cinco minutos). As pessoas cujas respostas gostaria de conhecer são, e sem links, que já é tarde e elas sabem quem são — e atenção, quem não tiver blogue ou o tiver parado pode usar a caixa de comentários:
Ana Vidal (blogue colectivo, antes no muitíssimo bom Porta do Vento, infelizmente extinto, mas ainda disponível para leitura — e se vale a pena!); a Ana é uma querida old soul minha, é só ver a etiqueta aqui no blogue.
Madalena (só me apetece bater-lhe, além de ser uma das minhas melhores amigas tinha um dos meus blogues favoritos; parado há dois anos, está viciada no Facebook).
Luna (dos blogues que continuo a ler foi o primeiro que comecei a acompanhar. Li-o de fio a pavio, cativada pela qualidade da escrita e pelo pensamento rigoroso, de laboratório; hoje orgulho-me da nossa amizade, que se tem traduzido em muitas horas de conversa).
Helena (outro dos meus blogues favoritos, uma das minhas pessoas favoritas); uma mulher admirável ue me põe a salivar de inveja com as suas descrições de Berlim e de ensaios da sua Filarmónica dirigidos por Sir Simon Rattle. Às vezes apetece-me bater-lhe.
I. (o conhecimento do blogue é relativamente recente, tem meses; comecei por reparar nela pelos comentários que deixava noutros blogues que leio, irreverentes, divertidos, às vezes desconcertantes, mas sempre com uma grande sensatez; quando fui investigá-la tornei-me leitora diária).
Julie d'Aiglemont (outro conhecimento blogosférico com poucos meses. O nom de plume diz tudo — a heroína de um dos mais célebres romances de Balzac; só podíamos dar-nos muito bem).
Harvey. O único homem entre nove mulheres. Tem blogue, mas não sei se gostaria que o divulgasse, até porque foi de rápida aparição e consequente paragem. Pessoa que me é muito querida. Um dia, se me autorizar, falo mais dele. A visitor from Charleston... (e esta, Harvey, de onde é?)
Bad Girl. O facto de não admitir comentários no blogue distanciou-nos durante muito tempo, e aposto que ela nem conhecia a Gota, que pouca ou nenhuma visibilidade tem, mas o Facebook pôs-nos em contacto. Temos trocas de mensagens de antologia, e o vício perverso de trocar descobertas de blogues ridículos. Uma lista que vale ouro, mas que nem sob tortura revelaríamos.
Rafa. Com a mesma obsessão maníaca pela correcção da escrita só poderíamos dar-nos bem, muito bem. Outro conhecimento recente, damo-nos como Deus e os anjos.
Provocação. O conhecimento mais recente de todos, diria que tem coisa de um mês. Como diria o incomparável Eça, calhámos uma com a outra. Descobri-lhe o blogue por comentários que deixou noutros. Daí surgiram fecundas conversas privadas. Outra grande pessoa.
Ana Vidal (blogue colectivo, antes no muitíssimo bom Porta do Vento, infelizmente extinto, mas ainda disponível para leitura — e se vale a pena!); a Ana é uma querida old soul minha, é só ver a etiqueta aqui no blogue.
Madalena (só me apetece bater-lhe, além de ser uma das minhas melhores amigas tinha um dos meus blogues favoritos; parado há dois anos, está viciada no Facebook).
Luna (dos blogues que continuo a ler foi o primeiro que comecei a acompanhar. Li-o de fio a pavio, cativada pela qualidade da escrita e pelo pensamento rigoroso, de laboratório; hoje orgulho-me da nossa amizade, que se tem traduzido em muitas horas de conversa).
Helena (outro dos meus blogues favoritos, uma das minhas pessoas favoritas); uma mulher admirável ue me põe a salivar de inveja com as suas descrições de Berlim e de ensaios da sua Filarmónica dirigidos por Sir Simon Rattle. Às vezes apetece-me bater-lhe.
I. (o conhecimento do blogue é relativamente recente, tem meses; comecei por reparar nela pelos comentários que deixava noutros blogues que leio, irreverentes, divertidos, às vezes desconcertantes, mas sempre com uma grande sensatez; quando fui investigá-la tornei-me leitora diária).
Julie d'Aiglemont (outro conhecimento blogosférico com poucos meses. O nom de plume diz tudo — a heroína de um dos mais célebres romances de Balzac; só podíamos dar-nos muito bem).
Harvey. O único homem entre nove mulheres. Tem blogue, mas não sei se gostaria que o divulgasse, até porque foi de rápida aparição e consequente paragem. Pessoa que me é muito querida. Um dia, se me autorizar, falo mais dele. A visitor from Charleston... (e esta, Harvey, de onde é?)
Bad Girl. O facto de não admitir comentários no blogue distanciou-nos durante muito tempo, e aposto que ela nem conhecia a Gota, que pouca ou nenhuma visibilidade tem, mas o Facebook pôs-nos em contacto. Temos trocas de mensagens de antologia, e o vício perverso de trocar descobertas de blogues ridículos. Uma lista que vale ouro, mas que nem sob tortura revelaríamos.
Rafa. Com a mesma obsessão maníaca pela correcção da escrita só poderíamos dar-nos bem, muito bem. Outro conhecimento recente, damo-nos como Deus e os anjos.
Provocação. O conhecimento mais recente de todos, diria que tem coisa de um mês. Como diria o incomparável Eça, calhámos uma com a outra. Descobri-lhe o blogue por comentários que deixou noutros. Daí surgiram fecundas conversas privadas. Outra grande pessoa.
quarta-feira, 27 de abril de 2011
A incomparável graça felina
Marley e Tosh, ontem de manhã
Giuditta Pasta, à hora do almoço, derreada pelo calor
terça-feira, 26 de abril de 2011
Tonta mais tonta não há
Saio de casa às oito e meia, paro de fugida no café ao lado, apresso-me para o autocarro. Vem um a chegar, estou quase a subir quando dou uma palmada na testa: «Mas hoje é terça-feira! Só entras às 11 horas, minha estúpida!» Os feriados dão nisto, desorganizam-me mentalmente — ainda mais.
Encolhi risonhamente os ombros, comprei uma revista e instalei-me na esplanada em frente a saborear o belo sol matinal. Depois ainda voltei a casa para ir buscar a bolsinha das pinturas, de que me tinha esquecido. Foi quando encontrei os meus amigos Marley e Tosh, também eles deliciados ao sol. Não são um encanto?
segunda-feira, 25 de abril de 2011
Conta-me Como Foi
Chega hoje ao fim uma das melhores coisas que já saíram das mãos da RTP. Pouco me importa que seja um formato importado de Espanha, a tradução para a realidade portuguesa é absolutamente irrepreensível. Captaram a ideia e o tempo, tudo o mais é trabalho suado de gente com enorme talento para a escrita televisiva (Helena Amaral, Isabel Frausto e Fernando Heitor, diz-me a Wikipédia).
Não vi o primeiro episódio, mas o Manel telefonou-me a contar, encantado. No domingo seguinte lá estava eu colada ao televisor, no minuto em que chegou ao fim pusemo-nos ao telefone a comentar. Aznavour diz, no seu desgarrador Non, Je n'Ai Rien Oublié, que «on a souvent besoin d'un bain d'adolescence». Conta-me Como Foi revelou-se para mim, e acredito que para muita gente, como um banho de infância.
Eu lembrava-me de todas aquelas coisas! Os adereços eram geniais! Na nossa casa houve durante alguns anos caixas iguais para a massa, o açúcar, o arroz e mais não sei quê (as nossas eram azuis). Lembro-me de ver em casa de amigas minhas bonecada igual em cima dos frigoríficos (com o imprescindível naperon, essa inefável peça decorativa). As cabines telefónicas, as fitas na porta do café, o logótipo do Gazcidla por cima da porta da drogaria, a senhora que apanhava as malhas das meias, tudo coisas que eu tinha conhecido.
É certo que devo estar na idade limite para apreender todas as referências. Carlos Manuel, Carlitos, o narrador, nasceu em 1960, como eu. Para quem for mais novo talvez já haja muitas referências perdidas. Lembro-me de todos os apontamentos paralelos da vida nacional e internacional que são referidos. Lembro-me do casamento de Jackie Kennedy com Onassis, em 1968 (referido no primeiro episódio que vi) — ao fim da tarde o meu Pai chegava a casa com o jornal, que eu me punha a ler, estendida de barriga para baixo no chão da sala, enquanto ele bebia um whisky e retomava o livro da véspera. Foi assim que soube dos assassínios de Martin Luther King e Robert Kennedy, do grande baile dos milionários organizado por Patiño, do casamento de Jackie e Onassis.
Com muita pena minha, perdi demasiados episódios de Conta-me Como Foi. É muito raro ver os canais generalistas, era fatal como o destino, só no dia seguinte me lembrava de que não tinha visto. Ainda assim, vi o suficiente para saber que é uma série extraordinária. Rita Blanco, Miguel Guilherme e Catarina Avelar (outra referência da minha infância, muitas vezes a vi no tempo em que a televisão tinha uma Noite de Teatro semanal) têm desempenhos fabulosos. A inquietação daqueles tempos de mudança é bem palpável, lembro-me de um episódio sobre a pílula, então assunto proibido. E há o fantasma omnipresente da guerra de África.
Passa hoje o último episódio, e não vou perdê-lo. O meu Pai era um homem de direita, mas era profundamente contra o regime de antes do 25 de Abril, aposto que teria adorado esta série.
Um último apontamento: gostaria muito de ter a série em DVD. Mas haja bom senso! São cinco temporadas, das quais só a primeira está editada. Em Parte 1 e Parte 2. Cada uma custa € 29,99. Contas redondas, 60 euros para uma temporada. Beberam? Drogam-se? Fico à espera de uma edição integral de toda a série a um preço razoável. Não é assim que se incentiva o consumo do produto nacional. É só comparar com os preços das melhores coisas já feitas em televisão: Brideshead Revisited, Six Feet Under, Thirthysomething, Forsyte Saga, I Claudius. Tenham vergonha!!
(um grande beijo ao meu querido Zé Calvário, autor da música e da orquestração, e que dirigiu a orquestra)
quinta-feira, 21 de abril de 2011
Entrevista: Vergílio Ferreira

Pedro Rolo Duarte foi nosso condiscípulo no Liceu de Camões, se bem que nunca nos tenhamos por lá cruzado, ele uns anos mais novo do que nós. Como eu, a Clara, o Duarte, o Manel e uns quantos mais, teve o privilégio de ter tido o inesquecível Vergílio Ferreira como Mestre.
Anos mais tarde, viria a ter a honra de o entrevistar, nos anos de declínio a que assisti de perto e de coração apertado, éramos quase vizinhos, ele a morar na Estados Unidos da América, eu na Rio de Janeiro. Um dia, em 1993, enchi-me de coragem e pedi-lhe um autógrafo, tendo escolhido para recolher essa preciosa lembrança um romance seu cujo título, para mim, simbolizava, mais do que qualquer outro, o enorme legado que lhe devo: Mudança.
A longa entrevista que se segue, publicada em Abril de 1991 na extinta revista K, de que todos nos lembramos, foi realizada cinco anos antes da morte de Vergílio Ferreira. É um testemunho valioso das ideias de um grande Homem, de um grande Escritor, de um grande Professor — por menos que este último papel o pudesse contentar. Vergílio Ferreira é um desses poucos eleitos de quem se pode dizer, com plena justiça, que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando.
É com autorização de Pedro Rolo Duarte que agora aqui reproduzo um momento precioso, que muito lhe invejo.

Por: Pedro Rolo Duarte
Sentado no seu cadeirão castanho, Vergílio Ferreira esperava um entrevistador. Apareceu-lhe um antigo aluno do Liceu de Camões. O professor voltou a falar-lhe no caderno diário, nas faltas, nos exercícios escritos. E voltou a dizer, como sempre, que nunca gostou de dar aulas, e que hoje vive apenas para escrever. Mas, por uma hora e meia, regressou ao passado e deu matéria. A matéria toda que o aluno queria ouvir.
O PROFESSOR não sabia, não se lembrava do n.º 20 daquela turma mal comportada do 11.º ano do Liceu de Camões. Mas eu lembro-me bem dele: caminhava pelos corredores de mãos atrás das costas, ligeiramente curvado para a frente e era assim que entrava na sala, sem um sorriso, uma palavra, até que todos estivessem sentados e calados. Então começava a correcção do trabalho de casa e mais uma aula densa, fria, chata, cheia de gramática e apontamentos e perguntas a que nunca sabíamos responder. Uma vez por outra, chegava um "ponto". Uma vez por outra, uma aula sem matéria para dar, só com o professor tentando o diálogo, falando das árvores da Praça José Fontana ou de um livro que devíamos conhecer. Naquela turma não gostávamos muito do professor Vergílio Ferreira e comentávamos o facto de ser público - estava escrito na Conta Corrente - que ele detestava dar aulas. Detestei essa ideia e, tendo os seus livros em casa, comprometi-me a jamais lhes tocar.
Até que um dia, há poucos anos, quebrei o compromisso e abri ao acaso um volume da Conta Corrente. Devo ter lido algo deste género: "E agora que fazer? Gostava tanto de levar até ao fim os dois livros começados. O romance. Sei agora mais claramente o que queria. O périplo de uma vida à procura da palavra. Viemos ao mundo para a encontrar. A palavra total, a que nos diga inteiros, a que nos diga a vida toda. Procurei a minha e não a encontrei. E estou a chegar ao fim. Ou encontrei apenas a do silêncio. Ou a palavra enigmática que a mãe do narrador desse meu romance Para Sempre lhe diz ao ouvido à hora da morte e ele tenta entender através da vida inteira."
Comecei a ler os romances, os romances todos, tudo, e escrevi-lhe uma carta, que nunca mandei, a pedir desculpa por não o ter lido antes. E agora estou à frente do escritor a contar-lhe esta história e a pedir-lhe, humildemente, que comente a minha própria atitude. Diz que "mais vale tarde do que nunca" e sorri, como só um professor sorri. Sentado num cadeirão castanho, rodeado de livros por todos os lados, o professor fala:
É talvez a primeira vez que alguém dá essa ideia de mim, enquanto professor. Têm-me referido alguma austeridade, um homem de poucas palavras, mas a isso é contraposto sempre o professor afável e tolerante. Não me lembro de pretender ser rigoroso. Havia, é verdade, uma coisa que me incomodava muito, que era o aluno distraído, a conversar para o lado - mas sempre que o detectava, atribuí a mim a culpa, entendia que era uma deficiência, sentia-me vexado, diminuído. A minha reacção nunca era castigar - mas dizer coisas que interessassem o aluno, tentar segurá-lo e captar-lhe a atenção.
K: Mas era muito rigoroso, por exemplo, com a manutenção do Caderno Diário, coisa que rapazes com 17 e 18 anos já achavam que era exclusivamente da sua conta...

K: Embora detestasse dar aulas e assumisse essa opinião publicamente...
Olhe, nunca o ocultei porque cumpri sempre. Conheço professores que diziam gostar imenso de dar aulas - e eram professores que não davam as matérias, não faziam exercícios, nada. Ora, como eu tinha a consciência tranquila de cumprir, de ensinar como podia o que tinha de ensinar, estava à vontade para dizer que não gostava de dar aulas, porque não gostava mesmo! Estou, por outro lado, convencido de que, se me pusessem perante as duas hipóteses - ser apenas escritor ou ser escritor e ter uma segunda actividade, por exemplo, ensinar - eu preferiria sempre a segunda. Dedicar-me apenas à actividade literária significaria afogar-me na escrita, na leitura, perder contraste. Assim, depois de uma manhã de aulas, sentia-me livre para começar outra coisa e a escrita saía mais original, mais virginal. Se vivesse de manhã à noite mergulhado na tarefa literária, aquilo que escrevesse não teria a mesma vitalidade.
K: Então foi importante, para a carreira do escritor, a actividade do professor?
Sem dúvida que sim. Sabe, quando era rapaz era melhor aluno a ciências do que a letras. Fui para letras porque tinha aprendido latim no Seminário e resolvi capitalizá-lo, pô-lo a render, tirando um curso que por outro lado eu presumia dar-me rapidamente uma colocação. Não escolhi mal. Hoje, possivelmente, teria optado por outra secção, talvez filosofia, ou românicas. Mas deixe-me dizer-lhe que tive prazer em algumas aulas, em alguns momentos. Em Évora, por exemplo, dei literatura todos os anos, e escolhia sempre uma aula por semana para aquilo a que chamava paleio, conversa. Nessa aula, eu falava-lhes de literatura contemporânea, arte, levava-lhes álbuns com quadros de Picasso, Matisse, e era estupendo... Já em Bragança, onde tinha estado um ano, na altura em que os americanos estavam na berra - o John dos Passos, o Steinbeck, entre outros - eu dava a conhecer esses nomes, essas obras. A um moço de Bragança, que muitas vezes nem sequer tinha visto o mar, falar-lhe de um autor que ele não conheceria tão depressa de outra forma era uma maravilha. Eu não gostava realmente de dar aulas, mas às vezes agradavam-me esses momentos, sobretudo quando sentia que os alunos estavam a abrir os olhos... isso é comovedor, é emocionante... Agora, ir para uma sala dizer 'ó menino, o sujeito, o predicado, o complemento’, é realmente uma chatice! É necessário, mas há coisas absolutamente necessárias que se não gosta de fazer, não é?
K: Tem a noção de que o seu nome, no tempo em que estava no Camões, se confundia com o próprio Liceu?
Não, de maneira nenhuma. De resto, a pensá-lo teria sido já muito antes, quando estava em Évora, numa altura em que o meu nome já era conhecido.
K: Qual era a relação que estabelecia com os seus alunos?
Bom, é outra matéria-prima, a de Lisboa, muito diferente da de Bragança ou até de Évora. A cultura faz-se com o ambiente, o ambiente familiar, um filme que se vê, uma conversa no café, enfim, o mundo exterior. É evidente que um moço de Lisboa é mais desenvolvido, mentalmente, e por isso mais fácil de ensinar.
K: Quando saiu o Até ao Fim, depois do Para Sempre, explicou os seus títulos referindo-se à degradação e perda dos valores por parte da juventude. Não consigo perceber a relação, tanto mais que já tinha deixado de dar aulas, já tinha abandonado esse convívio directo com os alunos...
Bom, deixei de dar aulas mas não deixei de estar atento ao que se vai passando. A verdade é que, quando era miúdo, eu e as pessoas da minha geração tínhamos pais - eu tinha os pais emigrados, mas tinha umas tias... que nos impunham os seus valores - e nós não discutíamos. Um miúdo não discute, é até certo ponto passivo e, no que diz respeito a valores que o transcendem, ainda discute menos. Mandam-no ir à missa e ele vai. A minha geração ainda encontrou determinados valores - por exemplo, políticos. Não podemos esquecer que o comunismo teve extremo peso na mobilização de muitos jovens. Ora, quando se verificou ser o comunismo um logro - o maior do século vinte - todos os mitos se esvaíram. Ele era o eixo central de todos os valores. Em face de quê, hoje, um pai impõe um valor a um filho, se ele os não tem? Sê honesto - mas sê honesto porquê? O rapaz não pergunta mas sente. A juventude de hoje está desarmada de valores que a preparam para a vida. Foi isso que quis dizer.
K: É isso que ainda pensa?
Bom, eu defendo sempre como último valor - porque é o primeiro de todos - o homem e a vida. E pressinto que esse valor, da defesa do homem e da vida, começa a apontar genericamente para o que se chama ecologia e onde se inclui evidentemente a defesa da vida. Pressinto isso até nesse movimento extremamente equívoco que é o pacifismo, a que não adiro (embora, até por preguiça, seja bastante pacífico...).
K: Então já há um valor, uma ideia?
Pergunto: terá o jovem de hoje um ideal que unifique a vida? Não sei, mas este pode ser um movimento... Sabe, eu fui sempre sensível ao problema da arte - é ela a primeira a detectar os movimentos da História (e a História aqui é um termo cómodo, porque não existe. É um nome onde se metem milhares de factores, as guerras, os livros, tudo...).
A História não pára e a arte tem sempre uma palavra a dizer. Hoje, penso que a arte está em grave crise e, para outros, mesmo no fim. Se leu Até ao Fim, há-de lembrar-se da entrevista que o jornalista faz à escultora cuja obra era um monte de pedras. Aquilo não era inventado, aquilo era verdade, eu vi aquilo numa exposição de polacos, que tinha um estendal de sapatos velhos e um monte de pedras.
As pessoas desatentas riem-se, troçam, mas a coisa é grave - não são eles que chamam àquilo escultura, é a História, ao actuar no lado invisível de nós. A História assemelha-se à água que passa debaixo da areia; a gente não a vê e lá à frente ela irrompe outra vez. O erro de Marx foi pensar que podia condicionar a História. Mentira: ela está-se nas tintas para os Marx's, decide sozinha, na consciência ou inconsciência dos homens. Agora, veja bem a ironia da História: pelo uso da praxis científica do marxismo, provou-se que ele próprio era um logro...
K: Facto que deve ter consolado muito o dr., habituado, num país onde a maioria dos intelectuais é de esquerda, a remar contra a maré...
Foi um consolo, sim. Eu tive a sorte de viver o bastante para ver cair os dois fenómenos que mais detestava: o fascismo e o comunismo. Vi a queda de um e de outro e a que realmente me surpreendeu foi a do comunismo. Aquilo era, como agora se diz, um bunker, uma estrutura de cimento armado impenetrável. Mas a História lá se meteu numa fenda, como as plantas se metem por entre as pedras e fazem estalar os passeios, e o bunker estalou. Pude vê-lo, foi bom...
K: Deram-lhe razão...
Ter razão antes do tempo é errar - leva-se de todo o lado, atiram-nos pedras. Mas também é acertar: passei um mau bocado, mas estava certo...
K: Na Conta Corrente e em muitas entrevistas assume sempre o papel de mal amado da literatura portuguesa.
E fui, fui mesmo...
K: Mas agora, desde Para Sempre, é uma unanimidade, toda a gente gosta de si, dos seus livros. Como é que analisa esta mudança?
Então, relembro-lhe o desmoronamento do comunismo...
K: Há relação entre uma coisa e outra?
Então não há? Há uma relação íntima. As pessoas esquecem-se de que, no tempo de Salazar, não havia só a censura oficial, havia também a comunista, que funcionava, como podia, nos jornais, nas editoras, nas revistas. Era aí que se determinava quem era génio (eles não têm medidas, são logo todos génios...) e quem era imbecil. Houve o 25 de Abril, o PC continuou a ter força e depois chegou a perestroika e aí é que começou o problema. Eu lembro-me de um fulano que durante 30 anos me filou a canela e só com a perestroika a apertar-lhe os queixos é que ele abriu as mandíbulas! Costumo dizer que o golpe final foi a queda do muro de Berlim, porque essa gente estava lá dentro - e quando caiu o muro eu fiquei visível, estava do lado de fora...
K: É hoje um homem tranquilo?
Não, não posso, porque sou sempre maior do que eu próprio. Quer dizer: a diferença que vai entre aquilo que se sonha - vagamente, claro, porque quando o sonho se torna nítido, realiza-se - e aquilo que se faz é sempre muito grande. Às vezes, releio os meus livros antigos e de alguns ainda gosto, mas com outros quase cortei relações, não os visito sequer...
K: Quais?
Ah, isso não digo, isso queriam os outros que não me gramam... E não é só isso: sendo certo que todos os pais têm um filho ou outro de que gostam mais, nunca o dizem, não manifestam publicamente a preferência. Eu faço o mesmo, claro.
K: Continua preocupado com o facto de dizerem que se repete, que aborda sempre os mesmos temas?

K: Sabe, dr., ainda hoje penso porque é que uma pessoa com vinte e poucos anos como eu, fica fascinada por livros que falam da morte, como os seus, quando esta é justamente a idade em que a morte não existe, não vai existir...
Nos meus livros há mortos mas não há cadáveres... faz a sua diferença, não é? A verdade é que a morte, a reflexão sobre ela, é para mim uma forma de valorizar a vida - tal como é contra um fundo de escuridão que um fósforo aceso se vê. Essa reflexão não serve para nos afundar, mas para a vida irromper mais forte. Eu sou consciente - e é em função da morte que para mim a vida tem significado. Na sua idade isto não existe, é verdade, mas é bom que através dos meus livros tome consciência da sua existência. Isso significa que fui útil. Porque é que um jovem não há-de pensar nisso? Neste meu último livro, a morte continua a estar muito presente, mas houve quem me dissesse que, depois de o ler, tinha ganho mais amor à vida. Como o doente quando volta a ser saudável - ou o suicida que é salvo a tempo e passa a olhar o mundo com uma atenção extraordinária, como uma revelação.
K: Se juntarmos a sua reflexão ao facto de anunciar sempre que o seu novo livro é o último que escreve...
K: Na Conta Corrente sente-se que o arranque de um novo romance é, para o escritor, um drama...
Eu não me lembro de começar um romance continuar por aí fora até ao fim. Nunca. O caso extremo que tenho é o de Alegria Breve: ia com o livro a meio quando me disseram: sabes que Melo, que é a minha aldeia, está a ficar desabitada, há ruas inteiras que já não têm ninguém? Dei a clássica palmada na testa e pensei: aqui está o enquadramento para o meu romance. Tinha a ideia base, que é a da História em suspenso, a de que o termo de alguma coisa é sempre o começo de outra. O que aconteceu com a Alegria Breve foi excessivo, mas é normal recomeçar tudo ao fim de dois, três capítulos. Preciso de apanhar o novelo e seguir o fio. A escrita é que revela o romance, o escritor nunca faz ideia do que vai ser o romance - é um pouco como criar uma pessoa, ou como um rio: um rio, quando nasce, só sabe que quer ir para o mar. O trajecto é sinuoso, é definido sem controlo, é a tactear que ele chega ao fim. Como o escritor: sei que quero ir para o mar, mas como vou não sei.
K: Já várias vezes disse que o romance tinha os dias contados, não foi?
É como um saco de pedintes, cabe lá tudo, cabe a filosofia, o jornalismo, cabe tudo. Assim, lá se vai aguentando, como o gato, com sete fôlegos O que o pode salvar é a estrutura e a matéria. Aliás, estou com curiosidade em ver que romances vão escrever agora os nossos escritores. Eles terão de fazer longas reflexões porque isto mudou muito, o mundo mudou todo. É claro que dizer a nossa mágoa é já uma forma de a superar, mas a verdade é que não se podem voltar a escrever livros como o Alves Redol... E rasamente lhe digo que, para o século vinte, não vejo mais do que um Raul Brandão, o romance do Sá-Carneiro e um do Régio. Para este século, ficamos por aqui...
K: Sente-se beirão, naquilo que são as características que geralmente se lhes apontam?
Exteriormente, não tenho aquela rudeza, a pujança física, a agressividade do beirão. Mas é verdade que interiorizei algumas características: a obstinação disseram-me sempre que, era obstinado. Embora fisicamente pouco viável, vou sempre até ao fim quando me meto numa tarefa.
Sou rude, trágico, soturno como a serra da Estrela. E interiorizei a neve, claro, aquele encantamento todo. Sabe que eu sei de cor a Balada da Neve, que é um poema medíocre - e até tem um erro de sintaxe... - mas de que não consigo deixar de gostar?
K: Queixa-se amargamente de Lisboa, confessa-se um beirão. Agora que está reformado podia largar a cidade, não?
Agora não posso. Estou aqui há 31 anos, todas as relações estão aqui, temos aqui o Lúcio, que criámos, o filho e netos, tudo isso. Lisboa nem é uma cidade como Nova Iorque ou Tóquio, aquelas grandes cidades, mas para mim já é excessiva. Eu ficava com um quarto da cidade...
K: Qual quarto?
Olhe, este onde vivo! Ficava com Alvalade e o resto podia ir tudo embora. Às vezes penso nas viagens que fiz em Lisboa, pela marginal, que é perigosíssima, os problemas de trânsito... hoje já não vou
K: Escreveu cinco volumes da Conta Corrente pronunciando-se sobre tudo e todos, diz que é dos escritores mais entrevistados, pedem-lhe opinião sobre tudo, diga-me: expõe-se dessa forma por dever, por prazer, porquê?
Eu não sei o que sou para poder expor o que sou, nem estou interessado. Vou aprendendo o que sou com aquilo que me dizem, só isso e aquilo que sei de mim não o exponho dessa forma. Não há nada que mais ofenda os outros do que as nossas queixas - ficam fulos, está-se a exigir-lhes compreensão e piedade para connosco. Então o que é que eu faço? Digo sem dizer, dou um traço de ironia, brevidade, enfim, utilizo técnicas que visam a aceitação do leitor sem que me chegue a considerar um chato...
K: Tem receio de ser considerado um chato?
Se for na escrita, é mau. Às vezes dizem-me "ah, o dr. é tão melancólico" e eu, para despachar, digo "sou, sou ". Mas acho que não - as pessoas que convivem comigo dizem que sou laracheiro, digo piadas, sou irónico. Agora, quando entro na arte é a sério - e tal como o Picasso dizia que quando ia pintar deixava o corpo lá fora, quando eu escrevo deixo as piadas lá fora... Um pouco como diz a Amália, bem pensado todos temos um fado. Eu tenho este, o de escrever: e cumpro o meu fado. Gosto de escrever e gosto que me leiam. E já agora, que me digam quando gostam. Quanto à vaidade, sou tão vaidoso como os outros, não sou modesto, sou igual a toda a gente. Mas, por exemplo, não gosto de ser reconhecido na rua, sentir aqueles olhos a fitarem-me. É muito desagradável...
K: Perguntam-lhe pelo próximo romance...
Pois, se eu soubesse. Mas eu não sei, não sei o que vai ser...
K: Escreve à mão? Estou a ver ali uma máquina de escrever...
Ah, sim, a máquina, odeio a máquina, é horrível. Mas tem de ser, eu tenho uma letra terrível, somítica. Antigamente tinha os meus dactilógrafos, que a entendiam e que até colaboravam nos livros, metendo palavras deles. Palavras que faziam sentido, claro. Muitas vezes, eu nem dava por elas. Dei comigo, anos mais tarde, a reparar nessas palavras e a pensar "eu não escrevi isto, não era assim ", e depois ia ver o original e realmente não estavam lá... Mas agora tenho de ser eu a passar. Com Em Nome da Terra demorei um mês a copiar o texto, com enorme sacrifício. Sabe, é que escrevendo à mão sou logo eu projectado no papel, enquanto com a máquina há o bater das teclas, dá cabo dos nervos, é preciso estar sempre a puxar o carreto, é um drama, é terrível...
É quando o professor volta a olhar o relógio de bolso, uma cebola grande e antiga, e diz que chegámos ao fim. Falámos hora e meia e está fatigado. Mas, voltando dez anos atrás, ainda me diz: "Pronto, faça lá a redacção disto tudo e espero que o que lhe ensinei no Liceu, apesar do rigor, o ajude a tornar esta conversa legível. Sabe que falar e escrever são duas linguagens diferentes. E a fala é já de si expressiva pelos gestos, tom de voz, o que naturalmente a escrita não tem."
Publicado por K em Segunda-feira, Setembro 19, 2005
quarta-feira, 13 de abril de 2011
The Big Five O (and a once upon a time)
Podia pôr aqui um retrato teu. Podia pôr aqui um dos poucos retratos que temos juntos, há muitos anos, numa festa do Stone's (e estávamos tão giros, apetecia mesmo!). Não devo nem vou fazê-lo. Procurei uma fotografia da Pindô na Internet, não encontrei nenhuma. Fica esta, e as coordenadas são bastantes.
Por mais que isso possa irritar outras pessoas (e muito irritou, em tempos idos), esta é uma música que só consigo associar a ti e àqueles tempos tão longínquos em que fingíamos estudar no teu quarto de paredes estridentemente cor de laranja (que raio de cor!) e só ríamos muito, e ouvíamos muita música, e o frasco de álcool já era presença habitual na secretária, para apagar cada risco da esferográfica Cross (que perdi há muitos anos) que ia parar ao teu braço a cada disparate que me dizias. E ríamos, ríamos.
Apanhaste-me, uma vez mais, mas só até Agosto. Serei sempre mais velha, mesmo que só oito meses. E gosto, sempre gostei, vou gostar muito de ti a vida inteira. Nada a fazer, terei sempre este enorme fraco por pessoas muito inteligentes. Verdade seja dita, tu não és meramente inteligente. És brilhante. Só espero que não tenhas sido ainda atacado pelo senhor alemão, e que reconheças a música. e ela te transporte no tempo. Porque foi um tempo bonito. Porque és o meio amor dos dois grandes amores e meio da minha vida.
domingo, 10 de abril de 2011
Eles andem aí
Desengane-se quem pensar que a blogosfera detém o monopólio do disparate e da alucinação (fenómeno em que os últimos dias foram, uma vez mais, particularmente generosos). A coisa é contagiosa, é global e infiltra-se nos sítios mais insuspeitos, até na respeitável Amazon.
Foi graças aos Tudors, essa fascinante e monumental fantochada histórica em forma de série de televisão (caluda, já encomendei a quarta e última temporada, guilty pleasures) que há tempos deparei com a seguinte pérola, nas críticas à terceira temporada:
Este crítico, que sustenta ser descendente em linha directa de Jane Seymour, terceira mulher de Henrique VIII (não obstante desconhecer a grafia do apelido), declara ser também Henry Cavill, aquele colírio para os olhos da imagem lá de cima, senhor para qualquer mulher se atirar nua para o chão (assinar a crítica com nome substancialmente diferente não vem ao caso). Por último, porque não há duas sem três e porque é pessoa de multifacetados talentos, anuncia-se também historiador, gabando o rigor histórico da série — uma opinião verdadeiramente revolucionária. Tudo isto em escassas seis linhas pejadas de erros de ortografia. Convenhamos que é notável.
Chorei a rir com os comentários que se seguiram (podem ler tudo aqui), destaco os meus favoritos:
This guy is a real nut case and old Henry would probably have him beheaded for inpersonation.
This is obviously a cry for help.
Have the fellow chained and sent to the Tower to await the kings pleasure
This guy's off his meds!
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